sexta-feira, agosto 05, 2005

cannes: riviera francesa com cara de velho oeste

 Há algum tempo venho com uma dúvida que se dispersa e ressurge a cada ano, sempre depois que o Festival de Cannes se encerra. Nunca soube a quem recorrer para solucionar a questão. Confesso também que o receio de questionar tal assunto sempre foi grande. Talvez seja uma pergunta tão banal que me deixe envergonhado por não saber a resposta.

 

2005. Mais um Festival de Cannes, o Oscar da propaganda, o prêmio mais desejado por 10 entre 10 publicitários. Mais uma vez a inquietação vem à minha mente. E dessa vez não dá pra segurar. Afinal, onde são veiculados esses anúncios brasileiros (ou todos os outros) que são premiados em Cannes? Essa era (é) a minha dúvida. O Brasil, sabemos, é uma potência criativa. Nos últimos oito anos tivemos cinco agências no topo do ranking das mais premiadas. Esse ano ficamos em 2º na categoria Impressos e Outdoor e em 1º na categoria Internet. Vi a lista de anúncios premiados do Brasil, e a dúvida ressurgiu: onde esses anúncios foram veiculados?

 

A campanha “Azarados”, da JWT para os lenços Kleenex, foi digna do ouro, mas nunca a vi na TV ou em revistas. A campanha social da DM9 para Associação de Transplante de Órgãos, também nunca vi veiculada. Nem os comercias de marcas mais conhecidas como Volkswagen e Whiskas, que ganharam Bronze, tive a oportunidade de ver no ar. Na parte impressa achei fantástico o anúncio “Janela” para Vick VapoRub, mas nunca tinha visto antes em alguma revista. E o anúncio da FabraQuinteiro para a Gilberto Miranda Animal Trainer, fico me perguntando: onde foi veiculado?

 

Chegando na Internet, área em que o Brasil arrematou 23 leões, e onde a popularidade das coisas atinge um grau bem maior, mais uma vez fico frustrado por não ter visto anteriormente as belíssimas sacadas, como o banner da F/Nazca para Arno e da Tequila para Pedigree. Destaco também os anúncios para Cia Athlética. Fantásticos, mas só os vi depois que foram publicados no site oficial de Cannes.

 

Como tinha falado logo no começo do texto, pode ser que essas minhas colocações sejam banais. Pode haver gente que viu esses anúncios veiculados. Mas eu assisto TV com uma certa freqüência, não ligo o carro sem antes ligar o rádio, leio muitas revistas e vivo horas conectado à Internet e ainda assim, não vi nenhum dos leões brasileiros em Cannes na mídia. Podemos levantar algumas hipóteses para tentar responder a minha questão.

 

A primeira seria o fato de que, morando no Piauí, muitos desses anúncios não chegaram até aqui. Pode ser que alguns não tenham veiculação nacional. Alguns desses anunciantes nem existem por aqui, como a academia Cia Athlética e a escola de idiomas "Let's Talk". Mas o fato interessante é que ninguém que eu conheça, tanto aqui do Piauí, como de outras partes do país, viu algumas dessas peças serem veiculadas. Pode ter ocorrido o fato de algumas dessas peças até terem sido veiculadas aqui, e eu não ter visto. Mas, pô! Não ver nenhumazinha? É demais... E como explicar o caso dos anúncios para Internet? A Internet tem caráter universal, e nela as coisas se propagam muito rapidamente. E mesmo assim, não vi nenhum dos cyber lions veiculados na rede.

 

Outra hipótese seria a de que essas peças tiveram pouco, ou pouquíssima veiculação. Para participar de Cannes é preciso provar que a propaganda foi veiculada. Mesmo que tenha sido às 4h da madrugada na TV de Japurama do Norte ou publicada no jornalzinho de bairro de Nova Olímpia. Sendo assim, realmente não tinha como tê-las visto. Mas por que anúncios tão bons como os dos lenços Kleenex foram “escondidos” do público? Partindo do princípio que as peças foram bem criativas e possuem um forte argumento persuasivo, e levando-se em conta que lenço de papel é um produto de interesse geral, de target bem amplo, era fácil de imaginar essa campanha sendo veiculada em horário nobre. Porém provavelmente isso não aconteceu. Como explicar, então? Será que os clientes não estão preparados para aceitar idéias mais conceituais? Isso talvez seja assunto para uma outra discussão. Mas sendo assim, será que a própria agência bancou a veiculação dessas peças, mesmo que tenha sido uma única inserção, apenas poder inscrevê-la em Cannes? E o que falar do VT de incentivo à doação de órgãos e dos anúncios impactantes para os Alcoólicos Anônimos e para Fundação Eye Care? Sendo campanhas de cunho social, não teriam que ter uma veiculação massificada? Todo mundo já viu as campanhas do “Eu sou brasileiro e não desisto nunca”. Mas essas que ganharam leões em Cannes nunca vi, não é estranho?

 

E a terceira e última hipótese seria a de que todas essas peças não passariam de anúncios fantasmas, nunca veiculados na mídia e criados com a única função de trazer leões para a agência. Sabemos que essa terceira hipótese não é muito provável, pois como dissemos, depois da polêmica dos fantasmas em Cannes agora exige-se um comprovante de veiculação para poder inscrever as peças. Isso certamente dificultou o aparecimento de fantasmas. Mesmo assim custo a acreditar que fantasmas não existam em Cannes. Mesmo que sejam pseudo-fantasmas, vistos uma única vez num jornalzinho trimestral do povoado da Taboca do Pau Ferrado* . É por isso que toda vez que Cannes chega, me vem à mente aquela música The Good, The Bad, The Ugly, onde Cannes mais parece uma cidadezinha do velho oeste, sendo o Palais des Festivals um Saloon repleto de John Waynes, e do lado de fora, blocos de feno voam pelas ruas. Uma típica cena de cidade fantasma. Mas a pergunta continua. Onde foram veiculados esses anúncios? Quem souber, por favor, me diga.

Breno Brito – Diretor de Criação da VM2 Maxi Marketing (Teresina-PI) e professor das faculdades AESPI e FAPI

 * sim, esse povoado Taboca do Pau Ferrado realmente existe, na zona rural de Teresina-PI

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