quarta-feira, março 29, 2006

um prazer excelso

O mundo anda feioso. Os prognósticos são de deixar o apocalipse ruborizado. Desgraças já andam sendo antecipadas para 2010, tais como o congelamento de Portugal e a destruição do Japão, como se já não bastasse as que temos. E o panorama não vai ficar mais bonito se visto nos “ ecrãs dos I-Mac; o mico do ano para muitas agências que querem transformar um computador pessoal em oficina de leiautes. Estes as voltas com os engasgos de emuladores, não bastasse já os de quem está a frente dos monitores.

Mas o mundo gira e a Lusitana roda. Apesar da propaganda e/ou por causa dela. Estamos todos no mesmo barco. Barco dos ora amotinados, ora condenados. Dos poucos contentes, dos quase nenhuns combatentes e dos muitos desiludidos. Com o agravante de que não há coletes para todos de nenhuma espécie. Vivemos um ciclo. Que espero bem que esteja no fim. Onde a ilusão da velocidade, da plasticidade tutelada, e da pasteurização das tendências, desgovernou as rédeas do negócio, para além da remuneração aceitável e do escravismo do tempo físico, tísico. A eficiência – e não a eficácia, se não sabem a diferença perguntem ao Nizan - na sua grande maioria tornou-se disforme. Apesar de tudo o que se vê na Archive - de parabéns estão os publicitários catarinenses; já era tempo de se acabar com o falso estigma sobre a capacidade deste mercado - ainda assim o mundo, sim o mundo real, anda feioso. E é deste mundo que retiramos o nosso pão com manteiga. Por maior que seja a importância dos festivais de premiações.

Contigências diversas tem levado a produção da propaganda a patamares não condizentes com as ditas pós-modernidades tecnológicas. Estamos no início de um mediatização como nunca vista na história da humanidade. Literalmente vamos ter o mundo nas mãos em não mais que meia dúzia de anos. Já com o desconto do delay para terceiro mundistas.
E é preocupante, saber que a TV aberta caminha para a “ melhor idade “ e ainda assim nós ainda trabalhamos com a linguagem dos anos 60 para o varejo. Varejo que outrora foi uma escola. E que hoje, a todos, parece e representa castigo. Mais do que qualquer outra coisa, apesar do pesares de sua remuneração.

Em oposição a estética e ao design hodiernos, a realidade dos nossos meios, não harmoniza-se com o universo de uma geração que consagrou a propaganda brasileira – não a indústria – com honorável respeitabilidade, apesar de todas as indiretas sobre a nossa capacidade de urdir fantamas e acreditar neles como se veiculados fossem.

O que vemos nos jornais, nas revistas, nos outdoors, na internet em sua maioria é feioso. Dói. E não só ao articulista. Dói nos passantes também. É claro que há exceções: mas já não deveríamos ter alcançado o estágio em que as exceções fossem o feioso, o pastiche, o grito, a não-idéia ?e não o contrário ? Não estamos na mão da geração I-Pod ?

O belo na comunicação – entende-se que propaganda é uma das ferramentas mais aplicadas – esta na raiz da sedução. Não na frivolidade da imagem sem idéia. Este ciclo parece estar findando, pela saturação, até mesmo na comunicação de moda. l´art pour l´art também não tem lugar em publicidade, até porque é técnica. E não arte. É beleza de propósitos e não de coincidências. Pensada, urdida, trabalhada, retrabalhada, para seduzir, comunicar, influenciar, converter, direcionar, VENDER. E não para ficar mais ou menos parecido com o página do meio da bíblia da hora. A esterelidade do belo é mais inócua do que a feiura da deficiência.

Acentuo isto, apesar do grau de obviedade galopante, porque depois de do lapso atemporal, ao que parece, de estar fora do mercado - o que nos dá a vantagem de ver o rótulo pelo lado de fora da garrafa, o que, a depender do grau do nariz empinado, nos refina o bouquet do distanciamento crítico - volto ao convívio de uma agência e quase chego a brochar.

— Peraí! o ultrapassado do pedaço não deveria seu eu? que andei por fora do circuito, ansioso para absorver mais energias e novos sabores, do que Nescau? sedento de aproximação às tais perspectivas inovadoras? ávido por contactar libidos em festa pelo prazer, trabalhoso sim, de fazer coisas boas? sarando-me para exercitar as idéias disruptivas — Vocês estão zoando comigo, não? Vamos lá! Deixem de sacanagem com o “tio”. Não escondam o jogo. Botem as idéias pra fora, que eu quero sentir aquele arrepio do anúncio, do filme, da campanha, do scroll, do pop-up desenfaixando o cérebro. Onde está o urro e blasfêmia do prazer por criarem a solução mais original ?

Para minha supresa – sim há as exceções, “ mas não deveriam ser regras? – o clima é de velório. Vela-se pelas boas idéias natimortas. E não pela idéia que resista a todos os departamentos e vai contagiando corredores, até remexer os quadris do cliente, afrouxando a gravata do gerente de marketing, até dilatar os sentidos do consumidor. O desânimo é geral. Jovens mal saídos da faculdade e já desencantados por um lado: mais pelo salário emocional do que pelo real. De outro, equivocados, pela falta de pensamento aplicado; não se fala tanto em planejamento, em pensamento estratégico?

Apesar de tanta formação e informação. Alguma coisa não está batendo bem quando vemos tanta coisa criada e aprovada sem pensar. Será que dirigi-me ao “parque de diversões” que para mim sempre foi uma agência e entrei na máquina do tempo errada ?

Ainda zonzo, recordo-me de uma passagem do escritor português Pedro Paixão (não tem paixão no nome de graça, só para acutilar que fazer propaganda sem paixão é como casar por interesse. Pode até haver orgasmos, mais múltiplos? talvez com Viagra) que tem parte da obra traduzida para o Brasil - Portugal não é só Camões, Pessoa, Bocage e Saramago. Brasil não é só Drummond, Amado, Coelhos, Lufts e Gasparettos(Guimarães, Guimarães, onde teu espírito na poiésis dos redatores?). Recorda o Pedro, que estando uma cidadezinha alemã do interior, algo feiosa (fico a me perguntar como feiosa? Mas vá lá) andava quilômetros, todos os dias, até o centro apenas para olhar um quadro. Tamanha sua necessidade diária de conviver com o belo. Não teria esta necessidade todo o ser humano? Não deveria esta ser a necessidade imperiosa a ser perseguida pela idéia da propaganda, a despeito de prazos, verbas, cabeças duras, conchavos, remunerações e os escambau?

De alguma maneira, terrível, os “mujto jovens” foram afastados da noção do belo enquanto vitalidade da idéia de propaganda— Por falar em jovem, estou concorrendo ao Desencannes na categoria até 28, mesmo tendo mais de quarenta e cinco - Não basta ser boa, tem de ser bela. Não basta ser bela, tem de ser boa – bem pensada, que exercite a inteligência de quem a consome(o consumidor é sempre mais inteligente do que quem cria. Isto não é chiste) Dá um trabalho dos diabos. Ou você acha que o Marcelo Serpa recebe o santo e sai leiautando havaianas como máquina de borracharia ?

O prazer de fazer um anúncio –campanha, etiqueta, anúncio funerário que seja, site, moldura de mail, spot, vinheta, faixa, mosquito, intervenção urbana, ação de RP o que seja – concatenado, estruturado, pertinente, aderente, belo, é uma das sensações mais incríveis que conheço da vida. Se para o jogador, orgasmo é o gol, a cesta, a cortada, para o publicitário é o momento do nascimento da criação(e não da premiação). Tá certo que eu sou meio tarado por isto, o que tantas vezes compensou a minha falta de talento. Horas e horas, dias, a perseguir a melhor solução, assombrado pelas idéias medíocres, o que me causou muitas perdas gerais. Mas quando se consegue(e não é sempre que se consegue), o que é o mundo lá fora, quando em pleno feriado você consegue beijar a boa idéia e trazer o belo ao mundo? Ainda que seja numa atividade que, como todos dizem, nem a sua mãe sabe direito o que é ? Muito menos porque um ser teima existir sem fins de semana? Vou lhe dizer, nada. Você é o king the world. Pelo menos até o outro dia quando lhe enfiam aquele job insensato pra ontem goela abaixo e ninguém tá nem aí pro seu esforço, seu leão de estimação, seu casamento, seu filho recém-nascido. E esta é outra das nossas realidades. A maioria de nós é pago para resistir. Quem faz a diferença não é pago para insistir. Insiste porque gosta, porque é carne de pescoço. E isso é coisa para quem é jovem, ou deveria, mas já aí não vale só etariamente falando, até porque a moçada que aí está – “ há exceções, mas não deveria ser a regra ? “ tá caindo de verde mal chegou ao baile.

Não se trata da visão romântica do belo. A procura do belo, leva ao exercício do prazer de fazer bem feito, que é tão belo quanto. E que nos torna muito melhores. mesmo que isso seja só para ganhar dinheiro, que afinal estamos aqui para isso. Portanto, trata-se da afirmação de quem acredita na atividade, de quem gosta de fazer bem feito, de quem tem a compreensão de que nas condiçoes atuais permitidas ao desenvolvimento da idéia o resultado é o que se vê por ai, inclusive na minha pasta. E de quem é tantas vezes mal visto por simplesmente lutar pela boa idéia, enquanto todos se normatizam, se entregam, se amputam. E aí o feio toma conta, vira padrão. E a atividade vai definhando. E quem quer pagar(muito)pelo feio? Se nem o feio é de graça, o belo seria ? Mas mesmo entre os adeptos da filosfia do resultado(como se o belo, o bem feito, o inteligente, não dessem resultado) quando vêem o bom trabalho, exultam. Até desdenham, mas a inveja exulta do mesmo modo.

Quanto a mim, vou me cuidando para não ficar tão jovem como estes que mal começaram já desistiram. Eu, que poderia me considerar por antecipação terminal, ainda nem começei. E pra mim isso também é belo. Pode ser estúpido. Mas é estupidamente belo. É excelso. Sem deixar de sê-lo dureza e prazer. No pain, no gain. E o mais belo, é que ainda temos tanto por fazer. Então me passa logo esse job que eu não estou nem aí pro feriado. Mesmo que ele seja o do dia das mães.

Um comentário:

Alex Camilo disse...

Quem luta pela boa ideia geralmente é tachado de chato, ranzinza ou até é obrigado a ouvir aquela frase horrenda: "tu viaja demais, volta pra vida real". Porra nenhuma! Será que é pedir demais querer botar em prática a melhor ideia ao invés da mais conveniente? As vezes o cara se sente castrado vendo uma vez após a outras, suas melhores ideias indo pro beleleu pq o cliente pode até comprar a ideia, mas não compra a foto, não paga a ilustração a trilha ou investe mais que 5 conto num filme. Só tesão mesmo, pra fazer um sujeito continuar apesar do coito interrompido.

Abraço