O poder das frases é quase o mesmo de uma estocada certeira ou um tiro, com largas vantagens. Se for das boas, a lâmina da frase deixa sua lembrança para sempre na carne da memória. Em relação ao tiro, a
frase prescinde do escandaloso estampido, da inconveniência da pólvora e da aparência repulsiva do sangue. Só palavras. No meio da testa.
É por essas e outras que há frases que a gente guarda pra sempre, queira ou não queira. O sujeito vai no banheiro, ela vai atrás. Não sai na urina nem vai aos pés. O sujeito vai pra cama, ela vem que nem amante no cio. O sujeito sonha, ela surge tipo presságio. Frase
boa gruda no sujeito, que nem verbo de ligação.
Em Bonitinha mas ordinária, do bravíssimo Nelson Rodrigues, tem uma frase repetidamente citada do início ao fim. É o verdadeiro lema dos mineros. Quem lia Paulo Francis, no século passado, podia não concordar com ele, mas como não se divertir com a mistura de sarcasmo, deboche e plutônio num mesmo petardo. Só uma dele, pra matar a saudade rindo e muito: Marx escrevendo sobre dinheiro é como padre falando sobre sexo. (E sem aspas nas citações, por favor.) Diogo Mainardi segue seus passos à risca. Ofensas curtas e grossas, uma atrás da outra, de preferência injustas, até acertar uma pérola nos textículos do adversário. Uma pérola do tamanho de uma bola de
boliche. Macartistas adoram o exagero. Frasistas, também.
Aliás, a palavra não aparece no Aurélio. Frasista é o cara que faz as ditas cujas. E não são poucos. Formam uma legião universal. Bilhões de citações sendo arremessadas sem papas na língua. Mas, para sintetizar, o rei da síntese. Millôr Definitivo, o livro, é a bíblia das frases em português. Todo metido a criador de orações
provocativas tem que jurar com a mão em cima. Viver é desenhar sem borracha. Sexo causa gente. Bons tempos aqueles em que o faroeste era nos Estados Unidos. Feliz é o que você vai perceber que era, algum tempo depois. Todos os países são difíceis de governar. Só o
Brasil é impossível. Roube hoje! Amanhã pode ser ilegal. Por aí.
Duailibi tem o seu famoso Phrase Book. Frases que, segundo ele, cutucam a criação. Deus não tinha phrase book, mas o melhor frasista de todos os tempos como dupla.
Ruy Castro fez uma série de livros só com elas. O melhor do mau humor foi o primeiro. Sim, porque grande parte das frases são filhas adúlteras do mau humor. O mau humor incentiva muito mais a criação do que o bom. Este é bom pra pele. Aquele, para as vísceras. Juremir soltou uma nada acadêmica: Chico Buarque é o Felipe Dylon das quarentonas. E foi o Verissimo quem disse: Só acredito no que possa tocar. Não acredito, por exemplo, em Luiza Brunet.
Tem a famosa perco o amigo, mas não perco a piada, que mostra uma outra faceta das frases. Piada condensada. Não precisa ir até o menu. Tecla shift. A tecla aí é meramente ilustrativa. E como se faz a frase de uma palavra só, como o samba?
E o que dizer do epitáfio, a última frase, que fica lá no mármore provocando gargalhadas e lágrimas entre flores esquecidas?
Frases soltas, oba, coisa boa. Frases boas compõem diálogos inesquecíveis. Estão fazendo falta em nossos spots. Talvez os redatores de hoje não acreditem no poder criativo e rejuvenescedor
do mau humor. Ou os que estão por sobre eles, no coito diário da criação.
Por falar nisso, a publicidade está abandonando as boas frases, os títulos, sacadas. Os textos têm ido parar na frente do pelotão de fuzilamento das imagens. Lamentável.
As frases estão em todos os lugares. O sujeito vai no mercado da esquina e de repente uma delas surge do meio das bananas. Mas ainda tem propaganda que imita a vida, embora boa parte dela prefira copiar a Archive. Nada contra a grande publicação alemã, mas como uma frase puxa a outra e por falar em Alemanha, lembramos
o irrelevante futebol: frase é drible. Ronaldinho, grande frasista. Pelé-Maradona.
Orações provocativas substantivas adjetivadas, do André Martins.
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