portugal meu avôzinho era secção de um dos marcos do jornalismo brasileiro, a revista cruzeiro, misto de life e caras, assinada por david nasser.
como reproduzimos hoje entrevista de saramago, o avô ranzinza que muita gente gostaria de ter, cometemos a chiste, quase uma private joke.
Saramago :Desventuras em série
José Saramago critica a corrupção no governo Lula, teme pelas esquerdas, pela Amazônia e fala da morte em seu novo livro
por Luís Antônio Giron
José Saramago está lançando mundialmente, no Brasil, seu novo romance, As Intermitências da Morte (Companhia das Letras, 208 págs., R$ 35). Na semana passada e no início desta, ele fez palestras de apresentação e leu trechos do livro. Pretende fazer o mesmo em Portugal a partir de 11 de novembro.
A nova ficção do premiado autor aborda um tema tabu - que, como tal, faz parte da vida de todos, mas cada vez mais as pessoas anseiam ocultar: a morte. Tanto a morte de cada indivíduo como a do planeta Terra, ameaçado por desastres climáticos e pela destruição humana dos recursos naturais. É tanto uma parábola sobre a condição mortal como uma alegoria malthusiana. De repente em certo país, conta o livro, ninguém morre mais. As conseqüências são as mais destrutivas: as empresas funerárias e a Igreja Católica entram em colapso (afinal, a morte é o motor de suas atividades), as pessoas são condenadas a viver eternamente, cada vez mais velhas e alquebradas, o planeta cai no caos. Como veio, a morte se vai. Encarna em uma linda mulher para se dedicar a um violoncelista, condenado a morrer aos 49 anos. Mas já haviam passado alguns meses do prazo. O envolvimento da morte com o músico leva a um desfecho inesperado. Mais uma vez, Saramago utiliza a ficção para discutir suas idéias sobre o homem, a sociedade e o futuro do planeta.
Com ótimo humor, ele concedeu uma longa entrevista a ÉPOCA no jardim da casa em que estava hospedado em São Paulo. Saramago comentou sua nova narrativa, criticou Lula (que havia apoiado) e os escândalos de corrupção que paralisaram o governo brasileiro e avaliou o deserto ético que a esquerda atravessa. Apesar de tudo, continua a se denominar 'comunista'.
José Saramago
Dados pessoais
Nasceu em 1922 em Azinhaga (Ribatejo)
Carreira
Foi serralheiro, desenhista,
funcionário público e jornalista.
Auge
Foi o primeiro autor de língua portuguesa a ganhar o Prêmio Nobel de Literatura, em 1998
Livros famosos
A Jangada de Pedra (1988), O Evangelho Segundo Jesus Cristo (1991), Ensaio sobre a Cegueira (1995)
ÉPOCA - O Nobel alterou sua vida?
José Saramago - Sou a mesma pessoa. Mas é claro que os convites e solicitações aumentaram. Sempre fui um sujeito ativo que gosta de fazer intervenções públicas. O que faço hoje é aproveitar a situação para me manifestar mais. O que não quer dizer que outros intelectuais ou ganhadores do Nobel não possam agir a sua maneira. Desde o Nobel escrevi quatro romances e continuo a fazer o que fazia. Portanto está bem, pois não mudei.
ÉPOCA - Sua atuação não aumentou?
Saramago - Tenho viajado. Continuo a revezar estadas em Lanzarote (ilha espanhola) e em Lisboa, eventualmente Paris. Estou por toda parte. Mas continuo a pagar meus impostos com regularidade em Portugal. Ninguém pode me acusar de evasão de divisas!
ÉPOCA - Há um futuro comum entre países de língua portuguesa?
Saramago - Antigamente falávamos muito nas línguas de Portugal e Brasil. Hoje é preciso considerar as culturas do Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Angola etc. Cada uma dessas nações utilizou a língua portuguesa a seu modo, expressando sua realidade e seus sentimentos. Hoje Lisboa não tem mais condições de ditar regras para o português. Os portugueses já não são mais os donos da língua. Seria necessário que discutíssemos algumas formas de unificação da língua, como a ortografia, por exemplo. Mas qualquer uniformização ortográfica me parece hoje muito tardia. A tendência num futuro próximo é de que os vários ramos do mesmo tronco do português se afastem cada vez mais. Acontecerá mais ou menos como o baixo-latim, que gerou o português, o italiano, o espanhol, o romeno, o francês.
''Não sou pessimista. O mundo é que é péssimo. Como podemos ser otimistas diante de um planeta onde as pessoas vivem tão mal, a natureza está sendo destruída e o império dominante é o do dinheiro?''
ÉPOCA - Como é seu envolvimento com os movimentos ecológicos?
Saramago - Naturalmente me preocupo com a destruição da natureza, mas não tenho sido muito ativo nisso. O Greenpeace me convidou a adotar papel reciclável controlado para a edição de meus livros e isso me pareceu uma atitude válida para ajudar a preservar as florestas. Em boa parte do mundo, inclusive no Brasil, meu novo livro será impresso em papel controlado. É uma medida pequena, mas achei válida.
ÉPOCA - O espectro da destruição que ronda o mundo é tema do romance. Pela primeira vez, a morte é tema e personagem. Por que a morte agora?
Saramago - O fato é que a morte sempre esteve aí, faz parte da vida de todo mundo. Ela percorre meus outros livros. Mas antes o personagem morria e ponto final, não havia uma reflexão sobre o assunto. Agora tomei a morte como tema de uma reflexão mais profunda. No livro, uso primeiro uma grande-angular e crio uma fantasia em torno de uma suposição: como a ausência da morte afetaria uma sociedade inteira? Depois, fecho a objetiva para um caso específico: a morte se materializa em personagem e tenta carregar para o além um violoncelista que insiste em não morrer. Procuro demonstrar que a morte é fundamental para o equilíbrio da natureza. A expectativa de vida está cada vez mais alta - e isso não é natural nem desejável para um mundo que necessita de renovação das gerações e evitar o esgotamento de seus recursos. Por uma dessas formas naturais de equilibrar a situação, o mundo está ingressando num período de contenção dos níveis de natalidade.
ÉPOCA - A população idosa representa um entrave para o progresso?
Saramago - Sim, porque, por exemplo, nos países europeus os governos têm encargos enormes com a população de aposentados que precisam ser mantidos pela Previdência Social. Daqui a pouco, com as pessoas tendo velhices cada vez mais longas, será impossível para os governos sustentar as pensões de aposentados.
ÉPOCA - A frase marcante do livro é 'Não existe nudez maior do que a do esqueleto'. O senhor teme a morte?
Saramago - Todos somos esqueletos. Apenas não notamos isso. Todos teremos de morrer cedo ou tarde, e a morte pode causar sofrimentos terríveis. Estamos aqui falando do assunto, e não consigo temer a morte. A questão não é pensar na morte, mas no 'outro lado', no momento em que passaremos de estado. Viraremos esqueletos e tudo acabará. O esqueleto se torna, então, a forma mais radical da nudez.
ÉPOCA - Em seu livro, a nudez da morte não está banhada em sensualidade e lirismo?
Saramago - Sim, porque a morte-mulher acaba se apaixonando por um homem, fazendo-a suspender a morte das pessoas, num recomeço do ciclo que atormenta o ser humano. Há passagens sensuais e líricas como em muitos outros livros.
ÉPOCA - A música é outra marca forte. Ela influencia sua escrita.
Saramago - Sou melômano. Gosto de ouvir música ao escrever, embora eu saiba que escrever e ouvir música causa interferências, uma ação deve ser separada da outra. Em As Intermitências... utilizei a música porque trata-se do encontro do músico com a morte. E isso acontece em um concerto. As suítes de (Johann Sebastian) Bach estão presentes e fazem a morte ajoelhar-se e chorar diante de sua beleza. Usei o violoncelo porque me parece apropriado para estabelecer o contato do homem com a dimensão da morte. A morte, na Idade Média, é representada como um esqueleto tocando rabeca. Mas o personagem só poderia se encontrar com a morte tocando violoncelo, por se parecer demais com a voz humana.
ÉPOCA - A morte tornou-se tabu nos dias de hoje?
Saramago - Sim. Hoje as pessoas querem evitar o assunto e esconder as mortes que acontecem a sua volta. É como se o mundo fosse um hotel onde os mortos costumam desaparecer na calada da noite, sem que nenhum ä hóspede possa notar sua presença. Embora os filmes e a televisão abordem a morte, não tocam no ponto fundamental da finitude. As mortes são falsas, os mocinhos levam tiros e voltam a viver. É outra forma de tratar a morte como irreal. No passado, ela era vista com maior drama. Talvez as pessoas exagerassem, mas sabiam conviver com a tragédia.
ÉPOCA - O senhor faz no livro uma descrição apocalíptica do planeta, com seus recursos naturais esgotados. O mundo está condenado à destruição?
Saramago - O planeta está sofrendo um saque de seus recursos materiais. Como não temos outra despensa do que a própria Terra, essa exploração tende a esgotar nossas reservas naturais. O homem se encarrega de destruir a si próprio. E veja o caso da Amazônia, com uma seca assombrosa e a devastação das árvores. Essa floresta é essencial para a saúde da humanidade, é o pulmão do mundo, e já perdeu 17% de todo o seu território. Daqui a pouco, caso o governo não tome medidas efetivas, a Amazônia deixará simplesmente de existir. E esse é um assunto do Brasil, de ninguém mais. O Brasil tem uma responsabilidade mundial nesse caso.
ÉPOCA - Por falar em Brasil, o senhor apoiou o governo Lula no início. Qual a sua opinião hoje?
Saramago - Prefiro não falar nisso, vamos esperar para ver no que dá. Mas é brutal. O desgaste que o governo Lula sofreu é muito forte. Depois de tantas esperanças, não imaginávamos que escândalos de corrupção tomassem o governo Lula, que representava uma luz nova para um mundo cada vez mais mergulhado em interesses mesquinhos. Ele não poderia ter admitido a corrupção, e não consegue mais combatê-la. Vamos aguardar as investigações.
''Não imaginávamos que escândalos de corrupção tomassem o governo Lula, que representava uma luz nova para um mundo cada vez mais mergulhado em interesses mesquinhos''
ÉPOCA - O senhor acha que Lula ajudou a projetar o Brasil?
Saramago - No começo, sim. Mas, na situação atual, Lula está amarrado: sua liberdade de ação é limitada. Ora, esse fato é muito sério para o Brasil, que tem um regime presidencialista. Lula está de pés e mãos atados e parece que não vai mais conseguir fazer as grandes medidas que prometeu no plano social. Foi uma decepção para o mundo.
ÉPOCA - Na nova ordem mundial, e não apenas no Brasil, a esquerda está vivendo uma crise ética. O senhor ainda crê nela?
Saramago - A esquerda atravessa um deserto e não consegue chegar a um oásis. Ela tem se fragmentado por toda parte. Em países como a Argentina, os partidos de esquerda perderam toda a representatividade no Congresso. Em Portugal, apóio a candidatura de Mário Soares (do Partido Socialista Português). Pode ser que não seja um milagre, um novo Sebastião, mas pode fazer alguma coisa pelo país, a reboque dos interesses do capital econômico.
ÉPOCA - O senhor continua a professar o comunismo?
Saramago - Claro! Acredito que a única maneira de resolver os problemas da humanidade está na distribuição de renda e na igualdade entre as pessoas. Curiosamente, hoje você pode dizer que seu vizinho é comunista ou eu posso afirmar que sou um comunista. Mas ninguém se declara capitalista. Capitalistas são eles lá, os chefes das grandes corporações, os donos do dinheiro.
ÉPOCA - O senhor acha que o mundo hoje se reduz a um império mundial liderado pelos Estados Unidos?
Saramago - Agora vivemos o império do petróleo e do dinheiro - o resto é disfarce. Até mesmo George W. Bush está submetido aos desígnios do Grande Capital. Ele governa para as grandes corporações. O capitalismo neoliberal não passa do governo dos grandes conglomerados econômicos.
ÉPOCA - As guerras assimétricas atuais, empreendidas pelos Estados Unidos, revelam um choque de civilizações entre Ocidente e Oriente?
Saramago - Depende. A Arábia Saudita, aliada dos EUA e maior produtora de petróleo, possui um regime fundamentalista. Foi o petróleo que moveu a invasão do Iraque. Existe, sim, um conflito religioso entre o cristianismo e o Islã, que só seria resolvido com um acordo comum entre os dois blocos. Afinal, se Deus existe, ele é só um. Para que brigar?
ÉPOCA - Bento XVI teria algum papel nesse pacto?
Saramago - Não acho que ele terá qualquer atuação no sentido conciliatório. Mesmo João Paulo II não estava preparado para isso, nem interessado.
ÉPOCA - Por que no romance Ensaio sobre a Lucidez o senhor critica o regime democrático?
Saramago - Porque o fato é um só: a democracia funciona apenas no plano institucional, na organização e derrubada de governos pelo voto. Na prática, quem manda são organismos como a Organização Mundial do Comércio e o FMI, que não são eleitos democraticamente, são instituições imperiais. Na falsa democracia mundial, o cidadão está à deriva, sem a oportunidade de intervir politicamente e mudar o mundo. Atualmente somos seres impotentes diante de instituições democráticas das quais não conseguimos nem chegar perto.
ÉPOCA - Pelo jeito, o senhor continua sendo pessimista.
Saramago - Não sou pessimista. O mundo é que é péssimo. Como podemos ser otimistas diante de um planeta onde as pessoas vivem tão mal, a natureza está sendo destruída e o império dominante é o do dinheiro?
estabelecer um nobel como auge de uma carreira não me parece boa medida. mas fazer este comentário pode soar a dor de cotovêlo de nacional de país que não tem nobel. de qualquer maneira boa parte dos portugueses detesta saramago e vice-versa. e tinha eu que meter-me no meio deste tiroteio? contudo, não posso deixar passar o comentário de zé sobre a questão da unificação do português. perdeu-se a oportunidade por mesquinharia e estupidez, mais de lá do que de cá. portugal deixou de ser dono do português faz tempo. mas comporta-se como mãe de filho cinquentão como se ele tivesse 5 anos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário