segunda-feira, outubro 16, 2006

antes não fosse o briefing punheta, mas sim de bacalhau*

Masturbação. Não, não enlouqueceu, masturbação, foi o que eu escrevi. Não todos os briefings, claro. Mas uma parte, sim. Dependendo da agência ou do account, um briefing bem pode ser uma grande homenagem ao nobre desporto criado pelo deus Onan. A masturbação é altamente praticada por publicitários do mundo inteiro. Sejam homens ou mulheres. Mas como os publicitários gostam de ser diferentes em tudo, em vez de utilizarem os seus orgãos genitais, preferem fazê-la com os anúncios. Imagino o prazer solitário de alguns accounts ao escreverem briefings complicadíssimos que eles sabem que ninguém vai ler. Capricham no português (e, principalmente, no inglês). Colocam palavras que até no dicionário são difíceis de encontrar. Referem-se aos consumidores como se fossem objectos de plástico, com hábitos esquemáticos, gráficos coloridos, com números e dados comprovadíssimos por pesquisas de credibilidade imensamente duvidosa. Escrevem documentos tão longos, tão burocráticos, que se os criativos um dia os lessesm não teriam tempo para criar a campanha dentro do prazo estabelecido. Mesmo os clientes não dão muita bola a esses papéis. Porque já há papéis inúteis o suficiente nas suas mesas, porque sabem que o elo de ligação entre o briefing escrito pelo account e a campanha apresentada pelos criativos será ténue, quando não inexistente. E, principalmente, porque se foi ele que disse o que queria e se supõe que o account que o atende não é surdo, porque carga de água teria de verificar ao pormenor se foi compreendido? O segundo foco de onanismo numa agência é o departamento criativo. À partida, o criativo publicitário é um niilista. Aliás, ele até sabe o que quer dizer niilista, pois teve de utilizar a expressão numa conversa de bar, após sair de uma sessão de meia-noite de um ciclo Godard no cinema King**. E como são intelectuais e niilistas, encaram tudo à sua volta, inclusive o resto da agência, como se fossem uma abstracção. Após uma leitura cruzada do briefing, que se resume a identifcar o nome do account que escreveu aquele arrazoado mais parecido com uma tese de doutoramento intitulada "O Ciclo da Lixívia*** - De Heideger à Dona Zezinha, Uma Vida". Após descobrir que foi o account Padilha que fez o pedido, chama-o pelo telefone e pergunta-lhe: "Oh, Padilha, este anúncio aqui da lixívia, dá para fazer um para Cannes?" Dez entre dez vezes, o Padilha vai dizer que não, que precisa de algo mais vendedor. Nove entre dez vezes, o criativo vai marimbar-se**** para a opinião do Padilha e vai tentar fazer um anúncio para Cannes. Na vez que sobra, ele basicamente vai esquecer-se de fazer o anúncio. Depois continua a conversa de surdos. Com o cliente a fingir que está a ouvir o account Padilha na hora da apresentação e depois a chumbar aquele anúncio extremamente enigmático, com uma mensagem que mais parece uma charada agípcia. De volta à agência, derrotado, o prazo estoirado, o Padilha envia um e-mail seco ao criativo a dizer: "Anúncio recusado. Fazer outro. Para amanhã de manhã. É para dizer que o produto é barato. E desta vez não se esqueçam de pôr a marca do cliente e uma foto da embalagem". Aí o criativo reclama da vida, faz um anúncio qualquer, pois tem medo de perder o emprego e sabe que a vodca está cara nos bares da moda. A masturbação publicitária é uma coisa muito grave. Porque quando qualquer uma das partes envolvidas no processo está a trabalhar para o umbigo, o resultado é estéril. Para uma boa ideia ser concebida é presciso um acto de amor. Ninguém até hoje engravidou por se masturbar. Nenhuma ideia forte, de grande impacto positivo, conseguiu ganhar vida na mesa de publicitários mais preocupados consigo próprios do que com o consumidor. Ou como diria o meu Tio Olavo: "O problema da masturbação é que vicia. Afinal, aquilo é fazer sexo com a pessoa que você mais ama."


para que serve um briefing de vinte páginas?do edson athayde, vice-presidente criativo da ogilvy portugal, ex-ceo da edson/fcb lisboa

*punheta de bacalhau, prato típico da culinária portuguesa;
**triplex king, cinema lisboeta que exibe uma programação de filmes assim chamados de arte e nunca títulos assim chamados de comerciais;
*** lixívia é a denominação lusa pra água sanitária;
**** marimbar-se é cagar e andar, não estar nem aí;

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