Existe um documento imprescindível no eixo Anglo-Saxão
da propaganda que curiosamente no Brasil é amplamente
ignorado.
É o tal do Director's Treatment.
Funciona mais ou menos assim: depois de passar pelos
mesmos problemas (e esses sim são os mesmos em
qualquer parte do mundo), a dupla finalmente consegue
vender uma campanha.
A garrafa de champanhe nem esvaziou e a dupla já está
fazendo uma lista dos diretores que poderiam fazer o
filme.
A lista é baseada em três critérios: adequação ao
projeto, reel e director's treatment.
Notem que não falei nada de preço ou relacionamento.
Os DVDs começam a chegar de baciada. Dezenas de reels,
desde diretores consagrados até obscuros jovens
talentos.
A dupla pode passar uma semana só assistindo,
analisando, tomando notas. Acredite, aqui isso também
é considerado trabalho.
Finalmente a dupla dá uma lista pro producer que
inclui o Frank Budgen mais uns três ou quatro.
O producer risca o Frank Budgen da lista e manda o
roteiro pro resto.
Aí a agência fica na maior torcida pros diretores
curtirem a idéia.
É muito comum o diretor dizer “não curto.” Ou então
“estou ocupado” ou “não acho que sou a pessoa certa
para fazer este projeto”, ou seja, “não curto.”
Às vezes a agência comemora só o fato de um diretor de
primeira linha ter curtido o roteiro. Tem gente que
deve pôr isso no currículo.
Depois disso, rola a primeira conference call com cada
diretor. Uma conversa informal sobre o roteiro. O
diretor até solta umas primeiras idéias pra sentir o
quanto a dupla está aberta a mudanças, mas o objetivo
principal é entender como a criação vê o filme.
Aí cada diretor vai pro seu canto pensar. Uma semana.
Duas. E escrever o tão aguardado Director's Treatment.
E finalmente cheguei onde devia ter começado. O que é
o Director's Treatment?
É como o diretor vai “tratar” seu filme. É a visão
dele no papel. Um documento escrito onde o diretor
conta como ele faria o filme. É uma concretização da
personalidade do diretor. Um sinal que ele realmente
pensou no seu filme e está interessado no projeto.
Geralmente começa com “First of all, thanks for
sending me this incredible and original script” e
termina com “This is a great idea. Let's do it!”.
Um bom Director's Treatment vai muito além de
responder às questões básicas, como locação, tipo de
câmera, movimentos de câmera, direção de atores,
direção de arte, fotografia, som, vestuário, edição.
Tudo isso é importante e faz diferença.
Mas o que conta mesmo é o que o diretor vai fazer com
a sua preciosa idéia que não passou pela cabeça de
nenhum outro diretor. O que ele está, como eles dizem
por aqui, “bringing to the table”.
Afinal, se o diretor vai filmar exatamente o que a
dupla escreveu, é mais fácil a dupla arrumar alguém
pra operar a câmera e fazer o filme.
Com esse documento na mão, fica fácil escolher qual
diretor vai fazer o projeto.
Geralmente é aquele cujo Director's Treatment causa a
seguinte reação: “Como eu não pensei nisso antes?
Agora sim o filme ficou muito melhor. É outro filme.”
Fica mais fácil também convencer o cliente a aprovar
um orçamento mais caro. Muitas vezes, depois de ler o
Director's Treatment, o próprio cliente escolhe o mais
caro.
É comum o diretor mandar referências para ilustrar a
visão dele. As referências assumem várias formas. Vão
desde recortes da revista Life dos anos 50 até um
manual de tatuagens de prisioneiros russos. De Jared
Hess a Bollywood. De Mágico de Oz a Takashi Miike.
As referências também ajudam a escolher o diretor. Por
exemplo.
Quatro diretores sugeriram Coldplay pra trilha e um
sugeriu uma banda que é tão underground que ainda nem
lançaram o primeiro CD porque os integrantes não
chegaram a um acordo sobre o nome da banda. Qual
escolher?
Uma das vantagens dessa maneira de trabalhar é poder
ler centenas de Director's Treatments. Eu sempre peço
pra ler até Treatments de projetos que não estou
trabalhando. Adoro. Aprendo muito. Tenho uma coleção
particular.
Acho que o equivalente ao Director's Treatment no
Brasil é a própria reunião de pré-produção. Coisa que
acontece depois de escolhido o diretor.
Aqui é ao contrario. É como se a agência participasse
de cinco reuniões de pré-produção e só depois
escolhesse o diretor.
Acho que é essa a grande vantagem.
Para encerrar, um pensamento. O Brasil tem fama de
excelente na mídia impressa. Mas essa fama não se
estende à mídia eletrônica. Me pergunto se não tem a
ver com o processo de produção.
Se o Brasil quiser ampliar sua boa fama, a iniciativa
tem que partir das agências.
Se no próximo filme, os criativos pedirem pras
produtoras um Director's Treatment, neguinho vai ter
que se virar.
E só há duas possíveis reações:
1. Eu hein. Sentar e escrever cinco páginas. Pra quê?
Ô Matilde, liga lá pro RTV e convida os caras pra
almoçar.
2. Vamos nessa. Acho que pode ser uma boa oportunidade
de refletir, pôr meus pensamentos no papel, buscar
referências, mostrar pra criação que eu realmente
respeito o trabalho deles e acabar dirigindo um filme
muito melhor do que eu faria se não tivesse escrito o
Director's Treatment.
Pela reação você já sabe com quem fazer o filme.
Tem gente que vai dizer que no Brasil isso não
funciona. Que é outra realidade. Os prazos são outros.
A grana é outra. Mas tudo isso é desculpa.
Eu quero que um dia o meu país tenha a fama em TV que
tem em revista. Que seja uma Inglaterra com ginga. E
que, principalmente, faça filmes melhor que a
Argentina.
E se aquele tal diretor começar a reclamar muito, é só
falar:
“Ué, o Frank escreve...”
palavras e pensamento do anselmo ramos, hoje redator da lowe new york e ex- young&rubican portugal, markimage, y&r miami.
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