a última crônica do ano será a primeira para os leitores do amanhã.
jornal tem destas coisas. efeitos banais, frases comuns, otimista ou pessimista, dentro do que já não mais sou, o que devo escrever ?
31 ou 1? a preocupação me acompanha com a fidelidade de um animal de caça. preencher espaços, atravessar interstítcios entre palavras e emoções não absorvendo sua ferrugem eis a minha profissão. otimista ou pessimista, calendários e relógios avisam-me de já não disponho de tanto tempo.
sorvo o café apressado. mastigo as idéias,mas não tão apressadamente quanto o alimento que, tento convencer-me, será útil para o corpo. acostumar-me com a velocidade dos sabores agradáveis e desagradáveis, é outro dos ossos do ofício. nada mais velho do que um jornal de ontem. eis o princípio do verbo.
quanto as idéias, sei que elas virão. breve, ou na angústia das últimas horas do expediente. paradoxo cotidiano de acender a idéia enquanto apagam-se quase todas as luzes do prédio. a solidão é criativa quando tateia e tagarela no escuro e nas dores. talvez, se for o caso, elas-as idéias- me apareçam dentro do ônibus. eu sou tal qual estes cronistas velhos espécimens abandonados, eles envelheceram no ofício de andar de ônibus.
aparecerão as idéias, tal qual uma mulher bonita subindo o desejo dos homens com um perfume de cio, ou tal qual um grito de moleque anunciando qualquer brebote a venda para ajudar a famíia. ou ainda, tal qual uma cusparada que errou o espaço da janela e explodiu no vidro a vida que os homens recusam-se a ver. por certo, autor já calejado no ofício, eu a encaixarei na crônica, tais dejetos humanos. tal qual eles se encaixam no ônibus, com suas mágoas e alegrias, cansaços e ilusões, ódios e desditas, em borboletas onomatopaicas que registram homens e mulheres, crianças e velhos, tal como o tempo, indistintamente. salvo quando algum lhe foge a atenção e escapa de pagar, por hora, seu preço. CR$4,00, é um preço tão barato e ao mesmo tempo tão caro para os homens. é forçoso dizer que o homem, numa era de tantos múltiplos e dividendos, não passa de um artigo em liquidação.
meu maior segredo, presumo, é não ser tão preciso nas observações. faz parte do negócio manter o mistério, pela técnica ou pela incompetência, eu vou arvorando-me conhecedor do gênero humano escrevendo a cada dia que passa, suas vidas em 45 linhas. citadinos, amargurados e extasiantes, mal-cheirosos e perfumados, subservientes e ididotas, orgulhosos e desprezados pelo meu narigueto de cronista, vou por entre exatamente 45 passageiros sentados sob a ótica de minha caneta.
da caneta às máquinas mantendo o raciocínio visivelmente desbotado pelo romantismo, que todos nós que habitamos o ônibus naquel trecho da praia, não temos hoje, 31 ou 1, absolutamente conhecimento e tampouco ressistência para coisas que de há muito fazem chiantes as batidas do nosso coração. para mim, perto do mar,os homens são todos coisas que se quedarão roídas pela maresia, para além da crônica, em qualquer parágrafo, em qualquer ponto de encanto ou alucinação que o cronista tenta fazer boiar numa marola de frases pensadas com inúmeras bolhas.
sacolejante é o mar, sacolejante é a vida. sacoleja o cronista em tolas construções e desapercebe-se que de há muito inúmeros passageiros ficaram no caminho das emoções nos labirintos de tempo e espaço. eu, entreti-me aquecendo uma inútil crônica de esperanças arquejantes para essas viagens que inciam-se vazias e assim terminam, porque estão vazios os corpos, o coração e a vida.
mas não é o vazio o pensamento — como se isso adiantasse alguma coisa. dirijo-me ao mercado central que abriga compradores e vendedores. persiste o que deverei escrever, quando um recado mais insistente dos editores, lembra-me que sou um desse que “ todo dia indo para o mercado onde se compram mentiras, coloco-me na fila dos vendedores “.
apagar as luzes. final por hoje. hollywood.
ah! o ínútil ofício de costurar palavras.
publicado na capa do caderno 2 de o norte, na terça feira 01 de Janeiro de 1980.
* ao meio-dia do sábado oferecem-me o jornal do domingo** que por sua vez já está ainda mais velho do que o jornal do sabádo. questões que serao abordadas para fora da crônica ano que vem. por hora, digo hoje que a crônica poderia ter se entitulado pelo número de uma das linhas do ônibus da praia de manaíra. 511, e tava feito.
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