sexta-feira, janeiro 27, 2006

chovendo no molhado, para alguns, para alguns

No Brasil e em grande parte do mundo, consumir marcas de qualidade é símbolo de status social, no grupo ou na comunidade. Em uma sociedade onde é impossível conhecer as pessoas realmente, as marcas que a pessoa utiliza são pontos de ligação, uma segurança, um conforto no reconhecimento de um igual, ou de uma pessoa que tem os mesmos hábitos e gostos que você. Neste ponto, marcas são a representação da pessoa, as pessoas são as marcas que consomem. Diga-me quais marcas que você consome e eu te direi quem és. Essa é a realidade. E adivinha onde as pessoas se espelham para construir suas imagens de marca? Na tv, nas revistas. Tudo que a dona de casa-secretária-professora-mãe-nutricionista quer é parecer a mulher do comercial, a mulher da revista, que está no anúncio. E para isso é preciso comprar os produtos.

Eles são o Santo Graal fragmentado em bilhões de partículas que, consumidos em todos os seus pedaços, constroem a persona da mulher perfeita, realizada, vencedora. Não tem nada de mal nisso, pelo contrário, a propaganda e o próprio consumo em si são um anestésico potente para as mazelas diárias de milhões de indivíduos. A imagem surrada da mulher que, deprimida, deixa uma fortuna no salão e sai de lá novinha em folha, de unha feita, depilada, cabelos cortados, pintados, lisinhos e ainda passa no shopping e estoura o cartão de crédito para depois sorrir aliviada é a pura realidade de milhões de consumidoras. E o melhor é que a busca do Santo Graal nunca termina e nunca vai se completar, pois a partir do momento em que há uma certa estabilidade e evolução financeira, é a bolsa da marca Louis Vuitton, o sapato Manolo Blahnik, o batom Cristian Dior, o esmalte Mac, a blusa Zara, a camisa Cloé, o rímel Lancôme, o anel H. Stern e o colar Tiffany!!
Para o homem não é diferente, as marcas masculinas são tão ou mais sofisticadas, só perdem mercado no terreno jóias e maquiagem. Um terno Ermenegildo Zegna não tem preço, é uma Ferrari para se vestir. E vale cada cent.

Entrando na Grande Rede
A rede espanhola Zara, uma das maiores redes de varejo do mundo, que não pára de crescer a fatura anualmente bilhões de dólares, simplesmente é especializada em “copiar” com amor e carinho os modelitos lançados por Armani, Versace e outras grandes griffes mundiais. A estratégia é simples. Os grandes estilistas lançam as novidades e eles vão lá e copiam rapidamente, alterando-a, claro, para um gosto mais médio, com tecidos mais baratos, mas ela lembra bem aquelas novidades lançadas pelos estilistas. Tudo isso muito rápido, então, quando a pessoa comum vê o vestido Versace maravilhoso que a atriz X usou na entrega do Oscar, logo em seguida ela vê algo parecidíssimo na vitrine da Zara vai lá e compra, feliz e realizada. A diferença básica entre os dois modelitos? O primeiro custa 20.000 dólares, o segundo, duzentos reais. O primeiro vai ser usado apenas uma vez, o segundo vai ser batido durante todo o verão e depois vai parar no corpinho oversize da empregada e fazer o sucesso de um batizado qualquer em uma quente noite de suor, pagode e cerveja.
Ambos serviram, como produto, exatamente para o que se destinam, no caso do primeiro, alavancar a imagem da marca Versace, fazê-la ser comentada e mantê-la no topo, para com isso vender entre outras coisas, milhares de perfumes e etceteras que são o grosso do
faturamento de uma marca como essa. O segundo serviu para manter a Zara como uma empresa que satisfaz suas consumidoras ávidas por novidades, mantendo a promessa que, comprando nesta loja, ela estará sempre na moda, usando as roupas das artistas internacionais, se destacando em seu grupo social.
Em ambos os casos, e isso é um ponto de convergência entre as duas vendas, vestir-se, a função primeva da roupa ficou lá na décimo nono lugar em termos de importância. O sentido da compra de 20.000 dólares ou 200 reais é exatamente o mesmo. O que estamos vendendo em ambos os casos é sonho, ideal, sublimação, encantamento, status, tudo, menos roupa.

Roupa, ninguém precisa. Repito: Roupa, ninguém precisa.
O quê você vende mesmo? Roupa?
É melhor deixar isso para a C&A, que atendendo as mesmas demandas de sonho, encantamento e status, vende, dentro das mesmas percepções, a blusinha de 20 reais, também levemente inspirada na moda das tops e baseada em uma fortíssima pesquisa de rua que, a cada coleção põe nas prateleiras o que as pessoas estão pensando ou querendo, fazendo um mix alucinante de moda pop. Detalhe é que a C&A, com centenas ou milhares de lojas pelo mundo todo, tem bala para fazer isso, ou seja, pode colocar uma roupa na moda, rapidamente na loja, à um custo de 20 reais e ser competitiva ainda assim. Mas como dá para perceber, até na C&A as percepções vêm antes das necessidades reais. É claro que para a cliente padrão da C&A ela representa o mesmo status que Zara ou Versace conferem às suas consumidoras.
Mesmo a C&A não vende exatamente roupas, mas, se mergulharmos ainda mais na escala social, a gente vai encontrar
alguém que realmente venda roupa, mas aí o calor já fica insuportável, e pessoas trajando fuseaus coloridas e camisetões que cobrem grandes circunferências, estão gritando, arrancando os cabelos e oferecendo 3 pelo preço de 2 que, convenhamos, é o próprio inferno.

Se você acha que a ascensão social através do consumo de marcas é um certo exagero, observe mais à sua volta.
Todas as pessoas se relacionam através de marcas, das mais simples às mais sofisticadas, claro que dentro dos signos de sua classe social. A perua chiquérrima usa Hering branca com jeans Fórum, bolsa Dior e sapatos Gucci, para deixar bem claro com quem você está falando. Se você elogiar a elegância dela, invariavelmente ouvirá : imagina, estou usando Hering. Se ela falar na bolsa Dior, pode ter certeza que a perua em questão é uma nova rica. Entre pessoas de bom gosto é de extremo mau gosto ficar falando das marcas que se consome. Exibir pode, falar, jamais. Aquela velho olhar de nossos pais e avós sobre o tipo de roupa que a pessoa está usando, principalmente os sapatos, ainda é um balizador extremamente fiel de com quem estamos falando. Comece a observar mais os sapatos das pessoas. Eles realmente dizem muito sobre elas. Às vezes dizem coisas horríveis, é verdade. Um sapato maltratado destrói até mesmo um terno Armani. Uma bolsa de marca que já esteja gasta ou expuída diz que aquela mulher já teve dinheiro ou status e já não tem mais. Um blazer de couro cor de creme diz que aquela pessoa tem ou teve dinheiro, ninguém investe em um nesta cor sem ter outros dois, pelo menos, um preto e um marrom. A pensadora americana Camile Paglia diz que o terno é a armadura do homem moderno, alguém duvida?

Uma roupa chamativa demais para trabalhar, tipo uma roupa que poderia ser usada à noite, geralmente significa uma mulher de uma educação mais simples que ascendeu socialmente rápido e não tem dentro de si os signos e símbolos sociais vigentes. Ou alguém que já teve status e perdeu esse status, mas quer mantê-lo através das roupas. Ter dinheiro não significa ter bom gosto, mas sempre é possível depurá-lo com o tempo, pois o acesso que o dinheiro dá à cultura através de viagens, decoração, tecnologia, arte, marcas em geral, acaba por reformatar o indivíduo, deixando-o dentro dos padrões facilmente reconhecíveis na escala social. Padrões estes que são sintonizados em segundos por todos nós. É instintivo no ser humano. Em apenas alguns minutos, você já sabe de que nível social e cultural é aquela pessoa que acabou de conhecer e já tem para ela, um comportamento padrão adequado.
Parte deste reconhecimento instintivo se deve ao que a outra pessoa lança de sinais, através de suas roupas, seus cabelos, seu olhar e, claro, suas marcas e a forma como ela as usa.
Mesmo nas classes mais baixas, a ascensão social se dá através de marcas. O que acontece é que nosso olho não registra o fato pois são marcas que para nós já estão incorporadas em nosso cotidiano.
Por exemplo, se você vai na casa de uma pessoa humilde e ela lhe oferece guaraná, ela com certeza comentará “não é Guaraná Antarctica, mas é bem bonzinho esse guaraná”, justificando-se pelo oferecimento da marca sórdida de guaraná que ela tem na geladeira para seu consumo e de seus familiares e ofereceu à você, pessoa de uma classe social mais alta.
Até bem pouco tempo atrás, e isso ainda persiste entre pessoas mais velhas, se comentava que, ao tomar água ou refri na casa da fulana, percebeu o capricho com que ela cuidava da casa, até o”copo estava bem limpinho” como se não se esperasse por isso. Independente de ser um preconceito terrível, é um sentimento. Daí o conceito popular do “pobre, mas limpinho”, que é um valor (limpeza) entendido e aceito por todas as classes sociais e primeiro degrau de ascensão social. Ninguém sobe a escada social sendo “sujinho”, no sentido físico da palavra, é claro. Se você for ao aniversário do filho de uma pessoa humilde terá na mesa, com certeza, Coca-Cola e Guaraná Antarctica.
E na hora da foto dos parabéns à você alguém vai correr e virar os rótulos das garrafas para saírem na foto, bem direitinho, pois naquele meio social isso é status. Na verdade todos nós, do mais pobre ao mais rico, estamos subindo a escada social e demonstramos isso através do consumo de nossas marcas. Mesmo um milionário que põe na sua parede um Degas, está consumindo uma marca -Degas- e colocando na parede para todo mundo ver. Se fosse apenas para seu deleite secreto estaria no closet.
E ele não teria pagado uma fortuna pelo quadro. Ninguém nunca compra uma coisa pelo valor que ela realmente vale, pois senão ela vale menos ainda que seu preço real. Ao contrário, todos compram pelo valor emocional, pelo valor do que você ganha com aquilo, pelo valor que aquilo, aquele objeto, lhe dá. Pelo quanto aquilo acrescenta a você na subida da escada. Há muito tempo as pessoas não compram produtos e sim, percepções, sinais para serem reproduzidos socialmente. Esta é as função das marcas. Garantir o status nosso de cada dia. Todo santo dia.

Ascensão social através do consumo de marcas , do Alexandre Assumpção Diretor Criativo da e21

como curiosidade registro que a zara não faz publicidade. é um case do bôca a bôca.

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