Ao buscarmos uma colocação profissional, sentimos na pele, na carne e no bolso as marcas da mentalidade credencialista. Nossos conhecimentos e habilidades, nossa criatividade e responsabilidade são avaliadas por antecipação, verificando-se que diplomas universitários temos, e em que instituições os adquirimos.
Existe, porém, um diploma invisível. O do talento cultivado. E nem sempre cultivado nos limites da universidade ou do emprego estável, ou de outros sistemas aprovados, autorizados e reconhecidos. O talento, desde o dia em que se contou a tal parábola, pode até ser (e permanecer) enterrado em lugares tristes pelos mais convincentes motivos... Talento enterrado, mediocridade à vista. E ninguém está livre desse enterro em vida, ainda que ostente certificados, atestados, títulos, medalhas etc.
No campo do ensino e da comunicação – importante: ensino sem comunicação não ensina e comunicação que não ensina também não comunica –, no campo das artes (que ensinam!), no campo do esporte (que pode ensinar!), no campo da vida produtiva e criativa conhecemos pessoas cuja maestria não veio do céu, nem da terra. Veio de sua inteligência, e de seu corpo, de suas mãos, em estado de graça e em estado de luta.
Patrimônio histórico
Pelo que sei (corrijam-me se em algum caso eu estiver mal informado), Boris Casoy, que já dirigiu a Folha de S.Paulo, não tem diploma. Sérgio de Magalhães Gomes Jaguaribe, o Jaguar, um dos criadores do Pasquim, não tem diploma. Perdemos um grande arquiteto... Chico Buarque de Holanda. Ayrton Senna quase conseguiu um diploma em Administração de Empresas na FAAP – corria demais e por isso ultrapassou a formatura. O violeiro paulista Paulo Freire não tem diploma, nem precisa, pois o pacto com o demônio da música (e da palavra) é mais do que suficiente.
Manuel Bandeira, professor de literatura, sem diploma. Machado de Assis escrevia como ninguém, escrevia o que escreveu, escrevia para o jornal – não tinha diploma nenhum de coisa alguma. Jorge Amado não tinha diploma. Nelson Rodrigues é patrimônio histórico da imprensa brasileira, e não tinha diploma. Graciliano Ramos não tinha diploma. Juca de Oliveira não tem diploma (de Direito!). Noel Rosa (dá para imaginar a MPB sem Noel?), neca de diploma.
Millôr Fernandes não tem diploma; é dele a pergunta: "Por acaso a natureza consulta faculdades para fazer um ser humano competente?". A lista pode crescer. Gente sem diploma, com talento de sobra.
Gabriel Perissé Doutor em Educação pela USP e escritor; (www.perisse.com.br)
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