1. No bar com os beltranos. Há alguns dias, num chopinho entre amigos, todos publicitários, o papo recaiu sobre propaganda, é claro. E, como sempre, depois de analisar algumas campanhas nacionais e também falar sobre a última Archive que o Romeu trouxe, começou a série de ataques ao mercado local. Uma verdadeira guerra! Pau no layout do fulano, críticas à chamada do beltrano e, inclusive, algumas piadas sobre as peças isoladas dos caras daquela agência que acabou de perder a conta que foi parar na outra e assim por diante. Um show de conhecimento técnico e muita sabedoria publicitária. Do outro lado da cidade, em algum bar ou restaurante, certamente fulano, beltrano e alguns outros deveriam estar soltando o verbo contra as campanhas e peças que nós criamos. Mas quem se importa, o negócio é parecer que sabe, o que lembra aquela regrinha que diz: “ser honesto é fácil, parecer honesto é mais difícil, mas convencer que é honesto já é missão pra picareta mesmo”.
2. Ouvindo quietoAinda estamos na mesa tomando alguns chopinhos e tagarelando sobre as mazelas da propaganda gaúcha. Tudo ia muito bem até que alguém, por algum motivo etílico qualquer, ataca uma campanha sob minha direção de criação. Ouvi atentamente e pensei: ‘caraca, os caras são meus amigos e estão dizendo que o meu trabalho poderia ser melhor? Por que não fizeram melhor quando tiveram chance? Filhos da...’. Mas, mesmo diante do espetáculo promovido às custas da campanha, que neste momento era a minha, apenas ouvi, ouvi e ouvi tudo. Não tão quieto, mas qualquer argumentação seria ridicularizada, então o silêncio era o melhor remédio mesmo. Afinal, além de ser mais prudente, costumo sofrer com a falta de coragem para falar (mal) do trabalho dos amigos ou, na hipótese mais cristã, tenho excesso de respeito ao esforço dos outros, então segui ouvindo.
3. Falando sozinhoDepois disso, ao chegar em casa, comecei a pensar naquilo tudo que havia ouvido. Fiquei chateado com aquele papo que rolou no melhor estilo jurados do Raul Gil. Pensei novamente: ‘deveria ter mandando esses caras à p.q.p.’ Bom, a partir daí já estava esbravejando sozinho. Ficava repetindo coisas do tipo: “quem é esse cara pra falar mal da minha campanha... ainda mais ele, que fez aquela porcaria pro cliente tal”. Tomei banho, fiz a mochila, peguei o carro e mesmo após passar pelo segundo pedágio da Freeway, seguia falando sozinho. Às vezes, aos berros.
4. Os números não mentemAo chegar na praia, comentei com alguém da família o papo e o quanto estava chateado com aquilo tudo. Foi então que, sem pestanejar, ouvi: “mas já tens o resultado efetivo dessa campanha ou é só uma análise estética de boteco?”. Aí percebi o que Adams O Óbvio teria sacado rapidinho. Claro! Ninguém naquela mesa questionou os resultados. Malharam por malhar. Ninguém sequer pensou em perguntar se vendeu mais ou menos. Bom, a partir daí, sentei naquela boa cadeira de praia, estiquei as penas confortavelmente e, no final de uma noite de sexta-feira qualquer, tomei uma das latinhas de cerveja mais saborosas da minha vida. Isso tudo com um sorriso irônico nos lábios e um breve pensamento mais ou menos assim: ‘ééééé... ainda bem que os números não mentem...’
5. Segunda-feiraMas a segunda-feira é implacável e chega mais rápido do que a gente imagina. Pois bem, já que é preciso trabalhar, vamos encarar da maneira mais divertida e responsável possível. Ao passar os olhos no primeiro briefing, lembrei dos amigos falando daquela outra campanha, do quanto isso chateou e também da conclusão. Peguei o briefing, li com atenção e comecei a chutar algumas idéias no bloquinho de folhas brancas. Várias foram riscadas porque sempre imaginava aqueles caras criticando a campanha por algum motivo besta qualquer ou que teriam feito assim ou assado. Olhei novamente o cliente e pensei: ‘os números não mentem’.
6. Em tempo. Os números não mentem mesmo. A tal campanha não vai ganhar prêmio, disso eu tenho certeza, mas toda vez que o cliente liga e autoriza mais um anúncio ou material eletrônico em função dos resultados, aí eu lembro do chopinho com os amigos. Balanço a cabeça e procuro outro briefing.
(e por falar dos outros, do fernando silveira, diretor de criação da integrada comunicação total)
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