sábado, novembro 25, 2006

entrevista do sábado. ercílio trajan: como imprimir um jeito, uma cara, mas não no produto final que deve ter a sua própria


(é uma entrevista que pouca gente vai dizer que leu. martelo na bigorna, e com que elegância, e pro suficiência, na cabeça de uma geração que dificilmente faz algo mais do que punhetar archives. quando não alimenta o colonialismo recalcado da cópia na expressão de loas a migrantes de bagagem duvidosa).

nascido em santos, ex-bancário, estudante de ciências sociais da USP, ercílio trajan ingressa na publicidade pela filial são paulo da JMM publicidade, aos 17 anos.
foi o primeiro presidente eleito do clube de criação de são paulo (1979/1981). é um dos profissionais de criação mais premiados na publicidade brasileira. em 1986, conquistou, na categoria profissional de criação, o prêmio caboré (meio & mensagem). em 2001 foi reconhecido como o profissional de propaganda do ano do rio de janeiro (colunistas). em 2002 foi considerado diretor de criação do ano do rio de janeiro pela ABP – associação brasileira de propaganda. em 2003, ao lado de washington olivetto, passou a integrar o hall da fama do clube de criação de são paulo. eleito pelos leitores de meio & mensagem como um dos 25 profissionais mais importantes da propaganda brasileira. conquistou 11 leões em cannes na categoria de filmes.

"Ao lado da irreverência, sua principal característica e marca registrada que se reflete em grande parte de seus trabalhos publicitários, Ercílio é low profile e cultiva os longos relacionamentos, familiar, de amizade e profissional. Outro traço marcante de seu estilo pessoal e profissional é a sua paixão por frases o que o fez tornar-se conhecido no meio como um “frasista” dos bons. Paixão que o levou a escrever o livro "É só Propaganda" sobre 75 frases que, tendo origem na publicidade, a transcendeu.

Faz parte do seu perfil uma inquietude e aguda consciência política e social - começou a fazer política em Santos já no curso secundário (antigo Clássico) no Colégio Público Canadá. Na USP, aluno de Ciências Sociais, ainda no tradicional prédio da rua Maria Antonia, participou do movimento político estudantil universitário num dos períodos mais efervescentes da vida nacional: 1963-1964. trabalhou como profissional sênior na Denison-SP (1967-1978); MPM-SP (1978-1982); ALMAP-SP (1982-1990); Lintas-SP (1991); MPM-Lintas-SP (1991-1995); Contemporânea-SP (1996-1999) e Propeg-Quê-RJ (1999-2005). Atualmente: Ímã Propaganda-SP. Em todas elas, Ercílio exerceu cargos de Direção na área de Criação.

AA -
Para começar, a indefectível pergunta que principalmente os estudantes gostam de saber: como é que você foi parar na publicidade?
Ercilio- Citando, bem a calhar, Maquiavel, eu diria que foi a “fortuna” que me levou à publicidade. Eram os anos 60, nós pensávamos em mudar o país e o mundo, não sei em que ordem. E fomos parar na Maria Antonia, fazendo Ciências Sociais. Pois bem. Um belo dia, o Weffort,[ex Ministro da Cultura no Governo FHC] que era nosso professor de Política, deu um trabalho para a classe: “o fenômeno político Jânio Quadros”. Eu, que sempre fui fascinado por comunicação, símbolos, marcas, enfoquei o trabalho por aí. Analisei a trajetória do Jânio até a renúncia pelo viés da comunicação: a contradição entre seus símbolos, slogans e discursos (a vassoura, “o tostão contra o milhão”) e a realidade de ser o candidato do que havia de mais conservador e reacionário no país.
O Weffort gostou tanto do trabalho que o leu em classe. E foi então que um colega que trabalhava em agência de propaganda- eu não sabia que havia isso- me convidou pra trabalhar com ele. Na ocasião, pra poder me sustentar em São Paulo, eu trabalhava no Grêmio da Faculdade. Quer dizer: o país perdeu um sociólogo, quem sabe até um presidente, e ganhou um publicitário. Ah, o colega de angústias revolucionárias se chamava Chico Socorro*, e a agência, JMM. Foi lá, portanto, que tudo começou.
Um pouco mais tarde, no meio do caminho, tinha um anúncio que eu li e que me fez decidir: era aquilo que eu queria fazer.
O anúncio era para a Johann Faber. Aparecia um lápis mordido (como a gente, criança, fazia sempre) bem ali onde fica a marca. E o título dizia: “Lembra como eram gostosos os lápis Johann Faber?”
Até hoje, é de chorar de bom. Eu guardei pra sempre, como se fosse meu. Eu ainda vou conseguir fazer um igual.

AA - Olhando o seu currículo, nota-se que você teve a carreira concentrada em São Paulo e um período de sete anos no Rio de Janeiro basicamente em grandes agências numa trajetória de quatro décadas. Fazendo um balanço um tanto nostálgico, com qual agência você mais se identificou e da qual você guarda até hoje as melhores lembranças?
Ercílio - É difícil dizer com qual agência eu mais me identifiquei. Três marcaram mais a minha carreira: a Denison, a MPM, a Almap. Eu passei muitos anos em cada uma delas, e, como diretor de criação, imprimi um jeito, uma cara, não no produto final, que eu sempre fui contra isso, mas no jeito de trabalhar, de fazer, no processo. Trabalhei com equipes maravilhosas, ganhamos juntos todos os prêmios possíveis e imagináveis, sem colocar isso em primeiro lugar: construímos marcas, conceitos, fazendo anúncios de verdade, para persuadir consumidores, mas tentando sempre respeitá-los. E estávamos sempre nos questionando e preocupados com o aspecto ético da nossa profissão.
Aliás, eu lembro sempre de um anúncio que a gente fez lá atrás, ainda na Denison: “Na hora de fazer um anúncio, pense que o seu filho pode acreditar nele.”
O Ralph Nader começava nos Estados Unidos uma intensa batalha em defesa dos consumidores e nós não podíamos ficar insensíveis a isso.
Voltando às agências: há uma curiosa coincidência entre elas. Todas, à época, tinham importantes marcas de automóveis como clientes: Simca, depois Chrysler, Fiat, Volkswagen. Eu ouso dizer que ninguém no Brasil tem tantos quilômetros rodados. Se somar Lubrax e Petrobrás, então...
E por falar nisso, tenho que falar de outro momento e agência muito marcantes pra mim. E esses, bem recentes. É a minha passagem pelo Rio, na Propeg que depois virou Quê, uma agência que eu ajudei a construir e que nasceu com uma campanha das que eu tenho mais orgulho: a campanha de 50 anos da Petrobrás, de 2003- “O que você quer sonhar agora?” - em que a gente resgata a história da Petrobrás, mas fala de futuro. É uma campanha que foi feita com verdade e emoção, a gente se identifica muito com ela, a campanha e a empresa. É um desses raros momentos em que a emoção foi impressa. Outra sorte minha: estar lá, nesse momento mágico.
AA - No início da década de 80, numa edição histórica de Meio & Mensagem, “Os Caminhos da Criação”, você alertou para os perigos daqueles comerciais de TV que se auto-intitulavam criativos, falando da metalinguagem da propaganda, com uma fotografia exuberante, bem produzidos, uma bela piada mas que ignoravam o produto anunciado. Quase duas décadas e meia depois, como você vê essa questão?
Ercílio - Eu sempre falei muito sobre isso: em como a palavra criatividade servia para acobertar inconseqüências, piadinhas sem a menor relação com a marca, o produto, e como isso era perigoso e poderia ser usado contra nós, a qualquer momento. Na verdade, eu não estava sendo original. O Bernbach tem um texto belíssimo sobre isso: sobre o dano que a apropriação indébita da palavra estava causando contra a criatividade de verdade. Portanto, é uma discussão também antiga. Nós temos que ter a consciência de que propaganda não é arte, muito menos arte pura. No nosso ofício, emocionar, divertir, entreter, surpreender são verbos fundamentais, mas são verbos auxiliares, verbos-meio.O verbo-fim é persuadir. Nós não somos contadores de piada.
E, às vezes, quando eu vejo determinados anúncios e filmes, eu tenho certeza de que a piada estava ali à espera do primeiro produto que lhe passasse pela frente. Ou seja: nenhuma pertinência nem com a marca, nem com o produto, às vezes nem mesmo com a categoria de produto.
Portanto, não sobra nada pra ninguém. A gente lembra apenas, quando lembra, da piada. Quer dizer: não tem nada a ver com o nosso ofício. Eu ainda acho que a boa propaganda tem que fazer bem para a marca, para o produto, para o consumidor. Só aí- e “pour cause” - fazer bem para quem a criou. A criatividade de mentira só leva em conta esta última parte. É um crime e um suicídio.

AA - Muitos profissionais de Criação revelaram, pós Cannes 2006, uma grande frustração com o nível da publicidade brasileira? Será que a diminuição das receitas das agências de publicidade e das produtoras de comerciais nos últimos anos explicaria essa queda de nível?
Ercílio - Mais do que decepção, é a depressão pós-Cannes. Nos últimos anos, isso é tão recorrente que virou rotina. Virou doença crônica. Em primeiro lugar, porque Cannes virou objetivo de vida. É uma insanidade, uma maluquice. Juro que eu conheci um profissional extremamente talentoso que recorreu a um psiquiatra porque estava com 32 anos e ainda não tinha ganhado um leão em Cannes.
O curioso é que eu não vejo ninguém ter crise existencial porque ainda não fez uma campanha de peso, dessas que ganham corações, mentes e consumidores, que constroem marcas, que vendem produtos, que mudam hábitos, que caem na boca do povo. Não. A angústia é por não ter ganhado Cannes.
E é esse gênero de estultice que dá munição para o Al Ries escrever “A queda da propaganda”. Aliás, ele até usa ironicamente essa obsessão dos publicitários por prêmios, “reconhecendo” que a propaganda se tornou uma espécie de arte (“é só ver a preocupação com prêmios, que não tem nada a ver com a preocupação com mercado”).
De novo: é duro ver os nossos fazendo questão de dar munição para os que estão contra nós.
A maluquice foi tão longe que leva gente séria a perder tempo discutindo sobre fantasmas e afins. Criam-se teorias para justificar a fantasmagoria (peças criadas apenas para festivais) com sandices do tipo: é isso mesmo, é experimental, é desfile de alta costura, testam-se tendências. Quer dizer: insistem em dar razão para o Al Ries.
De minha parte, eu não levo mais nada disso a sério.
Aliás, da última vez que eu passei por Cannes, depois de ver a exposição de Press & Pôster, eu fiz um comentário que acabou ficando famoso: “Isso aí não parece pasta de estagiário?”
E pode perguntar a qualquer Diretor de criação que se preze: a verdade é que ninguém mais suporta ver pasta de estagiário tipo “depressão pós-Cannes”. Viu uma, viu todas. Uma enorme preguiça de escrever, de pensar propaganda um pouquinho além da piadinha visual rápida, nenhuma intenção de querer persuadir alguém de alguma coisa.
A tal ponto, que não importa se o anúncio foi publicado ou não. Ele é fantasma na alma, na essência. Esse é o problema maior: os fantasmas começaram a influenciar o mundo dos vivos. Começaram a virar critério. E o que é pior: critério único de qualidade.
Então, vamos tentar fechar a equação: pra ganhar Cannes, tem que ser de um determinado jeito. Uma comunicação rápida, universal, que não se baseie muito na palavra. De fácil entendimento para um júri internacional. É uma receita, para uma finalidade específica: ganhar Cannes. E que, aliás, não tem servido nem para isso.
O duro é quando essa passa a ser a receita única e universal para ganhar consumidores. Aí, passa dos limites: é preciso criar o antídoto rapidamente. Pela defesa da nossa profissão.

AAqui - Quais são os seus três ou quatro trabalhos de sua preferência que nunca ganhariam Cannes ?
Ercílio - Quanto às minhas preferências de trabalhos que não ganharam Cannes, penso nas coisas que resistiram ao teste do tempo.
Em primeiro lugar, relembro uma campanha para a Swift com este título-tema:
O salsicha, criação do tempo da Denison [1970]. A idéia foi inspirada nos conhecidos tropeços dos alemães com o gênero das palavras na língua portuguesa e no fato de que embora eles não tenham inventado a salsicha, são consumidores entusiastas do produto. [A propósito, Wurst, salsicha em alemão, também é feminino].
Depois, a campanha institucional da Rhodia que, se não me engano, trouxe o primeiro Clio de mídia impressa para o Brasil: A peste era um castigo de Deus. Até o dia em que o homem duvidou disso. [campanha criada na Denison nos primeiros anos da década de 70]
E uma campanha muito corajosa, que também era do seu tempo de Denison [início da década de 70]:
Exija a etiqueta feia da Hering.
Lembra? A gente inventou que uns malucos e modernos da Hering queriam mudar a marca dos dois peixinhos, porque estava ultrapassada. E usava esse pretexto pra contar a história da Hering, associar os dois peixinhos à idéia de qualidade e tornar a marca ainda mais "queridinha". Eu sou apaixonado por essa campanha. Talvez porque ela seja emblemática da minha relação com marcas. [Para quem não sabe, Hering em alemão significa arenque e os dois peixinhos simbolizam os dois irmãos, fundadores da Hering: Hermann e Bruno].

AA - E aqueles seus comerciais de TV que estão entre os onze que ganharam Leões de Cannes? Quais são os seus preferidos?
Ercílio - Até pelo valor afetivo, destaco o primeiro leão de ouro: (MPM), comercial para a Fiat Itália, com o repórter Reali Júnior e veiculado durante a Copa do Mundo de 1982. O Reali entrevista nas ruas da Itália uma família que desce de uma Fiat Panorama. hilariante. E tem um sogro, mais velho, que fica se manifestando durante o filme. No final, ao saber que o Reali é do Brasil, puxa uma foto do bolso e pergunta: conoche la famiglia Graciotti. [Para os publicitários brasileiros, esse comercial então tinha um sabor especial pois o nome refere-se a Sérgio Graciotti, Diretor de Criação da MPM-SP daquela época].
Depois, recordo um filme para o Café Seleto, leão de prata. Um recruta toca o toque de alvorada. Ninguém acorda.
Aí, ele toca um antológico jingle do café Seleto e desperta todo o quartel.
O surpreendente foi que o júri e a platéia, em Cannes, entenderam e aplaudiram o comercial sem nunca terem ouvido o jingle antes.
Finalmente, um filme para a Kibon, que ganhou bronze: deserto.
Numa cena típica de deserto, um ser perdido e solitário vê, de repente, uma geladeira da Kibon, com uma vendedora. Ele se aproxima, pede um picolé, começa a lamber e quando a moça vai cobrar, ele desaparece.
Ela fala: eu sabia que era uma miragem.
E assina: tem sempre um sorvete Kibon pertinho de você.
Terminando esse capítulo, temos a famosa campanha da Cultura Inglesa, que ganhou o Grand Prix do Fiap em 92 (MPM-Lintas). Só com palavras. Um deles:
está escrito no video: For me, Tarzan is the greatest of the comic book heroes. Um locutor, com forte acento britânico, lê, e pergunta: você entendeu tudo o que eu disse? Ao que uma voz adolescente e vacilante responde, sem nenhuma segurança: entendi...entendi...só perdi umas palavrinhas. Nesse momento, desabam as palavras, ficando apenas: Me, Tarzan.
O locutor emenda: tem gente que não sabe o que está perdendo. Faça Inglês na Cultura Inglesa, o inglês com cultura.
Seguiam-se outros filmes com a mesma estrutura: hot-dog, office-boy e obviedades que tais. Adoro essa campanha, porque é quase autobiográfica. Mas isso é uma outra história. ercílio com sua olivetti nos "anos de chumbo"(qualquer semelhança com o "jardel" é mera coincidência que quase assusta).

AA - Ultimamente nota-se que a propaganda, o anúncio clássico, tradicional, mais lá fora do que aqui no Brasil, está no pelourinho. Parece que o que se busca desesperadamente, é que ela não pareça propaganda. Alguns analistas atribuem esse fenômeno sobretudo à ampliação substancial das alternativas de mídia, em especial a Internet. Como criar mensagens publicitárias fresh e atrair a atenção do consumidor nesse novo contexto?
Ercílio - O que era novo ontem é velho hoje. Só que a recíproca também é verdadeira. Daqui a pouco, alguém vai dizer: o negócio agora é fazer anúncio sem disfarce. A melhor coisa é não ser maniqueísta, não achar que existe uma fórmula única de se fazer boa propaganda, é estar aberto para todas, sem se empolgar com a descoberta de “uma verdade”. Não podemos desprezar nenhuma alternativa de mídia, nenhum tipo de ferramenta, o que implica também o resgate das mais tradicionais formas de comunicação. O que está no pelourinho, acho eu, é o mau anúncio. E este merece mesmo a pena capital.

AA - Fale um pouco do seu livro É só Propaganda- 75 frases que viraram anúncios – ou vice-versa, principalmente sobre essa questão do frasista, a importância da palavra e o deslumbramento com a imagem na publicidade ditado por Cannes. O uso da palavra estaria em processo de desuso na publicidade?
Ercílio - Este é um assunto que me deixa um pouco triste. Deixa eu explicar. Na verdade, eu não escrevi nenhum livro. O Clube de Criação do Rio me convidou para organizar um livro com algumas das melhores frases que a propaganda inventou, segundo o meu critério. Eu fui escolhido, na verdade, porque eles conhecem a minha paixão pelo assunto. De fato, eu me debrucei sobre o tema, fiz um exaustivo trabalho de pesquisa, buscando frases que tivessem transcendido o seu objetivo imediato e o momento em que foram criadas. Feita a seleção, eu escrevi uma pequena e despretensiosa introdução. Portanto, jamais seria um livro de autor. Mas tinha me deixado feliz.
Só que aconteceu um probleminha na edição e o pouco que eu tinha escrito ficou sem sentido, com frases inacabadas, fora de ordem, sem pé nem cabeça. Pior: quem descobriu isso foi a Nilce, minha mulher, depois que o livro já tinha sido lançado em um evento (encontro de redatores) em Parati. Como o livro chegou lá na última hora, eu nem pude ler, e autografei vários nesse estado. Resultado: eu fiquei chateadíssimo com a história toda e, junto com o Clube do Rio, tomamos a decisão de devolver todos os exemplares para a Editora. Só não dava mais para recolher os que já tinham sido vendidos.
Aí, começamos a falar sobre uma reedição. E isso está sendo discutido.
Por ora, eu lanço um candente apelo aos incautos que, por acaso, compraram o livro: esqueçam o que eu não escrevi.

Agora, falando sobre o conteúdo do livro, sobre a minha pesquisa: sem dúvida, a palavra está caindo em desuso. E eu tenho uma teoria sobre isso. É só voltar um pouco à resposta anterior, sobre Cannes. O tempo inteiro, nós estamos pensando anúncios para festivais internacionais. Portanto, estamos condenando a palavra. As figurinhas são mais universais.
Em outras palavras: nós estamos abrindo mão do que ainda é o mais importante meio de persuasão, se não for o de sedução.
Além disso, nós, com a eterna vocação para o suicídio, começamos a dar razão aos que estão do outro lado. Aos que apregoam, desde tempos imemoriais, que ninguém lê texto, e coisas do gênero. Isso satisfaz aos nossos inimigos, à nossa preguiça, não à verdade. Como consumidores, quando algo nos interessa, nos tenta, a gente quer mais informação, quer álibis racionais para a nossa decisão de compra. A gente lê sim.
Desde que o anúncio saiba nos tentar, é óbvio.

AA - Agora, um tema recorrente, provocativo e que tem relação com a pergunta anterior, publicidade é coisa de artista?
Ercílio - Se a gente quiser jogar o jogo do Al Ries, é. Mas na verdade nunca foi.Por definição, nós não somos vanguarda. Nós temos que trabalhar com linguagens que já foram aceitas, incorporadas. Isso não é nenhuma vergonha, é apenas uma constatação. Agora, também é fato que, em alguns momentos raros, a gente roça muito de leve a arte, seja a literatura, a pintura, o cinema. É quando a gente consegue transcender o nosso objetivo mais imediato.
Mas, pode reparar: quando alguém se dirige a nós como “artistas” quase sempre é tentando nos estigmatizar como pessoas irresponsáveis. Em geral, é gente que não gosta nem de nós nem dos artistas.

AA - Três questões sobre um mesmo tema: a propaganda de varejo. Você acha que ela é feita deliberadamente para ensurdecer as pessoas?
A gritaria faria parte do seu DNA? Existe alguma esperança de que o número de decibéis possa um dia ser reduzido drasticamente?
Ercílio - Eu tenho certeza de que berrar não é uma forma de comunicação. É apenas uma agressão aos ouvidos, ao bom gosto, à boa educação. É um desrespeito às pessoas que estão nos recebendo na casa delas, aonde nós entramos sem ser convidados. Olha, eu tive a oportunidade de trabalhar para o varejo, para a rede de lojas Eletro, e a comunicação deles era extremamente respeitosa e bem sucedida. Tanto é verdade que a mesma linha de campanha se manteve durante três anos. Era com o Diogo Vilela, e a gente inventou a declaração dos direitos do comprador do Eletro: o direito de entrar na loja sem ser perseguido pelo vendedor, de ser esclarecido sobre o produto, e até o direito de sair sem comprar nada. Como você vê, até o conteúdo, que foi inventado pela agência, era de respeito ao consumidor. A forma tinha que ser coerente: era leve, bem-humorada, inteligente. E o Eletro era loja de rua, trabalhava com público classe C e D. Aliás, esse é um dos preconceitos mais burros: o de que o público é burro.

AA - Outra questão que interessa aos estudantes de Publicidade: formação acadêmica é muito importante para a carreira de publicitário?
Ercílio - Formação acadêmica de qualidade é sempre muito importante. Mas, até hoje, ninguém me convenceu que a nossa profissão exija formação universitária. Aliás, em geral eu acho isso tudo passadista, um resquício da “Carta del Lavoro” do fascismo. E os resultados nunca foram bons. Estão aí centenas de cursos acadêmicos de comunicação despejando milhares de formados ou deformados literalmente na rua. Eu conheci profissionais de criação absolutamente fora-de-série que eram formados em engenharia, Direito, filosofia, ou até em coisa nenhuma. Em comum, eles tinham o amor pela leitura, pela psicologia, pelas artes. Mas, isso, eu diria que é uma discussão inútil. As Faculdades de comunicação estão aí, temos que lidar com o fato. Eu, ao contrário da corrente, acho que a formação deve ser a mais ampla possível, a menos bitolada, a menos voltada para o imediatismo. Ou seja: um profissional vai ser tão melhor quanto mais larga e mais humanista for a sua visão.

AA - Voltando ao seu não livro É só Propaganda, das 75 frases pesquisadas, cite três que, na sua opinião, são as mais brilhantes.
Ercílio - A minha frase favorita, que faz parte do livro que não existe, é “A maior prova de que existe vida inteligente fora da Terra é que eles nunca nos procuraram.”
Na origem, era um anúncio para a revista Superinteressante. É irreverente, autocrítica, cáustica, e ganha vida própria. É pertinente com o produto anunciado, e com o momento, mas sobrevive com muita força fora do contexto em que foi gerada.
Isso, para não falar da frase do nosso genial amigo Carlito Maia, que eu usei como epígrafe do não-livro ou do quase-livro: “Eu não vim ao mundo a negócios. Eu vim a passeio.” Mas esta, como o autor, não veio ao mundo a negócios. Não nasceu para vender nenhum produto, embora, mentes deformadas que somos, a gente possa brincar de achar um produto para ela.
Nesse caso, que tal a vida?

AA - Para finalizar, você já tem um segundo livro em mente?
Ercílio - Em mente, eu tenho vários livros. Difícil é tirá-los da mente. Colocar no papel. Escrever, pra mim, é um ato extremamente doloroso. Sobretudo quando não é sobre um objeto exterior, com um fim determinado. Quando se trata de esgrimir não só com as palavras, mas com os fantasmas interiores. Eu diria que nada dói mais do que escrever.
Então, eles vão crescendo na mente. Como eu ando toda manhã no Parque Vilalobos, eu “escrevo” em média dois contos por semana. Depois, eu anoto as idéias apenas para que elas não fujam. E aí temos um livro de contos. Que levaria o nome de um deles: Retorna vencedor.
Depois, vem o livro de palíndromos. Palíndromo é aquela coisa maluca de frases que você escreve e também pode ler de trás pra frente, tipo “Roma é amor”. Eu sou um tanto obcecado por isso e, modéstia à parte, cometi alguns muito bons.

Por exemplo: - “Erro, porém é mero porre”.

Outro que eu gosto muito é: “sem o dia, ai do mês.”

E minha pequena obra-prima: “Servil, só acata. E ataca os livres.”
Este último brinca, inclusive, com sentidos opostos.

E vai por aí afora. Acontece que meu irmão também fazia palíndromos poéticos maravilhosos, meu filho Tiago tem alguns, meus sobrinhos idem. Enfim, é uma arte cultivada pela família. A explicação? Quem sabe esteja na nossa origem árabe, um povo que escreve e lê de trás pra frente.

(entrevista copydescada da originalmente publicada no www.acontecendoaqui.com.br realizada pelo chico socorro destacado colunista do site catarinense em exclusivo para seus leitores. chico é paulista, graduado em sociologia pela universidade de leipzig, alemanha em 1968. ligado à publicidade desde 1956, tendo trabalhado em diversas agências de aublicidade de são paulo, rio de janeiro e florianópolis.

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