sábado, março 11, 2006

que paulo coelho que nada!

Se dependesse da produção e venda de bíblias para ir ao Céu, o Brasil estaria com a entrada garantida. O país é o maior editor e comprador do livro sagrado, tanto para a versão protestante, quanto para a católica. As responsáveis por essa proeza são a Sociedade Bíblica do Brasil (SBB), dirigida por lideranças das igrejas evangélicas, e a Editora Ave Maria, da católica Congregação dos Missionários Claretianos. Juntas, as duas maiores editoras de bíblias do território nacional vendem mais de 7 milhões de exemplares por ano. Somando outras pequenas editoras, são mais de 12 milhões de unidades no Brasil, segundo a Câmara Brasileira do Livro - o que faz do País o campeão mundial na modalidade das Santas Escrituras. O que espanta nesse mercado, entretanto, não são apenas os números astronômicos do maior best-seller da história. Chama atenção, também, o fato de que as campeãs de vendagem – a SBB e a Ave Maria – são empresas que não visam o lucro. Pelo menos num primeiro momento.

“Somos uma empresa sui generis”, diz o diretor editorial da Ave Maria, Padre Américo Romito, um senhor de 74 anos, fluente em grego, formado em Sociologia pela USP e especialista em Economia. “A Ave Maria tem dois pés. O direito, firmado na evangelização. O esquerdo, na boca do caixa”, diz ele, garantindo que é por aí que se delineia toda a estrutura da editora. Lá, tanto a presidência quanto a diretoria são compostas por padres. Só o diretor de livrarias não é sacerdote. É considerado “irmão”, um leigo que se consagra a Deus e faz votos de castidade, mas não reza missa. “Como essa área envolve muita compra e venda, não seria muito conveniente que ela fosse delegada a um padre”, diz Padre Américo.

Na SBB, todos os diretores também são evangélicos. Mas, devido à tradição calvinista (Calvino, no século 14, propôs uma religião que aceitava o lucro da burguesia), o manejo com os negócios é considerado natural. “Não temos finalidade lucrativa, mas nunca operamos no vermelho”, diz Erní Walter Seibert, diretor de comunicação da SBB, mestre e doutor em Ciências da Religião e também diretor do Museu da Bíblia de São Paulo e do Centro Cultural da Bíblia. Ele conta que antes de a Sociedade ser fundada no Brasil, nenhum compatriota tinha colocado os olhos em uma bíblia. “Só haviam as trazidas de fora, por imigrantes.” A partir de 1850, a SBB passou a importar exemplares dos EUA e Inglaterra, editados e traduzidos pelas Sociedades Bíblicas americanas e britânicas. Só quase um século depois, em 1948, a SBB teve meios para editar a primeira bíblia brasileira. Na época, ela alugava gráficas para o serviço. Só foi ter seu próprio parque gráfico em 1995.

Desde a mais tenra impressão, até os dias de hoje, a SBB sempre foi campeã de vendas. “A bíblia da Sociedade sempre teve a característica de ser vendida, e não doada. Mas o preço nunca foi alto”, diz o diretor Seibert. Esse valor, nos dias de hoje, é de R$ 4 para o modelo mais em conta – um sucesso total: dos 4 milhões de bíblias vendidas pela SBB no Brasil ano passado, 3 milhões eram da mais barata. Mas a promissora produção da SBB não pára por aí. Além do consumo interno, os evangélicos também faturam com a exportação para 99 países. No ano passado, mandaram para o exterior 2,5 milhões de escrituras em espanhol, inglês, árabe e línguas africanas, como o kosa, a língua do presidente sul-africano Nelson Mandela. A SBB só não revela o quanto fatura. “Podemos ser mal entendidos”, diz Seibert.

Mas porque a bíblia vende tanto no Brasil? Porque o país é o maior editor do mundo? “A gente também se faz essa pergunta”, diz o doutor em Ciências da Religião. Ele acredita que o fenômeno talvez se explique pela grande população cristã do País. Mas os EUA também são um pais populoso e cristão, que também poderia vender muitas bíblias, não é? É. Por isso são o segundo maior mercado bíblico do mundo. A diferença é que o brasileiro gosta da bíblia. Seja para ler, estudar, ir ao culto, à missa, ou simplesmente para decorar uma sala ou dar sorte, como acreditam alguns. A crendice é tanta que nos meses anteriores à virada de 1999 para o ano 2000, quando muitos acharam que o mundo ia acabar ou que uma nova era estaria começando, a SBB vendeu 2,6 milhões unidades.

Dar a sagrada escritura de presente também é um costume brasileiro, segundo Padre Américo, da Ave Maria. Mas se engana quem pensa que a editora faz caridade. “Precisamos ter lucro para continuar operando e dando seqüência a missão de evangelizar”, diz padre Américo. “Essa é a teologia das realidades terrestres”, brinca o sacerdote. Além de editar e imprimir a primeira bíblia católica do País, a Editora Ave Maria, que no ano passado faturou R$ 22 milhões, também tem uma rede de 12 lojas. Espalhadas por vários estados, elas ajudam na distribuição dos 600 mil exemplares comercializados anualmente - o mais barato custa R$ 18. Mas não são as livrarias próprias ou as grandes lojas, como Fnac e Saraiva, as que mais absorvem a produção da editora católica. Mais da metade das vendas se concentra nas paróquias. “Nos anos 70, nosso presidente, o Padre Nestor Zatt, muitas vezes encheu um caminhão de bíblias e saiu de paróquia em paróquia, pelo interior do país, vendendo e evangelizando coma a Palavra do Senhor”, diz Padre Américo.

Padre Zatt, dentro da Ave Maria, é considerado um sacerdote de visão. “É graças à sua administração que há mais de 20 anos a editora vende mais de 1 mil exemplares por dia”, diz o gerente comercial Roberto Constantino – que não é padre, nem irmão, nem coroinha. Da diretoria para baixo, explica Padre Américo, os componentes da empresa são leigos, especializados nas áreas onde atuam. O sacerdote garante que para trabalhar na Ave Maria não é preciso ser católico fervoroso. “Trabalhar numa empresa guiada por sacerdotes é diferente, tem um outro clima, até mais fraternal”, diz Guto Kater, gerente de marketing e leigo. Ele, assim como os outros gerentes, quando se juntam à diretoria, fazem o que pouca gente sonharia acontecer antes de uma reunião de negócios: rezam e fazem uma reflexão sobre uma passagem bíblica. Fora isso, garante Padre Américo, o cotidiano é parecido com o de qualquer outra empresa. A diferença está na premissa, que ele sintetiza da seguinte maneira: “A verdadeira liberdade não está em escolher entre o bem e o mal. Está em ter a coragem de escolher o melhor, ainda que não seja a alternativa mais lucrativa. Essa é nossa ética.” Amém.


por lílian Cunha, isto é dinheiro

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