domingo, junho 05, 2005

hudartcha

meu nome é hudartcha, mas eu não tenho nada de russa não, diz-me huda quando a encontro pela primeira vez já no moinho da sala de criação.

hudartcha é diretora de arte, numa agência qualquer do recife. é publicitária, mas por distorção de concept, exerce seu ofício tal qual mulheres operárias numa linha de montagem. só náo o é mecânico, porque hudartcha o constrói com pinceladas de pressupostos do design, uma das paixões de huda, que ao fim ao cabo de nada adiantam contra a lógica veloz, monocórdica e corrosiva do varejo. sim, cabe a hudartcha, a tarefa de cuidar do varejo de três bandeiras de automóveis, uma italiana, uma japonesa e uma francesa:meu nome é hudartcha, mas eu não tenho nada de russa não. como cuidaria hudartcha da niva? por exemplo, fico a pensar, elaborando figuras com a ironia rasteira da imagem,

novos e seminovos consomem-lhe o dia, na verdade os fins de tarde e primeiros quartos da noite, tornados insanos tal a repetitividade e mediocridade dos insights: onde se pede diferenciação, dá-se não. e nem é por culpa dela, apesar do processo já a levar de rodo para baixo do tapete e salpicar-lhe a pecha de diretora de arte do varejo. hudartcha, não tem nada de russa não. mas quando chega ou se prepara para ir embora, tem um ar de “ mamuska”, com seu quase corpanzil, equilibrado em sapatos de bicos finos, sempre largados, durante o labor, sob a mesa, sua perestroika, imagem equilibrada por invariavelmente alguns sacos de supermercados que não obrigatoriamente contém materiais dos mesmos, quando ela chega ou sai rumo à vida de periferia, num lugar onde quem vai lhe dar carona é brindado com a pergunta matreira: teu carro sobe ladeira ? e dúvida se sim, dúvida se não, discrevo? hudartcha tem um detalhe que até virou ícone de celular, para o qual ela dá de ombros, o que o realça ainda mais, particularidades anatômicas superiores. quanto a mim acho que seu bom humor é imensamente maior. e boa parte do suportável no ambiente deve-se mesmo a isto. mas lêdo engano achar que ele é antídodo contra o lado negro da força que impera neste momento não só nas telas. sim vamos falar de cinema.

hudartcha vive em universos paralelos, constante expansão e retração. num deles convive com o planeta mammy, também conhecido como maggi, de atmosfera atormentada. capítulo a parte não cabe editar, ainda que tenha planos do material na moviola, antecipando sim, novamente, que vamos falar de cinema, para gáudio de huda.

sem intervalos, porque o melhor de hudartcha é dôce e abre os créditos da projeção como os chocolates que nos presenteia diuturnamente quase, critério, e bonachona, com toda a criação, toda aquela generosidade cabe no sorriso pequeno, cujas bordas já começam a ganhar, aqui e ali, o contorno da ironia necessária a manutenção do tino na lida com o varejo. mas que também espoca como gargalhada, nelas alguma vez fímbria de revolta.

meu nome é hudartcha mas eu não tenho nada de russa não. um quase título tema ? huda ama o cinema, e tanto, que nem far-lhe-ei comparaçao, mesuras ou menções com algum personagem, de altman ? hudartcha tem uma parte do dia em que ela, nada alienadamente das suas bandeiras da realidade, respira cinema por todos os poros. é quando ela retira os fones, com o qual pilota os anúncios de varejo, e balança, creio, para não enlouquecer, como cada qual de nós desenvolve jeito de não surtar. vive-se um clima miserável, porque invariavelmente sempre há quem destôe numa agência. em nosso caso, justamente quem não deveria. mas fazer o quê? pensa hudartcha, quanto eu arrumo as coisas para ir embora. e onde fica toda esta loucura pelo cinema? no jeito-maneira de ser de hudartcha que gosta tanto de cinema que a ela não basta só ver os filmes que traz para que nós a frustemos, já que nunca conseguimos ver durante a azáfama do dia, tornando o lost, por exemplo, um lost que não acontece por acontecer. mas já vimos um capítulo um dia, onde descobrimos que não basta a hudartcha que o vejamos, ou ela própria, que o virá e revirará esmiuçando detalhes. hudartcha, só frui por completo a obra quando todos estamos juntos. e por isso ela é capaz de adiar minutos intermináveis até que todos estejamos frente ao monitor. então ela sente-se feliz e mais feliz quando todos nós alí ficamos até o fim. então ela nos revela sua maior paixão pelo cinema, quando instigados queremos saber mais sobre próximos capítulos: ela não os conta, misto de perfecionismo na não revelação de enredos e castigo por não gostarmos tanto de cinema como ela, concluo. para além do mais, em boa parte do dia, hudartcha acompanha via site de um seu professor, os lançamentos. e tem a sensibilidade não embotada pelo cuidar do varejo quase que exclusivamente, de assuntar nuances e dar dicas, com a de gozar a preciosidade de ver a história contida nos créditos finais do filme que a crítica esculachou- mais um ? – do jim carrey, uma verdadeira obra de arte num filme comercial, já não tenho mais tempo de corrigir o parágrafo que soa rançoso.hudartcha agora está em pulgas, ou seja saltitante, antecipando o prazer de assistir o mochileiro das galaxias, cujo livro senta-se ao lado do seu posto de combate, assim chamado porque é uma luta de herói fracassado, enredo de filme b, olha o ranço aí de novo, lutar contra a mediocridade nauseabunda do varejo, ainda mais insone e insane porque não é assim que o queremos fazer.

penso no mochileiro das galaxias. no título original, cuja expressão inglesa, remete-me música do credence clearwater revival. serei eu o mochileiro já pronto para deixar mais uma galáxia de agência sem atmosfera para sobrevivência das boas idéias minimamente ? ou apenas o martin, robô depressivo do enredo?

subo o volume do credence. estou despedindo-me da hudartcha, sem nem saber se está é a melhor maneira – qual mesmo a melhor maneira de se despedir ? hudartcha, que não tem nada de russa –
é o que ela pensa - também não tem nada da primavera de botticelli, mas tem o seu rafael.

chocolates, cinema e um amor amplificado por uma belo par de sub-woofers que antecipa datas de varejo, leve ironia. não seria isto um final feliz ?

não há vodka em casa, o que salva-me de um brinde invisível. previsível, à quase falta de idéia para o fecho, diria huda ,com aquele mesmo ar com que lê as críticas de cinema em alto e bom som, trazendo um pouco de inteligência ao nosso cotidiano acachapado pelas expressões dominantes do varejo:

sem firulas, mais direto, aumenta o preço, está cor o cliente não gosta o cliente isto, o cliente aquilo, que quanto a mim acabou-se sexta. e olhe que já faz algum tempo que não saio no meio de um filme antes de acabar a sessão.

meu nome e hudartcha mas eu não tenho nada de russa não. the end. e não haverá mais continuação huda. o filme acabou. e, ainda cabe mais ironia? nem haverá mais tempo para vermos as cruzadas. a epopéia agora continua sem diretor de criação, que eu nao tenho miminamente cara de orlando bloom.

2 comentários:

Caparica disse...

Citei este Post no meu modesto pseudo-blog (é um mero 'link farm' de fato...).

É Absolutamente perfeito...
Conheço Huda tem um certo tempo. De umas aulas macabras de Gestão de Design eu acho...
Mas só fui 'ter proximidade meeesssmo' (os poucos andares, a Paladaria, o Bolix e o Cabelinho colaboraram com isto) um dia destes.

Como disse: Perfect! Finish Him!

celso muniz disse...

caparica!? lembrou-me a costa da caparica, em portugal. já gostei só por isso. depois gostei mais ainda pelas aulas macabras.a huda esbaja paladarias, não ?