sábado, abril 22, 2006

dando as cartas ao sábado

Sou um anarquista, graças a Deus, porém detesto a desordem. Por isso, resolvi escrever esta carta aberta às elites, enfrentando, logo de cara, um baita problema. Igualzinho a um monte de gente por aí, também não sei mais qual é o público-alvo ao qual me dirijo quando cunho de destinatárias “as elites”. Paciência. Eis aí mais uma boa justificativa para essa carta fazer algum sentido: a total falta de sentido direto que está provocando essa bagunça nacional, enquanto o sentido figurado ganha terreno até nos campos das ciências exatas, hoje correndo-se o risco de passaram a ser denominadas ciências inexatas.

Deixemos, portanto, de ser subjetivos, e vamos logo ao que me interessa, antes dos supostos “leitores elitistas” desistirem de acompanhar estas mal traçadas, todavia, bem-intencionadas linhas.

Basta uma rápida reflexão sobre os acontecimentos mais recentes, sem deixar de puxar pela memória visando a composição de um quadro cronológico com fatos e/ou factóides da história do nosso país – há quem consiga fazer o mesmo sob a perspectiva do globo terrestre, eliminando, no mínimo, as fronteiras do conhecimento –, para se chegar a uma conclusão desanimadora, digamos, ou, se preferirem, fétida: a vaca foi pro brejo. Infelizmente, ela foi sim. Felizmente, eu não apresentei a vaca pro brejo, nem o brejo pra vaca, coitada, e o pior é que não sou o único a erguer a bandeira de inocente, no meio dessa confusão, com absoluta incompetência para caçar culpados. De qualquer modo, nesta altura do campeonato, apesar de a Copa do Mundo ainda não ter começado, pouco adiantaria descobrir quem foram os camaradas que desnortearam a vaca, tirando-a do regozijo do pasto e, talvez por simples erro de cálculo, impelido-a ao brejo.

Feita esta reflexão preambular, aqui está minha proposta: adiar já a eleição para presidente da República do Brasil. Por quê? Porque antes precisamos eleger um(a) ombudsman para apontar os erros cometidos por esta nação como um todo e, pari passu, fomentar um amplo debate em busca de consertamentos, correção de rumos e soluções para os problemas sentenciados como insolúveis.

Não pensem que, com essa atitude, estaríamos criando uma situação de ingovernabilidade. Nada disso. Pois, lembrem-se, os principais governantes do País, neste momento, preparam-se para dar início a suas campanhas partidárias, conseqüentemente, estarão tão ocupados que, queiramos ou não, a governabilidade também está prestes a acompanhar a vaca no seu passeio lúgubre pelo brejo.

Em face desse cenário ruminante, julgo legítimo encetarmos um movimento pelo adiamento da eleição para presidência já, substituindo-a, sem delongas, pelo voto direto, através de urnas espalhadas por todo o Brasil, inclusive nas áreas de brejo, para democraticamente escolhermos o(a) nosso(a) imprescindível ombudsman.

O presidente fica para depois. Muito mais urgente é definirmos o nome do(a) cidadão(ã) que, pelo bem da pátria, arcará com o fardo de se arriscar a ser malhado como Judas. (Atenção, maçons, também não fui eu que revelei que esse papo de traição entre discípulos e iniciados foi tramóia do império romano, o que acabou se transformando num tremendo tiro no pé, nem sou eu que estou aventando as idéias sobre a hipótese de Maria Madalena nunca ter sido prostituta, menos ainda a lorota de ela ter sido esposa de Cristo, que, por sinal, nunca teve tempo de se casar, dado que Ele não tinha apenas 12 apóstolos para doutrinar – se Fernando Pessoa, que era Fernando Pessoa, não ousou ir tão longe, quem sou eu para fazer uma coisa dessas? Eu que jamais serei mais que um heterônimo personificado por um autor imaginário.)

Enfim, como não sou homem de meias palavras, além de propor a eleição do ombdusman do Brasil, aproveito para sugerir nomes de alguns pré-candidatos, que, tenho certeza, vêm prestando enormes serviços à Nação. Sem desmerecer a grandiosidade de profissionais não citados nesta lista, que, do mesmo modo, cumpririam exemplarmente essa missão se tivessem a oportunidade de falar em cadeia nacional, fazendo uso da mídia de massa e dos palanques, sem restrições, para atingir não apenas as elites que não sabemos hoje quem são, mas também os brasileiros que não gostam de ler e/ou não têm dinheiro para comprar jornais, revistas, livros, muito menos para se incorporar ao segmento de assinantes das TVs pagas. Alvitro:

– Diogo Mainardi
Se estou sendo lido pelas elites, estão dispensadas as apresentações. Entretanto, para evitar diz-que-me-diz infundados, que possam prejudicar a candidatura dele, é bom salientar que ele nunca escondeu a profissão de seus pais: ex-publicitários. Ao contrário do que se possa supor na atual conjuntura, esse dado curricular depõe a seu favor, por dois motivos principais. Primeiro, não há dúvida de que a educação por ele recebida privilegiou o desenvolvimento do intelecto e o incessante progresso cultural em associação com a disposição e a sabedoria para, sobretudo, se manter bem informado sobre tudo. Segundo, porque ele optou por fazer propaganda apenas da verdade.

– Marcelo Rubens Paiva
Apresentações dispensadas, é óbvio. Mesmo dedicado à carreira literária, inclusive como teatrólogo, mais direto impossível no uso da linguagem, fazendo-se entender com clareza e franca objetividade. O único incoveniente seria abrir mão, durante a fase da campanha e de ocupação do cargo, se eleito, de patrocínios culturais, para não cair na mesma cilada de políticos que sambam sem saber quem pagou a conta do trio elétrico. Ele anda desanimado, eu sei, mas nem por isso perdeu o elogiável senso crítico e a verve para empregar o juízo de realidade e o juízo de valor com bom humor.

– João Ubaldo Ribeiro
O mais idoso da minha lista, mas, como todos sabem, com a saúde tinindo, desde que trocou os botecos pelas pastelarias (pizzaria, nunca); meio ressabiado, nos últimos dias, por temer ser convidado a usar algemas, mas nem por isso propenso a se entregar à indolência da aposentadoria, muito pelo contrário. Prossegue como escritor cheio de pontos de vista do balacobaco. Em campanha ou no cargo, a única chatice seria ter de encarar um desconto de 100% no que pagam pelos seus livros, em vez de 40%, também para não ser surpreendido por um caixa dois sob investigação de intelectuais que se destacam entre outros talentos da maturidade.

Com um pouco de esforço, creio que esta lista poderia conter pelo menos 10 nomes. Paro, contudo, por aqui. Presumo que já me fiz entender. Além disso, duvido que Luiz Fernando Veríssimo, Millôr Fernandes e Arnaldo Jabor, por exemplo, tenham paciência para envergar o codinome de ombudsman, sem, de chofre, censurarem o estranho uso da estrangeirice do termo, se bem que já incorporado ao Aurélio, assim como no dia-a-dia dos países de democracia avançada, onde funcionários do governo investigam as queixas dos cidadãos contra os órgãos da administração pública, antes da vaca ir pro brejo.

O José Simão seria mais um interessante candidato, entretanto, como este cidadão está mais para esculhambador-geral da República do que para alcoviteiro – e costumeiramente pautado por piadas prontas –, pode ser muito arriscado. Mais ainda por causa dessa mania que ele tem de ir dormir quando o Brasil está acordando, mau hábito que também me acompanha, no meu caso, pra sonhar que ninguém está lendo o que escrevo, desatinadamente, enquanto o sono revigora as forças e as esperanças das pessoas sérias deste nosso janota país.

Respeitosamente,
José Manebé da Silva

A vaca foi pro brejo, mas eu não ensinei o caminho!
Gisele Centenaro
Carta aberta às elites

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