quinta-feira, outubro 25, 2007

parte 04 - da série, leitura para a semana inteira, do brasil que inventou o "caixa-dois" das idéias

Geraldo Azevedo – E a explicação? Por que você quis acelerar o tempo ali?

Jarbas Agnelli – Eu sempre procurei modos alternativos de contar uma história. Acho que a publicidade precisa sempre procurar por isso. Você já está saturado de ver tantos comerciais parecidos. Como gosto muito de linguagens alternativas, procurei me aproximar, na cinematografia, no fazer do filme, da experimentação de todas as possibilidades. Gosto de animação, de massinha, de filmar em super-oito, de misturar tudo. A fotografia é uma das linguagens. Acho o perfil do AD Studio hoje o de um lugar onde se experimenta bastante. Principalmente num país onde a publicidade tem que procurar alternativas, não só para se comunicar de uma maneira diferente, mas também para viabilizar os filmes.

Geraldo Azevedo – Qual é hoje a dificuldade maior de fazer comerciais no Brasil?

Jarbas Agnelli – O AD Studio está numa fase melhor agora. Acho que é natural. Nesses cinco anos, a gente passou de uma produtora muito pequena, alternativa, para uma produtora mais sólida. A gente tem recebido roteiros bacanas, roteiros em que há mais verba, maior capacidade de produção, conforto maior. Ao mesmo tempo, a gente tem esse perfil alternativo. Então, a gente também é procurado para todo tipo de filme, que não tem verba ou precise de um efeito especial, mas o cliente ainda não entende isso direito, então não tem tanta verba, essa campanha não é a principal, é uma campanha mais louca que a gente inventou aqui. Temos sido muito procurados para sair do lugar-comum. Então tem de tudo. Tem aquele filme muito bacana, da Credicard Citi, com essa campanha de dois filmes que a gente fez [campanha de entretenimento, com os filmes Lágrima e Sorriso, veja abaixo], até um filme pequenininho, que a gente faz com o que dá para fazer, só fotografia, totalmente alternativo. Eu gosto muito disso, na verdade. Prefiro trabalhar no limite da grana e ter pouco lucro com um filme interessante do que realmente ganhar uma puta grana e fazer uma margarina da vida.

Geraldo Azevedo – Então, geralmente, quando vem muita grana, é porque tem pouca criatividade? Como é essa relação da verba com a liberdade de criar?

Jarbas Agnelli – Acho que, graças a Deus, graças a termos nos colocado no mercado com esse perfil, não recebemos muito esse tipo de filme. Aquele filme mais careta, mais convencional, que tem grandes verbas, mas que tem o cliente enchendo o saco em cima, porque está apostando tudo naquilo, tem que vender muito, tem que falar com todo o mundo. Não é o nosso perfil fazer esse tipo de filme, fazemos mais filmes alternativos. Mas temos recebido filmes alternativos que têm um pouquinho de lastro. E isso é muito bacana, porque a gente está mais sólido como produtora e está dando mais segurança para as agências.

Geraldo Azevedo – No Brasil, de modo geral, nos anos recentes, houve um processo crescente de abertura do mercado do cinema publicitário. A crescente importação de comerciais. O que era proibido, hoje se importa livre e totalmente. Troca-se apenas o pack shot [o fechamento do comercial, com a apresentação em destaque do produto] e a locução ou a trilha e vai para o ar. Na sua opinião, isso é legal?

Jarbas Agnelli – Isso faz parte dessa globalização, de o mundo estar ficando cada vez menor. Tem alinhamentos de agências com clientes, acho que é natural que a gente tenha alinhamentos de campanhas publicitárias, a adaptação para os países. Recentemente, fizemos um filme para a Nokia em que você podia mudar de canal. Tinha o mesmo comercial passando com a mesma música, em dois canais diferentes. Ia para o 41 e para o 42. Fizeram um também que tinha SAP: “Você quer ver esse comercial com outra música? Aperte o SAP”. Tinha uma outra música no mesmo comercial. Essa campanha, a gente fez aqui. A gente teve que usar imagens de fora, as imagens já vieram todas prontas. Além de fazer pack shot e realmente fazer o comercial, montar toda a história, mas isso não satisfaz muito, a gente teve a sorte de poder fazer as trilhas. Então, pelo menos, a gente conseguiu se satisfazer com um outro lado. Fizemos um rock bem legal. Isso é uma coisa inevitável, mas não acho o ideal.

Geraldo Azevedo – Você acha que deveria haver alguma restrição?

Jarbas Agnelli – A restrição é bem-vinda, sim. É necessária. Porque, senão, vira uma bagunça. Tem que, de alguma maneira, preservar o mercado, preservar as produtoras, preservar os profissionais que trabalham com isso. Não sou muito procurado para fazer esse tipo de filme, a gente é procurado para dar a nossa contribuição para as coisas. Claro que isso dá dinheiro [adaptação de filmes importados], mas o meu objetivo número 1 em publicidade não é ganhar dinheiro, é fazer coisas interessantes.

Geraldo Azevedo – Alguns têm dito que os argentinos estão fazendo melhores comerciais que os brasileiros. Que o Brasil teria parado nos anos oitenta. Qual é a sua opinião? O filme publicitário brasileiro perdeu ousadia e inventividade, mesmo?

Jarbas Agnelli – Alguns publicitários dizem que a Argentina é hoje o que o Brasil era nos anos oitenta. Tem a inventividade e a irreverência que tínhamos. E que isso nada tem a ver com dinheiro, já que eles também não dispõem de verbas milionárias. Eu tendo a concordar, sem saber exatamente como e por que isso aconteceu. Mas tenho alguns palpites. O primeiro, é claro, tem a ver com as crises pelas quais o Brasil passou. A publicidade absorveu essas crises, diminuindo de tamanho, achatando salários, fazendo as agências ficarem mais covardes e os clientes, mais caretas. Inundando a tevê com varejo. Mas, até aí, a Argentina também passou por crises, tão grandes ou maiores que as nossas. A Argentina produz melhor que nós? Talvez. Eles têm bons atores. E fazem um excelente cinema. Mas, acima disso tudo, me parece que os publicitários brasileiros estão cansados. Não de trabalhar, mas de tentar lutar por boas idéias, tentar convencer o cliente que a ousadia é o melhor caminho. E acho que isso é reflexo de algo tão profundo, que não dá para destilar em pouco tempo. É reflexo de um país onde tudo de errado acontece, na frente dos nossos narizes. E a sensação permanente de impotência é gravada em nossos cérebros, escândalo após escândalo. E isso é muito mais grave nos cérebros “pensantes”. Os brasileiros estão amortecidos. Mesmo os intelectuais. Os formadores de opinião. E, para piorar tudo, a classe publicitária brasileira inventou o seu “caixa-dois”. A caixa onde ficam as boas idéias, as idéias recusadas, ou as que nem se dão ao trabalho de levar para serem recusadas. Passam o ano frustrados, mas sabendo que, em março, essas idéias serão tiradas da caixa, desempoeiradas e levadas a Cannes, fazendo jus ao jeitinho brasileiro. Garoto que apanha em casa tende a bater nos outros na escola. O jeitinho brasileiro é isso. Anos apanhando dos militares, depois da democracia fajuta. E os publicitários brasileiros, como qualquer outro brasileiro, acharam o seu jeito de sobreviver à mediocridade geral da nação. Burlando alguma coisa. Fazendo vista grossa a alguma regra. Tirando alguma vantagem em um país onde só tira vantagem quem passa por cima da lei. Infelizmente, hoje vivemos a crise da crise, pois nem fantasmas têm trazido prêmios ao Brasil (pelo menos na área de filmes). E, para piorar ainda mais, olhamos para o lado e vemos nossos hermanos cheios de ouros na bagagem, com idéias simples e fresquinhas no rolo.

Geraldo Azevedo – Onde hoje, no mundo, se faz o melhor filme comercial publicitário? Por quê?

Jarbas Agnelli – Inglaterra. Além, obviamente, de terem bilhões de libras disponíveis, têm a cultura a seu favor. São excelentes contadores de história, e o público, em geral, tem aversão ao "compre isso", "faça aquilo". Não querem ser convencidos de algo, têm que ser iludidos de que não estão sendo convencidos a nada. E isso é a melhor coisa que pode acontecer com um job. Disso nascem campanhas como as da Stela Artois, Guiness ou Playstation, que você vai descobrir que não são curtas só porque têm um logo no final (pequeno e rápido, diga-se de passagem). Mesmo assim são totalmente pertinentes, vendem produtos aos milhões e abocanham os ouros que não conseguimos com nosso semivarejo covarde ou nosso "caixa-dois".

(amanhã, última parte, com mais filmes do jarbas para você ver ou rever)

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