sexta-feira, março 03, 2006

a propósito

a morte da dupla de criação

Um minuto de silêncio por favor para a dupla de criação. Esse conceito tão ultrapassado, tão démodé, tão assim anos 80.
Valeu, Bill. Os ilustradores vão ser eternamente gratos por terem saído detrás da prancheta e daquele cheiro forte de cola de benzina e terem tido a honra de trabalhar ao lado dos poetas.
Há vários sinais que indicam que a dupla já morreu. E só esqueceram de enterrar embaixo de um monte de anúncio reprovado.
Em novembro passei duas semanas em Londres participando de um brainstorm para a próxima campanha global da linha N-Series da Nokia.
Convidaram algumas pessoas de cada agência do Grupo Interpublic: Lowe, Jack Morton, Draft, R/GA e outras. Todos muito talentosos, mas fiquei impressionado principalmente com o pessoal da R/GA.
As agências tradicionais acham que os internáuticos passam o dia soltando códigos indecifráveis de HTML, fazendo uns banners mutcho loucos e adaptando a idéia brilhante que a dupla de criação teve enquanto almoçava naquele lugar onde outras duplas também almoçam.
Confesso que depois de trabalhar lado a lado com a R/GA me senti na Idade do Layout Lascado. Sugeria idéias paleolíticas que incluíam bisontes e mamutes, enquanto friccionava dois pauzinhos, em vão.
Para começar, eles têm um domínio da tecnologia que é irritante. Como eles dizem por aqui, “it’s a second nature”. Tá no sangue.
Eu tenho que fazer um esforço sobre-humano para acompanhar o que tá rolando. Leio a Wired, compro o iPod video, entro no Engadget. Eles não. São patinhos que já nascem sabendo nadar. Um deles tinha um Nintendog de estimação.
Até aí, tudo bem. Porque nós, das chamadas “agências tradicionais” (notem como o próprio termo com o qual definem nossa categoria já é pejorativo), pelo menos ainda dominamos o campo das idéias, certo? A gente é criativo pacas, sabe fazer aquela piadinha no final, certo?
O problema é que eles sabem fazer exatamente o que a gente faz. Mas vão além. Porque eles têm a capacidade de pensar na marca como um todo. De juntar uma estratégia de comunicação completa com o melhor que a tecnologia pode oferecer. Um elo perdido entre Philip Kotler e Star Trek.
Mas chega de falar da R/GA que esse artigo não é sobre eles. É sobre nós, criativos antiquados, e nossa lenta e agoniante morte.
Algumas agências já entenderam isso. O melhor exemplo, claro, é a Crispin Porter + Bogusky. E eu não aguento mais ouvir cliente pedir uma campanha “tipo Crispin” com aquele olhar por cima do óculos que diz “será que vocês conseguem ou eu vou ter que dar minha conta pra Crispin também?”
Já posso ver a manchete do Adweek: Brazilian Creative Hits Junior Client With PowerPoint Projector.
A Lowe New York está tentando mudar isso. A nova direção de criação é uma trinca, formada pelo John Hobbs (arte), Peter Rosch (copy) e a Fernanda Romano (internet). É um bom começo.
A pergunta que não quer calar é a seguinte: quem vai ser o primeiro a entender esse fenômeno, no Brasil? Uma agência tradicional ou uma agência de internet? E não só entender, mas principalmente passar do discurso pra prática?
Os fatos estão aí. Não há como negá-los por muito tempo. O consumidor mudou. A mídia mudou. Mudaram tanto que o consumidor chega a criar o conteúdo da própria mídia. Como na Current TV (current.tv), o canal onde 50% da programação é gerado pela audiência, incluindo vinhetas e comerciais. Assustador.
O Brasil tem uma grande vantagem. Nós podemos pular mais de uma década de birôs de mídia e já pegar a nova onda de “360 degrees”, “brand content” e “total engagement”.
Basta manter a mídia dentro da agência e vender espaços na cabeça do consumidor em vez de espaços em veículos. Oferecer grandes idéias em vez de grandes descontos. Ser inovadora em vez de atravessadora. Como aquela agência que eu me recuso a dizer outra vez o nome.
O Brasil pode fazer como a China, que foi pro DVD sem passar pelo VHS. Ou melhor ainda, ir direto pro HDVD.
A primeira dupla que entender isso não vai morrer nunca. Até porque provavelmente não vai ser uma dupla. Vai ser um trio ou um quarteto. Vindo de algum lugar do futuro, montado num leão de titânio.

Anselmo Ramos, redator da Lowe New Tork.

2 comentários:

LC disse...

Como aquela agência que eu me recuso a dizer outra vez o nome.

Sabes de que agência se trata?

celso muniz disse...

lc: só pesquisando nos artigos anteriores. vou ver se faço isto.