Fiquei com pena da minha mulher ao ver nosso velho faqueiro desfalcadíssimo. Resolvi dar-lhe um de presente. Ela decidiu efetuar a compra através de um desses programas de venda pela TV (shoptime). Telefonou, identificou-se, deu o número do cartão de crédito e o endereço. Em quatro dias o produto estaria em casa. Nem em quatro, nem em cinco ou uma semana. Minha mulher ligou para reclamar e foi informada, que não havia previsão de entrega. O Natal chegou e nada de faqueiro. Não posso desfazer a compra, pois a primeira prestação já está anotada no cartão. Uma vez que não dizem no programa que não há previsão de entrega, estão cometendo fraude. Telefonamos para a Defesa do Consumidor, que parece ter saído do ar. Não roubarás.
Isso me fez lembrar que trabalhei seis meses numa grande agência de propaganda e quase morri de tédio. Saí de lá convencido de que - com raríssimas exceções - a publicidade é um fenômeno danoso à saúde mental. Ela manipula as mentes vulneráveis. Bilhões de dólares são gastos anualmente nesta arma que trabalha em função da concentração do poder econômico. Todos os anos, em todo o mundo, as crianças são massacradas com cerca de 224 mil minutos de comerciais. Resultado: crianças céticas, cínicas ou alienadas.
Depois de gastarem bilhões em pesquisas, os executivos da propaganda chegaram à conclusão de que o anúncio convincente deve passar por quatro momentos. 1) o problema; 2) a solução; 3) o consumo; 4) os resultados.
E isso tudo em menos de 30 segundos. Criança triste, com cara de idiota, isolada num canto, enquanto outras mais bonitas e mais bem vestidas andam de skate.
Uma jovem mamãe aparece no vídeo e oferece a solução: skates Adrian, a oitava maravilha do mundo. Agora, no estúdio, os mais belos modelos riem e dançam como alucinados, felizes da vida, abraçados aos seus skates. Finalmente, a criança feia e mal vestida aparece linda e bem vestida entre os amiguinhos, fazendo o maior sucesso com seus skates Adrian. A menina mais bonita aproxima-se dele, lhe dá um beijo.
Embora as crianças sejam as maiores vítimas, a TV ataca todos, sem restrições: o velho com artrite transforma-se num atleta após tomar Atritol. O rapaz feio, com espinhas e mau hálito, vira um galã depois de comprar um spray de menta. A jovem chega a ponto de achar a menstruação um prazer depois de comprar TM. E neste mundo de mentiras ininterruptas, em que você emagrece dois quilos por semana sem fazer exercícios e em que seu carro velho transforma-se numa supermáquina, graças à bateria Carilho, as gratificações são instantâneas.
Para vender vale tudo, do terror ao sexo. Meninas se comportam como mulheres e os programas infantis atraem multidões de pedófilos. Criam-se criminosos também, pois a maioria dos jovens, sobretudo em países como o Brasil, não entende por que não pode ter um tênis Micolás, que custa a metade do salário do pai, como o garoto da TV.
Mulheres também são grandes vítimas da TV, pois ou aparecem como prostitutas (aquelas que irão para a cama com o sujeito que usar mentol, baterias Carilho e gravatas Apolo) ou como dona-de-casa idiotas, que vêem, orgulhosas, os filhos usando os produtos anunciados. A publicidade em TV diz o seguinte: se você não comprar os produtos anunciados, será sempre um solitário, um outsider.
A propaganda é a antiarte, é a anticultura. Seu objetivo é a irracionalidade de comprar através do menor estímulo. Para mais vender, precisa aniquilar qualquer resquício crítico da cabeça do telespectador e, à medida que isso acontece, a "arte" entre os comerciais também deve baixar de nível, a fim de ser facilmente compreendida e digerida. A publicidade é inimiga da inteligência. Só existe um antídoto contra essa máquina de mentiras, essa babá eletrônica, essa incentivadora do crime: ignorá-la. Mas isso, creio eu, é impossível hoje em dia. A publicidade já venceu a batalha contra o intelecto.
(fraude e mentira na tv. por fausto wollf, para o jornal do brasil)
bom, se considerarmos o nível da maioria da nossa propaganda, o fausto tem razão, goethianamente.
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