segunda-feira, junho 23, 2014

não foi só o marcelo que fez gol contra



Todas as quartas-feiras a defensora pública Daniele Monteiro atende famílias impactadas por obras da Copa do Mundo no Recife. No Fórum de Camaragibe, cidade da Região Metropolitana da capital pernambucana, as famílias buscam resolver pendências de seus processos de desapropriação. Eles moravam na comunidade Loteamento de São Francisco até o final de 2013, quando suas casas foram demolidas pelo governo. No entanto, muitos ainda não receberam nenhum centavo das indenizações devido a entraves burocráticos. Hoje, a maioria vive de aluguel e teve sua vida desestruturada.
A defensora pública estima ser responsável por pelo menos 20 casos desse tipo em Loteamento de São Francisco. A comunidade teve 200 de suas famílias removidas para obras de mobilidade: a ampliação do Terminal Integrado de Camaragibe e a construção do Ramal da Copa, via rodoviária de acesso à Arena Pernambuco. A ampliação do terminal não foi iniciada e o ramal está funcionando de forma improvisada durante o torneio.
As 200 famílias removidas em Loteamento de São Francisco integram as cerca de 2 mil desapropriadas pela Copa em Recife, segundo levantamento do Comitê Popular da Copa local.

(copa sem casa, coletivo Nigéria)

segunda-feira, junho 16, 2014

não há potes de ouro no arco-íris da publicidade simplesmente porque tal paleta de cores para os gêneros não existe


"A publicidade e os estereótipos ainda prevalecem 
na divisão de brinquedos para meninas e meninos"

Aos 5 anos de idade, a filha da artista sul-coreana JeongMee Yoon vivia literalmente em um mundo cor-de-rosa. A pequena tinha verdadeira obsessão pela tonalidade, a ponto de só se vestir com roupas rosadas e brincar exclusivamente com objetos e brinquedos dessa cor. Logo a artista descobriu que o caso de sua filha não era incomum. Seja na Coreia, seja nos Estados Unidos ou no Brasil, grande parte das meninas brinca e se veste com a cor. “Talvez seja a influência de propagandas dirigidas para meninas e seus pais, como a universalmente popular boneca Barbie e a Hello Kitty”, especula JeongMee em seu site pessoal. “Meninas são subconscientemente treinadas para usar cor-de-rosa para se sentirem femininas.” Em 2005, a experiência pessoal deu origem ao The Pink and Blue Project (Projeto Rosa e Azul), série de fotografias de meninos e meninas rodeados de respectivos brinquedos, roupas e objetos cor-de-rosa e azuis que busca entender como o consumo atrelado ao gênero influencia a vida das crianças. 
Recentemente, a empresa norte-americana GoldieBlox jogou novas luzes sobre o assunto ao veicular o que as redes sociais chamaram de o “primeiro comercial feminista” no intervalo do campeonato de futebol americano, o Superbowl, considerado um dos eventos televisivos de maior audiência nos Estados Unidos. No anúncio publicitário de 30 segundos, uma multidão de meninas recolhe bonecas, casinhas, tiaras, castelos cor-de-rosa e princesas e, literalmente, manda a pilha para o espaço, embalada pela música que dizia More than pink, we want to think (Mais do que rosa, nós queremos pensar, na tradução). A empresa passou a vender brinquedos como kits de construção e de engenharia direcionados especialmente para meninas, após sua fundadora, a engenheira Debbie Sterling, de 30 anos, visitar uma loja de brinquedos e perceber que pouco havia mudado desde a sua infância – a maioria dos brinquedos disponíveis era cor-de-rosa e muito atrelada aos papéis tradicionais de gênero. “Nós somos ensinadas desde pequenas a querer virar princesas”, explicou Debbie durante uma palestra para a Technology, Entertainment, Design (TED), conhecida popularmente como TED Talk. “Mas isso não quer dizer que as coisas não possam mudar.” 
Companheiros dos pequenos há muito tempo, os brinquedos se tornaram uma mercadoria fortemente impactada pelo marketing de meados do século XX para cá. “Dentro dessa lógica de mercado, os brinquedos tendem a reproduzir uma divisão de características e formas de trabalho ligada a uma visão muito conservadora e rígida”, explica Marilia Pinto de Carvalho, professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Ou seja, de forma geral, os brinquedos tendem a replicar estereótipos ligados à maternidade e o cuidado para as meninas e esportes ou construção para os meninos. 
Além de essa diferenciação começar muito cedo e da forte influência da publicidade, as crianças também acabam sendo restringidas na hora de escolher seus brinquedos e brincadeiras pela própria família e pela escola. “A tendência é que as famílias e as escolas sejam muito repressivas. Há uma restrição muito grande de potenciais que a criança poderia ter com relação às brincadeiras. Isso pode determinar até as possibilidades futuras de profissões”, analisa Marilia. Ao mesmo tempo, acrescenta ela, estão em andamento movimentos de ruptura. Seja por parte das crianças, que enfrentam os modelos e as famílias e brincam com o que mais gostam, seja por parte de algumas escolas.  
É o caso da escola pública municipal de São Paulo onde trabalhava a pedagoga Edna de Oliveira Telles. Intrigada com os relatos carregados de visões tradicionais e binárias de gênero colhidos entre os alunos do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental, Edna elaborou, em conjunto com os demais professores da escola em que era coordenadora pedagógica, um plano de intervenção por meio de brinquedos e brincadeiras. A ideia era simples: duas vezes por semana, os grupos de crianças entre 6 e 10 anos teriam acesso a grandes caixas de brinquedos – uma delas recheada de bonecas e a outra de brinquedos considerados masculinos. A ideia era que todos os alunos e alunas, independentemente do gênero, brincassem com todos os brinquedos disponíveis. Inicialmente, diante da caixa de bonecas, a maioria dos meninos se recusou a brincar. Com o tempo e com as intervenções da equipe pedagógica, eles foram entrando na brincadeira. 
A experiência, ocorrida em 2011 e 2012, foi um sucesso. “Nós tivemos essa experiência prática que mostrou que é possível, mas, para a mudança ser efetiva, não podemos trabalhar só com as crianças. As famílias precisam ser envolvidas no diálogo”, conta Edna, cuja dissertação de mestrado também trabalha com a questão de gênero e a educação. A conversa é importante para evitar, por exemplo, reações contrárias. “A partir do momento que a escola oferece essas brincadeiras mais livres, ela precisa estar preparada para lidar com as famílias. O diálogo é a chave da transformação”, analisa Laís Fontenelle, psicóloga do Instituto Alana. 
Para Edna, coordenadora pedagógica da rede municipal e doutoranda em educação pela USP, além das crianças e das famílias, o corpo docente também precisa discutir e ser sensibilizado para trabalhar a questão de gênero. “Desconstruir estereótipos por meio dos brinquedos é apenas uma das possibilidades que podemos trazer para a escola”, conta. Diversificar os modelos apresentados, conversar sobre as várias opções de engajamento profissional e falar sobre a vida e a obra de mulheres importantes na política e na história são outros exemplos de ações positivas.

(um mundo limitado por cores, da tory oliveira, na carta fundamental)

sábado, junho 07, 2014

muito relativo ou a equação que os "românticos"* resolveram por um tempo



soa estranho para quem viveu um tempo em que a boa propaganda, leia-se boas ideias - e não só: tinham de também ser ousadas - feita por artífices era decisiva para se fazer bons negócios. e, talvez, também para quem tem uma ideia minimamente crítica sobre o  bastante discutível do que seja hoje um referencial criativo de qualidade e eficácia.

portanto quanto mais bons negócios, menos boa propaganda.
quanto mais boa propaganda, fracassos a porta.

simples assim? não. é relativo, dizem muitos. mas a tal da equação da relatividade especial, não só é considerada uma das mais belas como uma das mais difíceis do mundo.

talvez estejamos a exigir demais dos publicitários e de menos dos matemáticos. ou seria o contrário ?

* uma das formas mais sub-reptícias de subvalorizar o trabalho feito por líderes e ícones da propaganda é chamá-los de românticos. romântico é o caralho! ante a impossibilidade - ou a preguiça, ou falta de caráter - de fazer melhor, simplesmente há a referência aos tempos que eram outros adjetivando-os cavilosamente de românticos. como se nestes tempos de ainda maiores dificuldades - de uma profissão em afirmação(hoje é deterioração mesmo) com todas as implicações e imbricancias de um momento histórico onde, inclusive, economicamente não era nem um pouco economicamente favorável por períodos diversos e muitas vezes longos. 

quinta-feira, junho 05, 2014

quando por trás delas haviam olivettos pensando como o olivetto das olivetti - e não como o(s) de agora









acredite, esta máquina de mecânica rudimentar,  e que hoje nem adelos querem, já fez mais pela pela qualidade da comunicação - propaganda, jornalismo, relações publicas e os escambau - do que todos os i-books e i- macs e i-phones em ação. 

a razão ? óbvia. causa épocas se dispunham a pensar pra valer com foco no que realmente podia ser feito de forma diferente muito mais do que os absolutamente focados em rotular o fazimento da diferença que não há no que fazem sem pensar ou no que não fazem, o que dá no mesmo.

segunda-feira, junho 02, 2014

suspeito também da folha, e de quem usa reticências em títulos

(Nuno Ramos: Suspeito que estamos..., Folha de S. Paulo)

Há tempos venho tentando responder ao convite para escrever nesta página três. O jornal me propôs vários temas, mas nunca me senti preparado para dar conta de nenhum. Então resolvi escrever sobre o que não sei, mas suspeito.
Suspeito que o tema primordial e decisivo da sociedade brasileira sempre tenha sido, e seja ainda, a violência. A vida no Brasil nunca valeu muito. Hoje vale ainda menos. Giramos em torno disso como um animal preso ao poste. Suspeito que o sentimento de agoridade que nos caracteriza faça fronteira com essa violência. Suspeito que precisaríamos, como contraponto, de maior lentidão e inércia.
Perto da violência, suspeito que tudo saia do lugar. Noções como alto e baixo, direito e esquerdo, bem e mal, certo e errado se confundem. Por estar em toda parte, suspeito que esse tema aproxime-se, entre nós, do impensável, e que traga em seu DNA, como esses vírus de mutações constantes e velozes, alguma coisa metamórfica que sempre se transfigura e escapa.
Suspeito no entanto que haja um vínculo estreito entre violência e burrice urbana. Além de morar em São Paulo, andei recentemente por Salvador, São Luís, Manaus, Natal –suspeito que sejam, todas elas, cidades apodrecendo sob o sol. Quarteirões tombados tombando, de um lado; prédios totalmente desconectados da cidade (além de feios), sem cota nem propósito urbano, de outro. Suspeito que entre o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e a especulação imobiliária uma curiosa aliança esteja aos poucos se fazendo –ruínas orgulhosas copulando com despautérios azulejados de 30 andares.
Suspeito que cada detalhe desses grandes centros urbanos esteja em situação igualmente trágica. Suspeito, por exemplo, que quase todas as praias em cidades desse porte tenham ficado estreitas, comprimidas contra um muro de arrimo. Como não podemos mais transportar o paredão dos egoístas (a expressão é de Le Corbusier) cem ou 200 metros no sentido da montanha, suspeito que será preciso aterrar o mar para termos novamente praias em escala decente. Suspeito que muitas vezes as piadas que fazemos com os portugueses se apliquem a nós.
Suspeito que a indústria cultural brasileira seja também ela violenta. Assisti a Luciano Huck "modernizando" a ximbica de um espectador. Vi esse espectador chorar, depois mover os braços como se quisesse abraçar os joelhos do apresentador. Suspeito que isso seja cruel. Suspeito que isso seja cretino.
Suspeito que o tropicalismo tenha naturalizado nossa indústria cultural até um ponto sem retorno, e que o ciclo de conquistas democráticas provenientes dessa operação tenha já se encerrado há décadas. Suspeito que perceber o tiquinho de crueldade que haveria em atirar bacalhau nas pessoas não faça mal nenhum ao país; surpreender um ríspido sargento no modo como Ivete Sangalo dança e canta também não. Suspeito que acessar algo de ridículo no "Jornal Nacional" –a falsa intimidade da dupla, seu balé de rostos virando para a câmera, a ruga na sobrancelha de William Bonner, como um aluno estudioso se preparando para começar uma prova, a gostosíssima Patrícia Poeta descrevendo, e ainda mais com esse nome, a chegada de um tsunami ou terremoto de nove graus na escala Richter– seja uma conquista nacional relevante. Suspeito, no entanto, que nessa área caminhemos para uma verdadeira hagiografia, unilateral e coletiva (daí o esforço, essencialmente religioso, de controlar biografias).
Suspeito que a falência do caríssimo estado brasileiro esteja maquiada por uma espécie de chantagem inconsciente –com uma distribuição de renda como a nossa, sem ele seria ainda pior. Suspeito que esse raciocínio seja imobilista e refém de si mesmo, e que tenhamos perdido completamente qualquer medida de eficiência que permita cobrar o Estado como um prestador de serviços (com a morte galopante da Política, suspeito que seja nisso que ele venha se transformando).
Suspeito que a enorme migração do imaginário político para o econômico nos países desenvolvidos tenha ocorrido após uma razoável distribuição de renda via imposto e conquistas sindicais. A tirania da vida econômica sobre a política, entre nós, se deu num quadro social ainda trágico, que solicitaria muito da política. Suspeito que nossa falta de agudeza e imaginação políticas sejam, por isso, eticamente imperdoáveis. Suspeito que imaginação política no Brasil seria a capacidade de transformar o aumento de renda, a partir do Deus-PIB, em aumento de direitos, a partir do Deus-cidadania.
Tenho 54 anos e suspeito que os únicos projetos nacionais com Pê razoavelmente grande que acompanhei sejam o Plano Real e o Bolsa Família. Suspeito que não estejam tão distantes do imaginário desenvolvimentista, árido e autoritário, dos anos 70 e que afinal isso seja pouco para toda uma geração –e se suspeito que estou sendo injusto com um grupo enorme de pequenos projetos que poderia chamar de redemocratização, que me permitem inclusive escrever isto aqui num grande jornal, suspeito também que isso não passe de obrigação cívica.
Por sinal, suspeito que tenhamos perdido completamente a medida dessa obrigação, e que toda a cultura brasileira venha enfrentando fortes problemas de escala. O que é o máximo? O que é o mínimo? De onde o horror não passa? Dessa vez chega? Qual o limite? Mesmo em casos extremos (conectar um pescoço humano a um poste com uma trava de bicicleta, por exemplo), suspeito que nossa medida continue vaga, elástica.
Suspeito que o termo dívida interna, de memória econômica, descreva bem o país –devemos aos deserdados, aos desocupados, aos desmantelados, aos desabitados, aos destrambelhados e aos desmemoriados. Devemos renda, saúde, educação, claro, mas também avencas, bueiros, ruas, parques, chicletes, remédios tarja preta; devemos água potável, brinquedos, lanternas, poços artesianos; devemos livros, trufas, CDs, lentes de contato, filmes de arte, óculos escuros, museus, proteína, alface. Devemos aos pobres, aos índios, aos pretos e aos pardos, mas também aos albinos, aos esquizofrênicos, aos insones, aos priápicos, aos tiozinhos de padaria, aos mitômanos e aos sexualmente indecisos. Devemos demais aos cães atropelados, prensados contra o "guard-rail". Devemos aos palhaços de bufê infantil e aos papais noéis de shopping. Suspeito que nossa dívida interna seja impossível de descrever.
Suspeito que deus não exista –ou não tenha paciência para nenhum dos assuntos de que lembrei aqui.
Suspeito que a risada, o pôr do sol, o hino à alegria e o acorde maior estejam sendo de alguma forma privatizados. Suspeito que Paulo Coelho, o padre Marcelo Rossi e o bispo Edir Macedo sejam três faces de uma mesma e última privatização –a do infinito. Suspeito que estatizar essas coisas seja ainda pior.
Suspeito que a Portuguesa vai falir, acabar. Suspeito que Galvão Bueno não vai se aposentar nesta Copa, nem na próxima.
Suspeito que estamos fodidos.
(nuno ramos, 54, é artista plástico e escritor e suspeita que estamos fodidos. figura de linguagem ou não também suspeito de quem mesmo fodido ainda alimenta suspeitas).