1. Já falei com você sobre o vô Dino, aquele octogenário dono da sabedoria da vida, que diz o que lhe passa pela cabeça com a maior tranqüilidade, doa a quem doer. Sábio e corajoso, ele carrega consigo, porém, um medo. Medo não, pavor. De fantasma.
Você tem medo de fantasmas, perguntou-me outro dia. Diante da minha resposta negativa, incisiva, respondeu:
Pois eles existem. E tenho um medo danado deles.
Foi aí que vo Vilma, a esposa, contou o que vou passar para você, agora.
Os dois dormiam na fazenda quando vo Vilma acordou sobressaltada, despertada por um barulho. De imediato, cutucou vô Dino e sussurrou:
Acorda, Dino. Estão fazendo barulho.
De um salto, vô Dino pagou a espingarda que conservava ao lado da cama e pé ante pé, foi até a janela, depois a outra, depois a outra, espiando todos os lados da área que cerca a casa. Não viu nada.
Vistoriou cada canto da casa, também não viu.
Não viu, mas o barulho continuava. Nessa hora, concluiu:
Só pode ser fantasma.
Nem terminou de concluir, correu para a cama, cobriu a cabeça, soltou um sofrido cruz credo.
Vo Vilma, incrédula, por isso em horas assim mais corajosa que ele, tomou a iniciativa: deixa de ser bobo, Dino. Já disse que não existe fantasma. Se não tem ninguém aqui, só pode ser rato. E era. Não demorou muito, ela voltou segurando um enorme dito cujo morto pelo rabo. Peguei o seu fantasma. Olha ele aqui.
2. Outro dia, um jovem e talentoso publicitário se queixou de mim:
Você é injusto com os criativos, quando nos critica por causa da baixa qualidade da criação publicitária. Dá a entender que somos um bando de incompetentes. E não somos.
Puto da vida, continuou:
Você não imagina o que sofremos na agência, quando apresentamos uma idéia inovadora. Chamam-nos de loucos e irresponsáveis, dizem que o cliente não gosta de brincadeirinhas, que se apresentarmos aquela idéia ele tira a conta e vai por aí afora.
3. Já abordei esse assunto aqui. E reconheço que muitos profissionais, principalmente de atendimento, e as agências onde trabalham têm esse tipo de comportamento. É gente que trata o cliente como se fosse um terrível fantasma. Por isso, entram em pânico diante dele. Não percebe que a força de uma boa idéia criativa vence qualquer resistência. Transforma o fantasma em um rato. E pararia de se esconder embaixo do cobertor do medo.
4. O medo deles é tão grande, que perdem o senso do ridículo na hora de apresentar o trabalho da agência. Não criam clima. Não relembram ao cliente brief entregue à agência. Não desenvolvem um raciocínio, para só então mostrar o trabalho criativo. Simplesmente jogam o layout na mesa do cliente. E quando dizem alguma coisa procuram tirar o deles da seringa, com a criação fez isso aí. Ou com um ridículo: se você não gostar a agência refaz.
5. Sei disso, mas sei também que os criativos entregaram os pontos. Não brigam mais. Não se reúnem. Não protestam coletivamente. Apenas aceitam. Parecem vô Dino, tremendo de medo embaixo do cobertor do desinteresse – para não dizer covardia. Estão precisando de uma vo Dilma para lhes dar um puxão de orelha.
(o fantasma e o rato, do eloy simões)
Nenhum comentário:
Postar um comentário