Agências do dia-a-dia x agências de inteligência
Resolvi escrever este texto depois de ler o artigo "Criação: um direito e um dever de todos", do Alexandre Assumpção, não só porque compartilho com ele o apreço pela propaganda criativa, mas porque acho que posso colaborar de alguma forma com o debate que ele levanta.
Existe uma certa angústia no texto, já escancarada, de forma dramática no começo do segundo parágrafo: "Onde andam as grandes idéias, que sacudiam o mercado como um terremoto, um abalo sísmico criativo, que faziam arrepiar a pele tanto da gerente de marketing quanto da dona de casa, que corria para o supermercado feito uma lêmure para comprar o produto anunciado?" Pois bem, ao ler isso, eu também fiquei angustiado
e comecei a pensar sobre o assunto, e a relacioná-lo com algumas leituras que ando fazendo.
Tem esse francês, Jean-Marie Dru, que era um dos sócios de uma agência chamada BDDP, que em 1998 virou uma das jóias da coroa da rede mundial da TBWA e acaba de ser escolhida agência do ano em Cannes. Pois esse sujeito escreveu dois livrinhos que sistematizam a metodologia de trabalho deles, baseada em planejamento e criação. No começo do primeiro deles, o seu Dru faz uma distinção entre o que ele chama de idéias e idéias de execução. Começando pelo fim: uma idéia de execução é todo o recurso criativo que serve para amarrar uma peça, seja ela um roteiro, um anúncio, uma mala-direta, um spot de rádio. É o que a gente chama de idéia quando se pergunta se uma peça tem ou não idéia. Pode ser uma piadinha, pode ser um raciocínio, uma metáfora, uma comparação,
o que for. Resumindo: é o tiro que mata o leão, transubstanciado na forma de um briefing para amanhã.
Agora, o que ele chama de idéia e nós aqui vamos chamar de idéia estratégica, pra forçar ainda mais o contraste, é algo anterior à idéia de execução: é um raciocínio estratégico, a meio caminho entre o planejamento e a criação, que vai dar o norte a toda uma campanha ou a uma série de campanhas que se sucedem ao longo de anos. Cada uma destas
campanhas, ou melhor ainda, cada uma das peças de cada uma destas campanhas vai ter a sua própria idéia de execução, mas todas vão estar amarradas pela mesma idéia estratégica.
Quando o Assumpção pergunta pelas "grandes idéias", eu entendo que ele está falando deste segundo tipo de idéia, estratégica, uma idéia capaz de bagunçar com todas as convenções anteriormente aceitas e possibilitar uma nova visão para aquela marca ou produto. Senão, vejamos: o Assumpção fala do cachorrinho da Cofap, dos mamíferos da
Parmalat, do "Não é uma Brastemp" e do primeiro sutiã da Valisére. Todas estas idéias, especialmente as três primeiras, não são idéias de execução, mas idéias estratégicas que geraram e orientaram diversas peças, ao longo de anos. Mais do que resolver um problema específico de um anúncio ou roteiro, elas posicionam, elas inspiram.
Não acho que este tipo de idéia tenha sumido do mapa completamente, nem no Brasil nem no Rio Grande do Sul (pensando rapidinho num exemplo recente, me ocorre a campanha da Tintas Renner feita pela Matriz - "Para não dar zebra, pinte com a tinta do cavalinho" – que deve gerar uma longa campanha, porque posiciona). O que eu acho é que, na ânsia de resolver rapidamente os problemas do dia-a-dia, muitas agências acabam virando meras fazedoras de anúncios, cada qual com sua idéia de execução, algumas muito boas e bem produzidas, mas sem uma visão um pouco mais ampla.
Só quem pode mudar esta realidade é o próprio mercado. No momento em que as agências de propaganda voltarem a se apresentar como agências de inteligência para os clientes, capazes de enxergar a longo prazo, de forma estratégica, tenho certeza que o número de campanhas memoráveis vai aumentar consideravelmente. Quando eu digo "se apresentar", leia-se, evidentemente "se apresentar e entregar".
O caminho para isso, que inclusive já está sendo debatido dentro do Clube dos Jovens Criativos, essa entidade que chegou de mansinho e hoje é fundamental para o desenvolvimento do nosso mercado, é o investimento em planejamento criativo. O que é isso? Prefiro explicar pela negação: não é um monte de powerpoints que complicam o que deveria ser mantido simples, não é um concentrado de obviedades na forma de dialeto, não é embromation. Também não é um planejamento fechado em si mesmo, incapaz de apontar ao menos um caminho interessante para a criação, e tampouco o famoso retroplanejamento, aquele que, depois de tudo criado, busca dar um verniz científico à campanha.
Ah, também não é aquela criação burocrática que não acrescenta nada a um planejamento, seja ele bom ou ruim.
Planejamento criativo é aquele que consegue se misturar com uma criação estratégica a ponto que fique difícil se dizer onde termina um e onde começa a outra. Mais do que isso, é aquele que consegue fazer com que este tipo de questionamento soe estéril, sexo dos anjos, frente a uma campanha coesa, orgânica, que pára em pé sozinha, chama a atenção e aponta um longo futuro na comunicação de uma marca.
Fiz esse texto de uma sentada, sem muitas reflexões prévias, mas lendo-o agora percebo que, como o do Assumpção, ele é também uma defesa um tanto quanto apaixonada. Neste caso, de uma comunicação que realmente faça a diferença na história de uma marca.
Sinceramente, não sei o quanto ele pode ser útil para criar um debate, espero não ter ofendido ninguém, não é a intenção, só espero que ele sirva para que se questione um pouquinho o imediatismo que tem regido as relações de muitas agências com os seus clientes.
Não é só pra cuidar do dia-a-dia que estamos aqui: isso qualquer freelancer ou qualquer house pode fazer.
Marcelo Firpo
diretor de criação da Novacentro
firpo@novacentro.com.br
e agora, jovens e " velhos criativos" de pernambuco. quem pensa assim no nordeste ? seria o firpo também um quixote da fronteira ?
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