No primeiro de uma série de comerciais veiculados aparece um astrônomo amador, posicionando sua luneta para observar a passagem de um cometa. Enquanto ele arruma o equipamento, o cometa passa e ele nem vê. ?Perder uma oportunidade pode fazer você perder muito tempo?, diz o áudio, que conclui: ?Se nas próximas eleições você não escolher o melhor candidato a sua cidade vai perder quatro anos. E quatro anos é muito tempo?.
Outro comercial apresenta um sujeito no carro, esperando um trem passar para abrir a cancela. Quando ela abre, ele está distraído com os CDs no carro, passa outro trem e a cancela fecha de novo. A moral da história é a mesma: ?Perder uma oportunidade, etc?.
Ao ver esses primeiros dois na TV eu já estranhei muito porque o TSE costuma veicular comerciais institucionais, educativos, com a dignidade que se espera de um tribunal, sem precisar de comparações como estas, a meu ver completamente descabidas.
Sim, porque a distração desses personagens poderia, teoricamente, ser comparada à possível distração de um eleitor que esquecesse de ir votar. Mas o fato de votar ou não no ?melhor? candidato nada tem a ver com perda de tempo.
Quando se elege um candidato ?ruim? podem acontecer coisas ruins do ponto de vista da cidade e dos cidadãos, mas isto não significa necessariamente perda de tempo. O prejuízo pode ser político, econômico, ético, ou seja o que for, mas não acontece uma pausa na vida da metrópole só porque o prefeito não é bom do ponto de vista de um eleitor ou de um segmento do eleitorado. Algumas coisas podem piorar ou melhorar, mas o tempo não pára quatro anos por causa disso.
E por falar em quatro, fui eu que quase caí de quatro quando vi os comerciais seguintes desta série. Num deles aparece um homem que acha que tem uma abelha dentro do ouvido há quatro anos. E o áudio diz "Quatro anos é muito tempo. Principalmente quando as coisas não vão bem. Por isso, antes de votar, pesquise o passado dos candidatos. Porque são eles que vão cuidar da sua cidade nos próximos quatro anos".
Em outro comercial, o personagem é um sujeito que comprou um celular há quatro anos e cada vez que o celular toca a musiquinha ele não agüenta de emoção e chora compulsivamente. A moral da história é a mesma: da mesma forma que é difícil conviver com um desequilíbrio emocional por quatro anos, é preciso escolher bem o prefeito que se vai ter que agüentar quatro anos!
Em mais um inacreditável roteiro, o comercial seguinte tem como personagem um homem que tem o tique de começar a sapatear toda vez que fica nervoso, no trabalho, na rua e até no dia do casamento, diante do padre.
E no último comercial que vi desta série a personagem é uma mulher que, também há quatro anos, tem o tique de andar em círculos e por isso nunca consegue passar por uma porta ou entrar num ônibus, porque desvia antes... ?Por isso não venda seu voto. Ele não tem preço e é a única forma de não deixar maus político no poder por quatro anos.?, conclui o áudio.
Gente, o que é isso? De onde tiraram tanto nonsense? Será que é preciso mostrar alguém sofrendo de doenças graves durante quatro anos para explicar que quatro anos com um mau prefeito podem ser uma coisa ruim?
É muito estranho e aliás totalmente inapropriado que justamente o TSE use metáforas politicamente incorretas como estas, fazendo piada com doenças mentais.
As comparações são inclusive descabidas: se queriam mostrar coisas ruins que duram quatro anos deviam ter procurado outras, já que essas síndromes, manias, depressões e outros distúrbios mentais não têm duração padrão: dependendo das terapias e das medicações, tanto podem desaparecer rapidamente quanto podem piorar e durar toda a vida de uma pessoa, em casos mais graves podendo levá-la inclusive ao suicídio. Não são, portanto, assunto para brincadeiras nem se prestam a qualquer comparação com as conseqüências negativas que podem gerar um ?mau? candidato eleito.
Finalmente, a propósito do conceito de bom ou mau candidato, faço minhas as palavras do sociólogo Denis Rosenfield, que em artigo no Globo e no Estadão de 01/09 se insurge contra a pretensão que têm os nossos governantes de definir, de cima para baixo, aquilo que é bom para o cidadãos, esquecendo-se de que estes têm, antes de tudo, o direito fundamental do livre arbítrio.
Em meu entendimento (já que eu, pelo menos, faço uso da minha liberdade de opinião) não tem cabimento o TSE falar em bons ou maus candidatos, mesmo porque o que é bom para um eleitor pode ser ruim para outro. Democracia implica respeito a opiniões divergentes e o TSE devia ser o primeiro a saber disso.
Cabe ao tribunal eleitoral simplesmente cumprir suas funções e obedecer às leis. E, para isso, divulgar o calendário eleitoral, impedir que malfeitores se candidatem, zelar para que a propaganda eleitoral obedeça às regras estabelecidas e, sobretudo, fiscalizar para que não haja fraude nas eleições e nas apurações.
Não é preciso contar nenhuma historinha pretensamente engraçada (ou de mau gosto), como estas, para tentar mostrar que é importante votar, mesmo porque o voto é infelizmente obrigatório no Brasil e, gostando ou não de política, os cidadãos precisam ir até lá e apertar o botão ou então justificar.
Por tudo isso, as metáforas e piadinhas são totalmente desnecessárias, inoportunas e inadequadas para a comunicação de um tribunal. Espero que não precisemos esperar quatro anos para ver o TSE cumprir o seu papel à risca, com seriedade e dignidade - e apenas isso. Até porque teremos outra eleição, mais importante, em dois anos.
(quatro anos é muito tempo, do silvio lefèvre, no seu derrapadas de marketing)
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