marcelo serpa é o queridinho da mídia. almap idem. alexandre gama não, até então. mas a sua neogama vem fazendo juzes ao neo e ao gama. em recente entrevista gama expôe questões que completam com brilho, e obra feita, perdoem-me o cabotinismo, o raciocínio desenvolvido na parteI do quarta ah portuguêsa. o núcleo da entrevista deveria fazer pensar os empresários portugueses da publicidade- e os que procuram seus serviços - que esbanjando perspicácia ajem como se propaganda fosse um negócio a tratar-se de sardinhas: prensadas em molho, sem cabeça, a despachar o mais que se possa , e claro, a preço de piaba ou seria piada ?
Prestes a fechar 2005 com crescimento de 85%, mantendo uma equipe com 120 funcionários e somando a conquista de 13 novas contas, desde agosto de 2004, entre as quais Bradesco (que vinha sendo atendido pela Salles, atual Publicis Brasil, há 29 anos), Smirnoff Ice e Vasenol, a paulistana NeogamaBBH encerra este ano satisfeita com sua performance mercadológica, conferindo ao seu fundador, Alexandre Gama, um sorriso pouco comum na atualidade aos dirigentes de agências. Nem mesmo a única perda do período, a conta da Mitsubishi para a Africa, abalou o bom desempenho da agência e seu destaque perante a rede BBH, à qual está ligada desde 2002. Nem é para menos. Foi com uma idéia criativa nascida na Neogama que a BBH comemorou sua maior conquista do ano: a vitória na concorrência global de Omo.
Formado em publicidade pela Faap, Gama acumula, em seus mais de vinte anos de profissão, passagem por Ogilvy, DM9, AlmapBBDO (da qual foi sócio e vice-presidente) e Y&R (que presidiu). Desde 1999, está à frente da Neogama, transformando-a, em seis anos, em um dos nomes mais fortes da publicidade brasileira contemporânea. Em sua sala com paredes de vidro, situada exatamente no centro da agência, cuja arquitetura chama a atenção pela praticidade e, principalmente, pelo design excepcional, Gama recebeu a reportagem de About para uma franca entrevista, cujos principais trechos estão reproduzidos a seguir.
ABOUT – Com a sociedade limitando o conteúdo da publicidade, tanto com leis como pela própria postura corporativista de muitos grupos sociais cada vez mais organizados — que acabam inibindo os anunciantes —, quais serão as armas dos criativos para conseguirem empolgar determinados nichos do público sem desagradar a outros?
ALEXANDRE GAMA – Criar é superar limitações. Quanto mais criativo, mais obstáculos se consegue superar. É natural da criação trabalhar com limitações, e a tendência é que elas sejam cada vez mais numerosas. À medida que a sociedade se organiza, ela pensa mais e se expressa mais. A partir daí, a comunicação de massa deixa de ser uma via de mão única e passa a gerar mais feedback. Lidar com isto é uma obrigação do criativo. Sempre digo o seguinte: não me dê liberdade, me dê foco. Este é o mote. As limitações ajudam o criativo a ter foco — e são a prova de que a sociedade está ficando melhor.
Por outro lado, às vezes há alguns enganos, fruto da imaturidade da sociedade, tal qual a tendência de interpretar uma opinião minoritária como sendo a da sociedade como um todo. É preciso manter o bom senso para entender que uma, duas ou três opiniões contrárias não significam que a maioria ache ruim. Até porque, geralmente, as pessoas que não vêem problemas não se manifestam. Só reclama quem vê problemas. É preciso quantificar essas opiniões. O anunciante e a agência precisam interpretar as reações negativas do público. Todavia, não podem se esquecer que toda idéia nova também se mede pela sua capacidade de gerar resistências. Ela é tão mais inovadora quanto tocar em assuntos mais controversos. A boa criatividade tem de administrar bem esta controvérsia e saber até que ponto ela gera dificuldades para a marca.
ABOUT – Além deste autocontrole, há os mecanismos de fiscalização do próprio mercado publicitário. Eles estão funcionando bem?
GAMA – Sim. Para mim, o Conar é exemplar. Tem-se provado de bom senso, é aceito por todos os membros do mercado de comunicações e tornou-se um exemplo para outros países que não têm a capacidade de auto-regular-se.
Já o Cenp ainda não é. No Cenp existe um conflito de interesses não resolvido e também uma fraqueza na atuação da entidade, que precisa provocar mais respeito. Talvez o Cenp necessite de lideranças mais capazes de aglutinar as vontades dos profissionais e empresas envolvidos naquilo que ele representa.
ABOUT – Está muito difícil convencer os anunciantes a fazer "zag" quando o mundo inteiro parece estar fazendo "zig"?
GAMA – A propaganda brasileira está mais conservadora por conseqüência da dificuldade das empresas em identificar idéias que realmente sejam mais inovadoras. A maioria das empresas está renovando suas áreas de marketing com gerações muito jovens, sem histórico. É importante conhecer o passado, nem que seja para esquecer dele, se for o caso. Tudo que aprendemos nos faz melhor no futuro. E talvez falte treinamento para esta nova geração de profissionais de marketing sobre o que a comunicação sempre representou e pode representar para os anunciantes. Vejo a geração atual mais conservadora, em todos os sentidos, até no que se refere a valores morais, mas, principalmente, no medo que tem de assumir o risco. Parece que se quer eliminar a palavra risco do vocabulário das empresas. E isso, além de ser impossível, uma ingenuidade, vai na contramão do que fizeram as grandes empresas da sociedade capitalista industrial no mundo. Crescimento é risco. São duas coisas que sempre andaram juntas. O que deve existir é uma capacidade estudada de administrar o risco. No entanto, há toda uma geração que não foi treinada para fazer isso, e acha que o risco deve ser eliminado. Esta postura tem tornado a aprovação de idéias muito mais conservadora.
No momento que se apresenta uma campanha com uma idéia inovadora, a primeira sensação que ela deve causar ao ser humano é de arrepio. Se não arrepiar, talvez falte o importante componente da novidade.
É lógico que a criação da agência não pode perseguir a inovação somente para que o publicitário seja considerado mais original ou artisticamente admirado. Entretanto, o pessoal que aprova campanhas talvez desconheça que o ser humano tem um mecanismo cerebral de apreensão de idéias que funciona assim: quando uma idéia é nova, o seu nível de atenção é total. Quando é vista pela segunda vez, o nível de atenção é proporcionalmente mais baixo. Na quinta vez, já baixou muito. Ou seja, quando dizemos que é preciso uma idéia nova não o fazemos somente para ser diferente dos outros, mas porque a capacidade de colocar o produto na cabeça do consumidor é maior quando a comunicação é inovadora.
Essa lição não foi aprendida pela nova geração que atua nas áreas de marketing. Existe a necessidade de valorizar e treinar o profissional que aprova a comunicação dos anunciantes, para que ele saiba que está sendo responsável pela voz da empresa. A profissionalização das áreas de comunicação, no marketing dos anunciantes, deveria ser mais intensa. Por outro lado, as agências também têm sua parcela de responsabilidade, ao se submeterem ao cliente, no sentido mais subserviente da palavra.
ABOUT – Um dos principais movimentos de contas globais em 2005 foi a conquista de parte significativa da verba de Omo pela BBH, em concorrência cuja idéia criativa surgiu dentro da Neogama. A participação brasileira em concorrências globais nas quais a BBH se envolve é regra ou exceção?
GAMA – Olha, eu já fui sócio de três redes mundiais: BBDO, Y&R e, agora, BBH. Não existe nada como a maneira de trabalhar dos ingleses da BBH. Primeiro porque a rede mundial deles é composta por apenas seis escritórios, em decorrência do fato de a BBH ter começado tardiamente o seu processo de globalização, já que, estando em Londres, seus sócios não tinham aquela fome americana.
Além disso, como a qualidade é o seu grande mantra, eles têm medo de baixar o nível do trabalho criativo. Para que isto não aconteça, eles nunca compraram uma agência, sempre foram até o local e montaram um escritório do zero, o que é extremamente trabalhoso — e talvez seja o modo mais difícil de se globalizar. Na verdade, o único lugar onde a BBH não começou uma agência do zero foi no Brasil, onde eles têm 40% de participação acionária da Neogama. Eles sabem que se tiverem 70 escritórios não vão conseguir controlar a qualidade. É uma questão matemática. A cobertura mundial das grandes redes não está focada na qualidade, mas sim no operacional. A BBH não quis isto, então optou pelo esquema de "hubs", com uma agência por região e um modelo móvel que prevê profissionais que viajem constantemente para atender às necessidades locais de produção e mídia, entre outras, dos países incluídos naquela área. Em vez de investir em abertura de vários escritórios, a BBH estruturou pouquíssimas agências, estrategicamente localizadas em mercados a partir dos quais é possível atender todos os países da região.
Este modelo, que custou a convencer clientes acostumados com outras redes, pede que quando houver uma campanha global, as melhores cabeças dos seis escritórios da BBH se juntem. Na prática, descobrimos que isso é muito fácil, muito rápido e não envolve a política de choque entre escritórios que há nas redes com 70 agências.
Para a concorrência de Omo, por exemplo, todos os escritórios levaram idéias até Londres. Lá, houve uma decisão unânime a favor de uma das idéias nascidas no Brasil, era a que tinha mais chances de vencer a concorrência. Depois disso, todos os escritórios desenvolveram peças em cima da idéia levada pela Neogama. Esta capacidade de coesão e de times realmente globais trabalharem uma mesma idéia, até hoje, eu só vi na BBH.
Estamos replicando a experiência em outra marca da Unilever, a Surf, cujo atendimento na Argentina e na Bolívia já é coordenado pela Neogama. Temos profissionais móveis de criação, atendimento e produção que viajam para acompanhar os projetos nesses países. Sem o peso e os problemas de se estar fisicamente instalado em cada um dos outros mercados.
No caso de Omo, atenderemos, a partir de São Paulo, a conta no Uruguai, Argentina, Chile, Equador e na América Central. A direção estratégica e criativa global da comunicação de Omo é da BBH, que a estará implementando na maioria dos países. E nos mercados onde a conta será atendida por outras agências, como a Lowe no Brasil, elas seguirão o direcionamento proposto pela BBH.
ABOUT – Como você vê o futuro de uma rede como a BBH, com poucos escritórios e foco claro na excelência criativa, diante de um mercado globalizado e dominado cada vez mais por grandes corporações multinacionais de comunicação, com musculatura operacional mais abrangente?
GAMA – Este é o modelo. Dos que já vi, é o único capaz de manter qualidade com alcance. O outro consegue ter alcance, mas com uma qualidade muito heterogênea e difícil de se coordenar, que gera vários problemas humanos de liderança e tem um custo enorme que é repassado ao cliente. A ovelha negra (símbolo da BBH) é a nova predadora. É pequenina e inocente, mas morde (risos).
ABOUT – Recentemente, a BBH inaugurou mais uma área de planejamento, denominada "engagement planning", ou planejamento envolvente. Como ela funciona?
GAMA – Eles a consideram como uma quarta disciplina. Assim, temos criação, planejamento, atendimento e "engagement planning", que auxilia na análise do comportamento do consumidor perante a fragmentação da mídia.
Os ingleses desenvolveram esta nova área até porque o planejamento de mídia, em Londres, é realizado pelos bureaus, fora das agências. Eles vêem isto como um problema. Quando eu expliquei ao John Hegarty que no Brasil a mídia ainda estava dentro das agências, ele me respondeu: "nunca deixe que ela saia, nós estamos tentando fazê-la voltar, mas agora já é muito difícil".
ABOUT – Pensando nessas quatro áreas com as quais vocês trabalham, e na já citada fragmentação da mídia, qual deve ser o comportamento do profissional de criação do futuro?
GAMA – O perfil do novo profissional de criação exige que ele lide com todos esses elementos. De fato, a mídia se fragmentou, e todos têm de aprender a abrir mais o leque criativo. Aqui na agência, por exemplo, nós não passamos um briefing de propaganda, mas sim um briefing de idéia. Dentro da BBH, chamamos de "big idea", o que prevê uma idéia capaz de permear todas as ferramentas. Não queremos mais uma idéia que seja boa apenas na TV, ela precisa ter abrangência suficiente para se reproduzir de maneira extremamente criativa desde a TV até o ponto-de-venda.
O anunciante quer, cada vez mais, controlar mais e pagar menos. Isso nos leva a um modelo que não só incha as agências com mais profissionais como também exige que o perfil desses profissionais mude. A tendência é termos mais pessoas capazes de fazer mais coisas. O especialista é o cara que faz menos e melhor. Entretanto, o modelo do futuro não passa por aí, mas sim pela mudança radical no perfil dos profissionais de criação, que devem ampliar sua capacidade de desenvolver idéias para todas as ferramentas. Este é um meio-termo entre agências full service e as empresas satélites, em que uma faz propaganda, outra marketing direto, outra promoção, outra ponto-de-venda...
ABOUT – O ano de 2005 parece ter deixado as agências muito acuadas, seja pelo questionamento do seu modelo de remuneração, seja pelo envolvimento de empresas do setor na crise política. Como você analisa os fatos ocorridos e como acredita que as agências devam se comportar no futuro próximo?
GAMA – O grande dano deste ano foi a promiscuidade entre o público e o privado, com as agências de propaganda se envolvendo num menage a trois, se posicionando entre o governo e empresas que querem se aproveitar da proximidade com o poder daquelas que atendem contas públicas. Foi algo que fez muito mal para o mercado publicitário. Entretanto, com certeza, as agências envolvidas não são somente as duas mais citadas. Para o bem do mercado, o nome de todas deveria ser exposto, até em benefício das agências que não se envolvem e para que todos tenhamos uma noção melhor entre o joio e o trigo. Quem tem coragem de se envolver no esquema de corrupção, que sabemos existir entre o governo e as agências de propaganda, não pode querer que, caso esta bolha estoure, o seu nome não apareça.
É muito confortável olhar o sistema e dizer que esta é a única regra para trabalhar com o governo. Se é assim, então não trabalhe para o governo. A Neogama chegou a participar de algumas concorrências públicas, mas da maneira mais ingênua possível, acreditando que bastava pegar o edital, desenvolver a campanha e levá-la para avaliação. Na terceira participação, concluímos que era melhor parar de gastar dinheiro com isso, porque essas concorrências precisam dos laranjas, como nós, para deixar transparecer que o processo é honesto. A Neogama não participa mais.
A palavra ética deveria fazer parte dos critérios de avaliação de uma agência. Isso melhoraria a qualidade dos negócios e promoveria um ambiente mais saudável economicamente. Infelizmente, existem anunciantes que se aproveitam desse sistema, ao entregar suas contas para agências próximas ao governo na esperança de conseguir benefícios para sua empresa. Neste ambiente, a conta de propaganda deixa de ser uma necessidade técnica do anunciante e passa a ser uma moeda de troca. Na verdade, este anunciante é um agente corruptor.
por Alexandre Zaghi Lemos e Mel Mansur
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