Por que a propaganda gaúcha é correta e sem sal.
“Quero uma agência que me desafie, me questione e não fale o que eu já sei.” Kevin Corning – Presidente da Nike.
As novas safras de criativos paulistas meteram o pé na porta e mostraram como se faz propaganda pós-moderna, pós- W/Brasil, pós-DPZ, se bem que os três são os gatos, e gatos - eu bato na madeira por questões afetivas - têm sete vidas. Tá legal, ainda tem o Nizan, mas o negócio do Nizan, agora é outro, e em nada faz lembrar o baiano iluminado que há 20 anos criou um outdoor em P&B, com uma foto sombria da cidade de São Paulo e o título: A massa cinzenta do Brasil.
Uma das fortes razões pelas quais o mercado paulista renovou seu time de profissionais de criação é simples e previsível: trata-se do maior mercado da América Latina, e, como todos sabem, é da quantidade que emerge a qualidade, não estou falando somente do Marcelo Serpa, do Fábio Fernandes, do Celso Loduca, do Sergio Valente, do Eugênio Mohallem, que afinal já não são garotos, e se não bastasse, São Paulo ainda recebe o reforço de caras muito bons. Daqui foram muitos, como o Her Ray, o Rafael Merel e o Marcelo Fedrizzi, estes últimos autores do memorável anúncio do 7º Festival do Cinema Judaico, uma obra prima: foto de judeus em torno de um bebê, um deles, tendo na mão um bisturi, segura o pintinho da criança, e o título com uma única palavra: “Corta!”
Em São Paulo, os presidentes das grandes corporações conhecem os profissionais de criação pelo nome. Eles sabem que os criativos fazem a diferença, são como os atacantes dos times, levantam as torcidas, encantam as platéias e, somente com uma única idéia matadora, no bojo de uma mídia robusta, são capazes de catapultar uma marca, reposicioná-la e provocar estragos consideráveis nas linhas da concorrência. Nessas grandes empresas há a crença consolidada, de que são as idéias, e suas estratégias, que fazem a propaganda de resultados, propaganda com cabeça, e depois vem o suporte e agrega o tronco e os membros, no caso, as demais ações que compõem o marketing.
Para isso, não basta confiar numa linda foto, ou deixar todo o pepino na mão do diretor de arte. A dupla tem que ter a índole, a fome de bola, uma cumplicidade implícita e um acordo tácito. Ora o redator escreve o título que mata, ora o diretor de arte faz o serviço. “Que Deus o tenha, até por- que de resto todo mundo já teve.”, anúncio com a foto de um Fusca, tem cara de anuncio de redator, não sei, mas foi o título que matou, e não um layout exuberante. Fácil não é, como diz a campanha criada para o Clio Awards.
A suposição que melhor se aproxima da pergunta-resposta do título desta matéria é de outra natureza. Quando se diz “a propaganda gaúcha”, é óbvio tratar-se da média, da paisagem cotidiana, não de peças e isoladas ou de campanhas eventuais, onde salta o talento e o brilho dos autores. É a média que nos causa um desconforto, o sentimento difuso de viver na província, deslocados do eixo dos acontecimentos. A média da propaganda gaúcha é boa?
Todo mundo sabe que não, tá certo? A média é correta, como um prato de comida macrobiótica, sem sal e sem tempero. Não é inacreditável que os clientes paguem uma grana preta para entediar as pessoas nos intervalos comerciais? Não espanta que os bravos rapazes do Clube dos Jovens Criativos, não querem se ajustar ao “modelo que aí está”, e se organizem para tentar mudá-lo com suas idéias redentoras. Venham rapazes, estou com vocês, abaixo a propaganda chuchu de hospital, abaixo o marketing pastel de vento, o marketing careta, o antimarketing pálido, sem cor e sem perfume.
Mas será mesmo? Será que somos tão medíocres assim? E por que será que os nossos criativos vão para Sampa, e rapidamente são incensados, premiados e disputados a tapa pelas grandes agências? Taí uma boa pergunta.
Eu sugiro que há, e sempre houve, uma zona de silêncio entre a criação e o anunciante, aqui neste sul do mercado, um mal-entendido secular, uma estranha relação, não de indiferença, mas de profundas diferenças no modo de ver a mesma moeda. São raros os criativos sinceramente comprometidos com os resultados dos anunciantes, e raros os anunciantes capazes de pressentir no poder das idéias uma fórmula para reinventar o seu negócio, aumentar sua participação de mercado, dar uma guinada na venda, tirar o ranço da marca velha, sacudir a poeira ou fazer poeira. E, nesse caso, o presidente gosta de torrar o dinheiro da empresa em propaganda babaca? Acho que não. Esse empresário é crédulo e confia em sua agência. Em geral ele delega o serviço para alguém, e alguém tão ocupado com outras tantas demandas, que, por sua vez, também delega o serviço para alguém, preparado o suficiente para negociar, comprar planos de mídia, passar o briefing e fixar o objetivo da comunicação.
Esse executivo se atrapalha na hora de avaliar o produto criativo da agência, porque, em geral, está sob a orientação do pólice oficial da empresa. Como sabemos, o pólice é um status rígido, sagrado. Para a orientação da identidade visual da empresa funciona, mas para o resto, acho limitador. Sinceramente, eu nunca vi a cara do consumidor dentro de um pólice, eu nunca vi, dentro de um pólice, a metamorfose dos hábitos, atitudes e comportamentos, que é quando conceitos superados, e preconceitos, são varridos da paisagem, quando surgem novas forças produtivas e consumidoras sob critérios inéditos, e emergem novas ameaças e novas oportunidades, quando tudo se mexe, tudo se transforma e todos querem mais e melhor, tudo se experimenta e tudo se descarta, e o pólice está lá, numa prateleira mental, ou física, sólido, pétreo, imexível e obsoleto, como a monarquia inglesa.
Nessas circunstâncias é muito difícil lidar com idéias e abstrações cognitivas, por isso este apego ao excesso de certezas, como a decisão de manter um barco em terra firme, para evitar os riscos da navegação. Ora, barcos foram feitos para navegar, assim como as idéias são criadas para envolver, emocionar, fazer rir, fazer chorar, levar a marca para dentro dos sentimentos, fazer a mão pegar o produto na gôndola, escolher pela marca, por que sim, por que eu gosto, por que eu quero, por que eu amo, por que eu adoro esta marca que sabe falar comigo, a exemplo do comercial da Frolic, que fez um cara agir como se fosse um cachorro feliz. O que diria o jovem executivo, recém-contratado, entre o pólice e a dúvida, diante de uma campanha ousada, diante do roteiro do Homem Aranha? – “Não dá para trocar por um bichinho mais simpático, menos nojento? Quem sabe o Homem Coelho, já que estamos próximos da Páscoa?” Estou exagerando, movido pelo desejo de contribuir, não o de subestimar.
Os ingleses e os americanos há muito descobriram que a propaganda dita “vendedora”, explícita, hard, de conteúdo informativo/comercial, não vende na proporção do seu investimento, ou não chega perto da outra, a poderosa, a que não grita, mas pega na mão da consumidora, olha nos seus olhos e fala em seus ouvidos segredos de liquidificador, com humor, com inteligência, com sutileza, como as mulheres gostam e os homens admiram. Vender é uma arte.
Paulo Tiaraju
paulo@nucleodepropaganda.com.br
no mercado pernambucano propaganda correta é o máximo que noventa e nove por cento das agências não faz. as que fazem, uma ou duas vezes por ano. salvo nos portfólios, sites e prêmios. aí é todo mundo genial, qualquer dia morrem de hipertensão
2 comentários:
Há quem diga que as marcas do RS, quando querem publicidade criativa, procuram as agências de SP. Ou seja, culpam o cliente por não permitir que as agências gaúchas ousem mais. Isso é coisa de gente que esquece, ou ainda não tinha nascido, quando nos anos 80 a Nova Forma revolucionou com as campanhas da Gang ou do Motel da Barra. Ou a própria Dez Propaganda esquece do tempo (que nem faz tanto tempo) em que ainda não era Fischer, mas divertia e ganhava prêmios com o Universitário ou com a NET. Por outro lado, a Nova Forma encolheu, a Dez diminui a ousadia na mesma proporção em que aumenta o faturamento e a maior agência do estado estampa o slogan: Idéias que vendem.
Vejo os sintomas, mas ainda não descobri a doença. Só peço pra não morrer deste mal.
Ah, e é verdade, os melhores publicitários de Porto Alegre ou trabalham em São Paulo, ou ainda vão trabalhar.
Depois deste comentário, acho que nunca mais consigo voltar. Ainda bem.
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