quarta-feira, dezembro 07, 2005

quarta ah portugesa: recaditos de ida e volta de além mar

Vergonha de ser pop ou propaganda sem-vergonha ?

Em 2005, completei 30 anos e já me sinto obsoleto. Cada vez mais me convenço de que nasci na época errada. Tem até uma frase linda do Mário Quintana que representa bem esse sentimento, essa coisa maluca de sentir nostalgia de algo que a gente não viveu. O poeta dizia algo do tipo “tenho uma saudade imensa das ruas de Porto Alegre por onde nunca passarei”. Assim eu me sinto quando penso nas campanhas memoráveis dos anos 70 e 80, cheias de humor, inteligência, brasilidade. Morro de saudade. Época de ouro, literalmente de ouro, pois o jeito brasileiro de fazer propaganda despertava a admiração nos mais variados festivais espalhados pelo mundo.
Hoje é diferente. Vivemos numa época em que se tem vergonha de ser pop. Pop virou palavrão, mesmo com apenas 3 letrinhas. Neguinho que não tiver uma artimanha ou charada visual tá ferrado. Não vinga, não sobe no palco. Se você abrir um revista como a Archive e tirar as legendas, salvo aqueles trabalhos cujo o anunciante é reconhecidamente local, você não consegue mais identificar quais trabalhos são brasileiros e quais são americanos, ingleses ou japoneses. Justo nós, que temos uma realidade cultural tão rica, fazemos questão de imitar, macaquinhos que somos dos gringos. Vai ver que é por isso que um dos símbolos do Brasil lá fora seja o papagaio. Ironicamente, um bicho que vive de imitar.
Criativos, onde será que a coisa se perdeu? O Brasil é pop. Novela é pop. Didi Mocó é pop. Futebol é pop. E atualmente uma das únicas coisas pop que temos na tv é o programa da Luciana Gimenez, o Superpop. E ainda assim só no nome. No intervalo, nada. Ou quase nada. Às vezes, algum lampejo resistente (ou seria melhor “resilente”, que é o termo da moda entre os marqueteiros?) nos surpreende. Mas na média estamos distantes do que já fomos um dia.
É triste ver como a nossa turma não tem memória. A esmagadora maioria nunca ouviu falar do Neil Ferreira, não respeitam a W/Brasil, não admiram a audácia sessentista da DPZ e não conhecem o anúncio “Os subversivos” da Norton. Não sou melhor do que eles por isso, mas pelo menos conheço a história do nosso negócio o suficiente para ver que regredimos.
Pode ser que a verborragia dos engravatados homens de marketing, cheios de teorias e termos do Yázigi, tenha nos intimidado. Pode ser que a falta de ousadia das agências tenha nos paralisado. Pode ser. O recente manifesto do Clube de Criação de São Paulo abordou com maestria o assunto. Porém, o certo é que a propaganda perdeu muito espaço para a promoção, para a internet, para o endomarketing e para essa ou aquela técnica kotleriniana que possam ter inventado até eu terminar esse texto. Mas a verdade é que perdeu um espaço muito maior para ela mesma
Zeca Honorato, diretor de criação da Mercado,em Florianópolis, capital do estado de Santa Catarina, sul do Brasil.


Se Fernando Pessoa fosse vivo, conseguiria um lugar como copy ?

Dizem que hoje não há mais pachorra para ler anúncios. Prefiro pensar é que há muita gente sem pachorra para escrevê-los. Estou a referir-me, claro está, aos redactores publicitários. Começou como uma tendência, uma moda, uma fórmula, e de repente não se vê outra coisa: os anúncios só têm imagens. O título (se podemos chamar de título à frase que muitas vezes apenas define o produto que se anuncia) aparece timidamente no rodapé do anúncio, sem muito protagonismo ou eficácia. Pergunto: onde foram parar os anúncios com títulos? Sim, títulos. Aquelas letras gordas que os jornais ainda usam para as suas manchetes. Aquela coisa que você leu antes de chegar à primeira linha deste texto. Sou daqueles que ainda acredita na eficácia de um bom título numa campanha. Um bom título requer tempo, trabalho, inteligência, pertinência. A sua aparente simplicidade esconde sempre um raciocínio rebuscado. Essa é a sua mágica. Os ingleses são mestres nisso. Lembro-me da famosa e multipremiada campanha do The Economist. Os brasileiros também não se cansam dos títulos. Brincam e fazem maravilhas com a língua portuguesa. Em Portugal, no começo dos anos 90, não havia uma boa campanha sem um grande título. Um título com T maiúsculo, sem trocadilhos baratos ou graçolas parolas. Em outdoors, mupis, anúncios de imprensa. Em tudo. Em todos os meios. Hoje, porém, chegámos ao ponto da iliteracia publicitária. Ninguém lê nada porque não há nada para ler. Repetem-se clichés de imagens até à exaustão. Tudo parece tão igual, tão vazio, tão desinteressante. Coitadinho do Fernando Pessoa, deve estar a dar voltas no túmulo.
Frederico Saldanha, diretor criativo da Grey Portugal.

material publicado no acontecendoaqui e briefing respectivamente.

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