quarta-feira, outubro 24, 2007

parte 03 - da série, leitura para a semana inteira, do brasil que inventou o "caixa-dois" das idéias



Guilherme Azevedo – Você falou que, em 1985, tinha ido para a DPZ. Você ficou quanto tempo lá?

Jarbas Agnelli – Dois anos e meio. Comecei como ilustrador e depois virei diretor de arte. Aí saí e fui para a agência de um amigo do meu pai, o Ênio...

Guilherme Azevedo – Ênio Mainardi?
Jarbas Agnelli – Não, esse não era muito amigo do meu pai, não. Meu pai brigou com ele [risos]. Era o Ênio Basílio. A agência se chamava GTMC. Era legal. Ganhei um prêmio lá, como diretor de arte.

Guilherme Azevedo – Foi o primeiro prêmio que você ganhou?

Jarbas Agnelli – Foi. Foi para o Clube de Criação [CCSP, Clube de Criação de São Paulo]. Um convite, para uma marca de roupa, de um desfile. A festa ia ser comida japonesa. Fiz um título: “Venha ver com quantos pauzinhos se faz um desfile”. E dava um par de pauzinhos japoneses, hashi. Foi o único prêmio dessa agência no Anuário [Anuário do Clube de Criação de São Paulo, publicação que reúne os trabalhos premiados em cada ano]. Eles ficaram superfelizes, eu também estava superfeliz lá. Só que eu tinha levado seis meses antes a pasta na W/ [W/Brasil]. Falei com o Gabriel [o diretor de arte Gabriel Zellmeister, um dos sócios da agência], mas ficou por isso mesmo. Então, estava lá na GTMC, o Gábi me ligou e falou: “Vem aqui conversar comigo”. “Quer que leve a pasta de novo?”, perguntei. “Não, não precisa, lembro de você”, respondeu. Fui lá e o cara: “E aí, quando você começa?”. Entrei na W/. Saí da GTMC, os caras ficaram mal.

Guilherme Azevedo – Em que ano você foi para a W/?

Jarbas Agnelli – Em 1988.

Guilherme Azevedo – Aí viriam 13 anos de W/Brasil. Como foi essa temporada lá, você chegou num momento em que a agência...

Jarbas Agnelli – ... estava bombando. A agência estava no auge dos prêmios, Cannes, O Primeiro Sutiã [comercial para a Valisère], Hitler [comercial criado para a Folha de S.Paulo]. Caí num outro mundo. Eu estava, até então, na DPZ, que era uma agência cool, depois saí para a GTMC, que era pequena, e entrei no auge da propaganda. E com os profissionais mais incríveis. Digo que meu aprendizado foi dividido em dois: de quando nasci até começar a trabalhar com meu pai; depois vieram o Washington [Washington Olivetto] e o Gabriel. Esses 13 anos foram outra aula de propaganda.

Guilherme Azevedo – Qual foi o principal aprendizado desse período?

Jarbas Agnelli – Meu pai sempre me ensinou a ver as coisas criativamente. Se você está olhando muito para esse negócio e não tem nenhuma idéia, vire tudo de ponta-cabeça, inverta tudo, que você vai ver de um outro jeito. Isso é uma coisa de que me lembro sempre dele. Ele foi sempre um cara que quebrava as regras para conseguir fazer coisas legais, coisas interessantes. Da W/, aprendi um monte de coisas de publicidade, mas acho que o maior legado da W/ é meio o espírito que o Washington montou: de confiança nas pessoas, de trabalhar sempre com um grupo de pessoas que você conhece e confia, o jeito de tratar as pessoas, a ética na propaganda.

Guilherme Azevedo – Qual era esse jeito, essa ética? Especifique.

Jarbas Agnelli – Agora, que sou um cara que trabalha com todas as agências, antes eu estava dentro daquele universo, agora tenho um distanciamento, posso dizer: é algo raro, é um profissionalismo, realmente; não deixar as coisas se misturarem, tratar bem as pessoas, tratar bem as pessoas numa reunião. Tem toda essa função da propaganda, do publicitário. O Washington tem essa filosofia de trabalho que sempre admirei. Não só dele, a do Gabriel também. Principalmente porque eu trabalhei com o Washington agora, ele veio no AD Studio recentemente, pela primeira vez desde que eu comecei aqui. A gente começou em 2001, oficialmente foi 2002, tem cinco anos de abertura. Fiz alguns filmes para a W/Brasil, mas tinha perdido o contato com o Washington. Tinha meio que esquecido como é o Washington numa reunião. Como é tratar com ele. Foi muito legal. Sentia saudades desse processo que é trabalhar com ele. Que o cara é muito profissional, mesmo, além de ser muito talentoso, além de saber o que dizer na hora certa. De saber resolver uma coisa numa reunião, numa hora crítica, quando está todo o mundo embolado, como desemaranhar, quando começa um monte de gente a falar, e um monte de gente de várias áreas, quando todo o mundo fica meio perdido, o cara tem aquele papel centralizador, esclarecedor, que faz com que a campanha deslanche: “Vamos deixar o pessoal da produtora trabalhar, eles sabem o que estão fazendo”. Ele deixa as coisas claras. Como eu acho que eram antes, nos anos oitenta, nos anos setenta. Cada um com seu papel: o marketing tinha seu papel, o atendimento tinha seu papel, cada um fazia seu papel, e grandes campanhas saíam. Agora as coisas estão um pouco mais embaçadas. As coisas são mais enroladas, eu diria. Não só o Washington e o Gabriel, claro. Quando eu entrei lá, sentei para fazer dupla com o Nizan [Nizan Guanaes, hoje dono da agência Africa], para você ter uma idéia. Eu mal começando na publicidade. Estava lá a Camila Franco, Tomás Lorente, Marcelo Pires, o Ruy Lindenbergh chegou logo depois, um monte de gente da pesada. Foi uma tremenda aula para mim, fazia dupla aqui, dupla ali, a Camila me chamava, fazia um trabalho ali. Acho que dei sorte também. Claro que eu trabalhei direito. O primeiro anúncio que fiz ganhou ouro no Clube de Criação, que foi o anúncio do “Jô Soares Onze e Meia” [nome antigo do programa de entrevistas do Jô Soares]. Ele estava com o capacete do Dart Wader [personagem maligno da série do cinema Star Wars]. Foi 1988. A gente tinha a conta do SBT e saía anúncio toda semana, saía anúncio a rodo. O programa do Jô era só sexta-feira, e a Globo colocou no mesmo dia o filme Star Wars para bater nele, e o Jô bateu no Star Wars. Na semana seguinte, resolveram colocar o programa todos os dias da semana, passou a ser diário. Daí a gente fez um anúncio assim: “O Império vai ter que contra-atacar todos os dias da semana”. E o Jô Soares, com camiseta de Dart Wader, todo de preto, um Dart Wader gordo. O redator foi o Nizan. Comecei com o pé direito: meti um ouro no Anuário e todo mundo lá na W/ começou a me olhar com outros olhos. Era ainda W/GGK [o embrião do que viria a ser a W/Brasil, quando Washington rompeu o acordo com os suíços da GGK]. Conquistei um espaço interessante lá dentro por ser um cara meio nerd. Nunca fui nerd, na verdade, sempre fui muito interessado por tecnologia. Quando começou essa história [de informatização], acho que foi 1990, 1991, eu já grudei no Burti [Luciano Burti, dono da principal gráfica do Brasil, a Burti]: “Quero aprender esse negócio”. Então o primeiro computador que chegou na W/ chegou para mim. Foi um dos primeiros computadores na publicidade, quando a Burti começou a colocar Macintoshs nas agências. Daí, todo upgrade vinha para a minha mesa. Comecei a ir testar lá na Burti, ia todos os dias, testar os prints [as impressões].

Guilherme Azevedo – Isso por conta de quê? Por que você gostava mesmo? Era a nova geração da agência?

Jarbas Agnelli – Eu achava interessantíssimo. Eu já tinha computador, na verdade, desde 1983. Um Comodoro 64. Depois um Amiga 1040, que era um computador bem legal. Quando começou o Mac, eu pirei. Era uma coisa de doido poder misturar tudo. Logo comprei um para mim também, um Mac CI. E já ficava fazendo coisa em casa. Passei a música para o computador, comecei a comprar placa de vídeo. Estas coisas todas que eu estava fazendo em casa levava para a agência: “Olha o que eu consegui fazer!”. Levava para o Gábi, ele sempre foi superinteressado. Então fiquei visto como aquele cara que está na vanguarda, que vai experimentar. Desde aquela época, os filmes que tinham alguma chance de ser feitos de uma maneira alternativa acabavam parando na minha mão.

Guilherme Azevedo – Era só Photoshop essa época?

Jarbas Agnelli – Era Photoshop tudo. Mas já nessa época eu estava fazendo filme. Meu primeiro comercial, fiz para camisinhas Ola!. Um filme que tinha uns espermatozóides andando, um animação, com uma musiquinha [Jarbas cantarola uma música típica de cavalaria]. Aí eles brecam e vem um assim, na direção contrária, fala: “É Ola!, pessoal!”. Aí todos olham, viram e voltam. Esse filme saiu na Archive [a revista Lurzer´s Archive, a publicação de propaganda mais prestigiada do mundo], ganhou Anuário [do Clube de Criação de São Paulo].

Guilherme Azevedo – Já era W/Brasil ou ainda W/GGK?

Jarbas Agnelli – Era já W/Brasil. Foi 1990 e pouquinhos. Com esse filme, eu vi que dava para fazer coisa no computador. Foi um filme que fiz no Photoshop, desenhando todos os frames [quadro a quadro], e usei um programa, acho que foi o Director, um programa supersimples. Depois, fiz outro filme para O Boticário, Dreams, que eram uns homens voando e uma mulher cantando em francês. Entrou no Anuário também.
Guilherme Azevedo – Você começou a fazer comercial no seu computador. E não tinha uma finalizadora? Mandar para uma finalizadora depois?

Jarbas Agnelli – Quando eu comecei a brincar disso, uns amigos começaram a brincar também, o pessoal da Trattoria de Frame, produtora. Eles começaram na paralela. E, infelizmente, já fechou. Então eu fui meio que finalizando com eles, fazia em casa, levava lá para finalizar, tinha que sair uma beta [fita beta, para poder ser televisionada depois]. O produto final continuava a ser uma fita. O bacana disse é que eu comecei a fazer as trilhas também. Fiz um monte para a Folha de S.Paulo. Comecei a fazer remixes para o Washington usar. A gente fez uma campanha da Triton, “De quem é esse jegue?”, eu que fiz os remixes para a Conspiração [a produtora Conspiração Filmes]. Tinha outro que era da cobra, “Sobe, cobra...”. Foi uma época em que o Washington começou a pegar coisas populares, pegou Rider e começou a trocar as pessoas, o Lulu Santos para cantar música do Tim Maia. Comecei a ver se conseguia me infiltrar nessa história da música. Acho que dei sorte por estar também numa agência muito musical. O Washington tem uma visão musical. Ele é superamigo do André Midani, que era presidente da Warner. Todo dia o Washington trazia alguma coisa e chamava todo o mundo para ouvir: “Criação toda, vem ouvir isso aqui, olha o que eu consegui...”. E botava uma música para todo o mundo ouvir. Essa coisa incentivou também meu lado musical publicitário.

Guilherme Azevedo – Essa transição que viria depois em sua vida, para o AD Studio, começou praticamente ali.

Jarbas Agnelli – As sementes estavam todas lá. Eu olho bastante para trás para ver onde começou essa coisa de querer fazer filme e música ao mesmo tempo. Tenho um tio, o Carlos Vecchio, que tinha uma empresa de audiovisual nos anos setenta. E eu “morava” lá dentro. Adorava. E o que ele fazia é basicamente o que eu faço hoje, até comentei com ele outro dia. Pegava slides, ficava com dois projetores, projetando com um disolve no meio, para fazer uma fusão entre um e outro e com trilha. Ele produzia essas trilhas com disco e eu o ajudava a fazer isso. Hoje, muitos filmes não são nada mais do que eram os slides antes. Um motion design [técnica de dar movimento a imagens estáticas], só que tudo animado. Elementos gráficos animados, 3D , mas basicamente é uma animação com música. O videoclipe também é basicamente isso.

Guilherme Azevedo – O comercial A Semana, para a revista Época, que você fez a direção, foi quando mesmo?

Jarbas Agnelli – Foi em 2000, no Carnaval de 2000.

Guilherme Azevedo – Como foi o processo de criação desse comercial? A sua participação?

Jarbas Agnelli – Esse comercial, eu fiz com o Alexandre Machado [redator]. A partir de 1996, 1997, eu fazia dupla com a Tetê Machado e com o Alexandre Machado. Os dois redatores. A gente fez um monte de coisa bacana. O Alexandre escreveu o texto.

Guilherme Azevedo – Como é que foi a pesquisa?

Jarbas Agnelli – Era um comercial sem briefing [sem um pedido específico de criação do cliente para a agência]. Tinha um briefing teórico, que era conseguir passar a coisa da periodicidade da revista e o leque de abrangência dos assuntos para as pessoas. O que acontece nesse período de sete dias. O Alexandre escreveu o texto e falou: “A gente tem que fazer um filme do cacete com isso aqui. Pensa no que a gente pode fazer”. Era logo antes do Carnaval, e eu usei o Carnaval inteiro. Fui para casa, escaneei um milhão de fotografias e trouxe o filme pronto. Com a trilha.

Guilherme Azevedo– Chegou o filme para você, e como foi que você definiu a técnica? Antigamente, aquele tipo de processo se chamava table top [a câmera se movia sobre materiais estáticos, geralmente fotos, recortes de jornais, para dar uma sensação de movimento].

Jarbas Agnelli – Hoje a gente chama de motion design. Table top, porque eram fotos colocadas numa mesa de luz, então tinha algum movimento de câmera, para lá e para cá. Hoje a gente faz isso tudo no computador. O filme é realmente muito simples. Eu tinha aquelas frases dele, que eram quase sempre meio antagônicas, comparações de estilos de vida, o pobre, o rico. Daí achei que ficaria bacana fazer isso atemporal, o mais atemporal possível. Por isso fui atrás de fotos clássicas, tirar a cor, fazer só no preto-e-branco. Já li em algum lugar que a cor distrai, e o preto-e-branco tem mais a capacidade de fazer você focar na emoção daquele momento. Eu também acho que a cor tira o foco. Mas o objetivo principal foi fazer uma coisa meio atemporal, que você não soubesse que aquela foto é de hoje, ou dos anos cinqüenta, ou dos anos vinte. Que poderia ter acontecido em qualquer época, porque a gente estava falando da humanidade, do ser humano, das emoções. Escaneei só fotos famosas, Sebastião Salgado etc. Uma das minhas preocupações era essa: porque eram fotos impossíveis de comprar. O filme foi superaprovado e a gente falou: “E agora? Como vamos fazer isso?”. Só voltando um pouquinho: eu montei o esqueleto e pensei num jeito de falar aquilo tudo, porque é um texto enorme. Comecei tentando fazer um texto falado, um locutor, e ficou totalmente comercial, chato de ouvir. Tentei fazer cantado, ficou totalmente brega. Então lembrei dos anos setenta, de coisas que eu gostava, Electric Light Orchestra [banda de rock inglesa, também conhecida por suas iniciais, ELO], que usava muito vocoder, o Kraftwerk [banda alemã de música eletrônica]. Eu sempre gostei muito do vocoder, que é aquela voz sintetizada, meio de robô, você pega um microfone e canta ou fala alguma coisa, só que o tom da sua voz quem dá é o sintetizador. Achei que isso podia ficar no meio do caminho, porque o vocoder também é uma coisa meio nostálgica e ao mesmo tempo moderna. Hoje bandas continuam usando vocoder. Aí pensei: “Vou usar um vocoder nessa locução, porque nunca vi uma locução de filme com vocoder. Acho que vai dar mais uma estranheza para o filme”. Acho que tem que abrir um parêntese: o que quer que fosse feito, o texto do Alexandre Machado era excelente. Era um princípio excepcional. Eu consegui não estragar o texto dele. O que ele estava falando era perfeito para aquele job. E a trilha ficou muito boa, só acrescentou.

Guilherme Azevedo– Essa coisa do vocoder. Ficou uma voz metálica, meio robô, uma voz impessoal praticamente ou até divina. Parece uma voz meio atemporal também, voz de um criador...

Jarbas Agnelli – Talvez. Mas acho que, no universo das pessoas, elas lembram de coisas dos anos setenta. As referências que você tem, quando ouve um vocoder, vão para os anos setenta, do Kraftwerk, aquelas bandas alemãs, e ao mesmo tempo vão para o futuro, porque continuam usando vocoder. Então ficou meio atemporal, porque as pessoas não conseguem localizar muito. Não conseguiram encaixar num rótulo. E isso fez bem para o filme, já que ele era todo estranho desde o princípio. Ele tem três minutos, já é estranho daí, e eu quis manter essa estranheza e continuar nos formatos estranhos para a publicidade. Acho que isso tudo casou. Digo que esse filme é meio uma conjunção de planetas. O texto, as imagens, o prazo, o cliente, a agência – o Washington ter conseguido vender superbem o filme –, a Globo – quem estava na Globo, nessa época, aceitou superbem. A gente não mexeu em nada no filme, ele foi para o ar do jeito que estava. O cliente não alterou nenhuma frase, nenhuma foto. E eles ainda quiseram colocar um filme de três minutos no “Fantástico”.

Guilherme Azevedo – Fala um pouquinho da trilha. Você se baseou em quê?

Jarbas Agnelli – O Alexandre Machado queria que eu usasse Pink Floyd. E eu usei. A base daquela trilha, se você for ver, o baixo e a bateria são da música “Us and Them”, do disco Dark Side of the Moon, do Pink Floyd [ele cantarola, imitando o som de um baixo]. São três notas. Claro que ninguém reconhece o Pink Floyd naquela trilha, mas tem uma coisinha meio anos setenta, meio rock progressivo. A parte mais difícil foi depois que o filme tinha sido aprovado. Porque, aí, a gente tinha que fazer o filme. O filme foi todo refeito do zero. Só que a gente tinha uma semana para fazer isso, porque o filme tinha que entrar no ar e tinha que ir para Cannes também. E essa parte, acho, foi mais um planeta que encaixou, que deu certo, quando poderia não ter dado. Peguei o Márcio Scavone e o Miro, que são dois puta fotógrafos, e cada um saiu feito louco, porque, em dois dias, tinham que fotografar tudo.

Guilherme Azevedo – Ah, foi tudo produzido. Aquelas imagens, do Sebastião Salgado, tinham que ser substituídas...

Jarbas Agnelli – Do Sebastião Salgado tinha uma foto de uma velha. Falei para o Miro: “Vai para o Nordeste, vai fotografar pessoas sofridas, gente pobre, o pescador sofrido saindo da casa dele....”. O Miro foi lá e fez umas fotos espetaculares. O Scavone ficou com coisas mais estéticas, mais plásticas. Aí eles chegaram com as fotos todas, escaneei, escolhi com eles. O que eu não consegui fotografar com eles, a gente usou de stock shot [compradas de bancos de imagens], mas deve ser apenas um terço. Os outros dois terços são de fotos tiradas por eles mesmos. E ficou melhor, foi o milagre, ficou mais legal do que estava antes, nos layouts.

Guilherme Azevedo– E como foi o processo de produção do material, mesmo?

Jarbas Agnelli – Levei tudo para casa, retoquei tudo, substituí tudo, porque os movimentos foram diferentes, porque as fotos mudavam. Um saía da cara, ia para cá, ia para lá...

Guilherme Azevedo– Você foi uma produtora completa.

Jarbas Agnelli – É, fiz o papel de uma produtora inteira. Acabei fazendo todas as etapas. Não que o filme fosse muito complexo, tem uma simplicidade, mas tem muito detalhe, e é muito longo. Fiquei várias noites sem dormir.

Guilherme Azevedo – E depois de toda a repercussão do filme, depois dos prêmios, a sua vida teve uma virada?

Jarbas Agnelli – A princípio, não. Minha vida continuou como era. Ganhei o Grand Clio de 2001 [O Clio, de Nova York, é um dos principais prêmios da propaganda mundial; o Gran Clio é o prêmio máximo], que foi o único Grand Prix [grande prêmio] de filme que o Brasil ganhou lá fora. Um negócio impressionante. Foi um trabalho que fez o Washington [Olivetto] voltar a inscrever em prêmios, porque a W/ estava meio desencantada com isso nessa época, por causa daquele começo da história de fantasmas em Cannes [propaganda fantasma: propaganda criada exclusivamente para festivais, ficcional, sem briefing, sem orçamento, sem um problema de comunicação, com veiculação nula ou restrita, apenas para se dizer que o anúncio publicitário teve veiculação]. O Washington foi, inclusive, quem inventou o termo fantasma. O filme também ganhou Leão de Ouro em Cannes. Foi candidato ao Grand Prix, era o Marcello Serpa o presidente do júri, juntamente com o Whassup [campanha para a cerveja Budweiser], mas sem chance. O Whassup era uma campanha mundial, conhecida, e foi sensacional ser candidato a Grand Prix. Mas minha vida não mudou depois disso. Na minha cabeça, talvez estivesse mudando. Falei: “É isso que eu quero fazer para o resto da minha vida: produzir as coisas que eu penso”. Meu grande dilema, nessa época, era o de passar a ser um braço e deixar de ser um cérebro. Não gostava da possibilidade de virar um cara que produz, que só faz, que só tem que fazer coisas de que não goste, coisas com as quais não concorde, ou que não tenha espaço para a opinião. Esse era um dos motivos pelos quais eu ainda resistia a sair de uma agência e virar uma produtora. Outro motivo, claro, era que não tinha nenhuma perspectiva de sócio. Não tinha uma saída mental para virar uma produtora um dia. Daí comecei a tomar contato com a turma da Non Sentimental Film, que acabou ficando sócio da turma da Sentimental Filme. Eles eram alemães e queriam investir numa firma no Brasil. Queriam investir e ficar donos de 51%, e eu embarquei nessa, porque eles davam uma grana para começar. Comecei a negociação com os caras, ao mesmo tempo em que o pessoal da Sentimental. Teoricamente, era para ficar embaixo desse guarda-chuva deles. Isso foi basicamente o que me fez apressar minha saída da W/Brasil. Até foi numa época totalmente imprópria, que era a época em que o Washington estava seqüestrado [Washington esteve seqüestrado por 53 dias, de 11 de dezembro de 2001 a 2 de fevereiro de 2002]. Era a última hora em que eu gostaria de sair, mas os caras fizeram uma superpressão da Alemanha. E considero que, se não tivesse essa pressão, talvez eu não tivesse o AD Studio hoje, porque foi ela que me fez sair. Quando saí e a gente continuou com as negociações, vi que ia ser uma roubada incrível, porque não estavam querendo investir o que eu queria. Iam realmente ficar com os 51%, iam ter opinião sobre a minha empresa e eu caí fora, mas já estava fora da W/Brasil.

Guilherme Azevedo – Você fechou com eles e depois voltou atrás?

Jarbas Agnelli – Tinha fechado na teoria. Eles falaram: “Primeiro você sai, para depois a gente assinar”. Também queriam ver se eu ia mesmo sair da W/Brasil. Aí desisti, mas já estava na rua. Comecei o AD Studio com a garra e a coragem.

Guilherme Azevedo– Você pediu demissão da W/Brasil e saiu com uma grana?

Jarbas Agnelli – Exatamente. Consegui sair com uma grana, uma graninha, não é? Tinha uma grana muito curta, se eu não tivesse filme logo, ia ter que voltar para a publicidade. Essa foi uma época, na W/Brasil, em que todo o mundo da minha geração já tinha saído. A Tetê Pacheco já tinha saído, o Alexandre Machado também, o Marcelo Pires. Eu era meio que “o último dos moicanos”.

Guilherme Azevedo – Você se sentia assim mesmo?

Jarbas Agnelli – Era uma virada de salários também. Eu era o último grande salário que tinha na criação. A publicidade toda estava se adaptando a uma nova realidade. Estava em crise, sempre está, mas acho que, naquela época, estava pior. E minha saída não foi difícil assim. O Gabriel entendeu que o que eu estava fazendo era meio um caminho natural. Ele sempre entendeu minha cabeça, de tentar procurar coisas novas. Acho que dei sorte também nisso, porque, logo que saí, peguei uma campanha da W/ com o Rondon [o redator Rondon Fernandes] e o Peralta [o redator Alexandre Peralta]. Criei com eles, que era aquela campanha da FNAC, com mãos mexendo nos CDs, nos DVDs. A campanha foi premiada, ganhou Leão de Prata, ganhou Clio de Ouro, e isso viabilizou o meu começo. Foi um trabalho que me manteve ligado à W/Brasil de uma outra maneira. O que achei interessante é que outras agências começaram a me chamar para fazer jobs, sempre me vendo como um criador, como um parceiro.

Guilherme Azevedo – Como era o processo de trabalho? Os caras chegavam com um comercial para você fazer com o roteiro todo pronto?

Jarbas Agnelli – O trabalho varia de roteiro para roteiro. Tem roteiros muito fechados, tem roteiros abertos, como o de um filme que gosto muito, que a gente fez para a Visa, do Ruy Lindenberg, chama-se Minuto. Foi em 2004, que é uma história em preto-e-branco, “o que você vai fazer com um minuto da sua vida”. Esse filme veio só com o texto. O Ruy não me deu nenhuma idéia do que queria fazer no comercial. Falou: “Pensa em alguma coisa”. E o processo foi até meio parecido com o do filme A Semana. Eu fui lá, escaneei fotos, fiz um “monstro”, mostrei para eles.

Guilherme Azevedo – Se você pegar os dois comerciais, eles têm coisas em comum, além do tratamento em preto-e-branco. A campanha de Visa tem o tema do tempo bastante explícito. O da Época, também, da semana e tal. Esse tema parece que procurou você ou foi você que procurou por ele? O tempo tem uma importância especial para você?

Jarbas Agnelli – O tempo é uma coisa que me fascina. Gosto muito, e gosto muito dos extremos do tempo. Gosto muito de slow motion [câmera lenta], você vai achar vários filmes meus com muito slow motion. E gosto muito também da aceleração do tempo. São outras dimensões do tempo, talvez, outras visões que a gente tem sobre o tempo. Na campanha de Kaiser, [campanha “Viva!”, dos filmes Luau, Escondida e Cantada Ruim, de 2006] tem tempo acelerado. Claro que, quando a campanha chega, eu imprimo alguma coisa que tenha a ver comigo. A campanha de Kaiser, teoricamente, não era para ser em time-lapse [tempo acelerado]. Eu que sugeri que a gente fizesse com fotografias.

Veja o comercial A Semana, dirigido por Jarbas para a revista Época: www.youtube.com/watch?v=KU7pUs2opis&eurl=http://www.jornalirismo.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=225

(continua amanhã)

Um comentário:

Niconek disse...

O Jarbas Agnelli me serve de inspiração para alguns problemas que aparecem na minha vida profissional. Essa coisa de deixar de ser cérebro e passar a ser braço é uma constante pra mim. É meio um impulso de querer fazer tudo. Admiro esse lado guerreiro dele de largar uma memorável W/ pra seguir o que acredita. E no final deu nisso, fazendo filmes inesquecíveis. A campanha Viva pra Kaiser é perfeita. Parabéns Jarbas Agnelli, e parabéns pela entrevista.