segunda-feira, outubro 22, 2007

da série, leitura para a semana inteira, do brasil que inventou o "caixa-dois" das idéias, o prolegômeno

Peço à atendente uma fita cassete. Ela estica o braço e pergunta se quero aquela.

— Não, uma fita cassete.
— Esta aqui, então?
— Não, não, uma fita cassete.
— Esta aqui?
— Me dá uma fita de áudio, então.
— Ah, sim, de áudio.

Meu vocabulário deve estar meio antigo. Ela não sabe que uma fita cassete se chama assim. Haverá mais gente? Certamente, e cada vez mais. Mas será ela, a fita cassete, a fita magnética, lançada comercialmente em 1963, que registrará, daqui a pouco, a entrevista com o diretor de comerciais Jarbas Agnelli, que você lerá. Preciso, dependo dela.

Estaciono o carro próximo de uma esquina. Estou no começo da avenida Faria Lima, região oeste de São Paulo, no bairro de Pinheiros. Procuro o número 201. Desço do veículo, caminho olhando as construções, procurando um prédio com no mínimo nove andares, pois vou ao nono andar. Esse aqui é bege, parece residencial, não abrigará uma produtora, abrigará? O número não é o 201, apesar de estar nas proximidades dele. Ignoro essa informação, como ignoro também o seguinte fato: o prédio tem oito andares. Contei duas vezes, debaixo para cima, calmamente. Não me dou por vencido, contudo. Vou até a portaria do prédio, avisto o porteiro ao fundo, sentado, de camisa azul-clara, toco o interfone:

— Oi, aqui é o 201 da Faria Lima?
— Não, o 201 deve estar no outro lado da rua.

Só diviso, do outro lado, o portentoso conjunto empresarial do Instituto Tomie Ohtake, o famoso prédio em riste, arquitetonicamente arrojado, com círculos cor-de-rosa, preto e branco, que se destaca no dia cinza e frio, no lusco-fusco das 18h30 deste sábado. E é de fato ele, o 201, sempre diante dos meus olhos, sem que eu cresse na informação.

Descobrirei que chegar ao nono andar é uma aventura do indivíduo pelos meandros de uma outra civilização.

Porque a portaria principal não abre nos fins de semana, desço a pé, pela rampa da garagem. O segurança recomenda que siga as marcas listradas, pintadas de branco no chão. Dobro à direita, contorno a garagem ladeando as paredes laterais, abro a porta de incêndio, de ferro, pesada. Subo. Dois lances de escada. Saio por outra porta de incêndio. Contorno pelas listras marcadas no chão. Desponta uma recepção, com um homem de prontidão. “Vou ao AD Studio, no nono andar.” O homem pede que me aproxime da parede encardida, embora branca, para melhor iluminar a fotografia que vai tirar de mim. É para sorrir? Em seguida, anuncia-me ao telefone e entrega-me um crachá. Atravesso a catraca. Digito o número nove no visor que dizem inteligente. “Posso subir?”, pergunto ainda ao homem, ao telefone. Ele faz um sinal indistinto, fico na dúvida, não subo, o elevador se fecha. “Posso subir?”, insisto. Ele faz novo sinal, interpreto agora que sim. Aperto novamente o número nove, um elevador se abre atrás de mim, sem que me dê conta. Noto a tempo de me esquivar e me infiltrar antes de a porta fechar furiosamente.

O nono andar me espera, na escuridão. A porta de ferro está trancafiada, toco a campainha. Um homem de bermudas me recebe e pede para acompanhá-lo. O ambiente é de penumbra. Vou dar numa sala que me espanta: à meia-luz, cerca de uma dezena de computadores dispostos em círculo, como uma nave espacial. Cheguei ao futuro, pressinto. Lá está, de costas, sentado a um dos computadores, o diretor de comerciais Jarbas Agnelli, um dos donos do AD Studio [veja o site aqui], produtora que vem se destacando pela criatividade; ele se levanta para me saudar.

Apresento-me. Dou a ele, furtiva, envergonhadamente, um livro sem luxo e um folheto de cordel de presente. Coisas humílimas. Contraste ou complementaridade? Futuro e tradição co-habitando um só tempo? Possibilidade, necessidade de convivência, de diálogo?

Jarbas me leva para uma viagem pela produtora, com 350 metros quadrados de área –170 deles dedicados a um corredor longo, com piso cinza emborrachado, preparado especialmente para se seguir por ele de skate. E de fato há um skate atirado ali, de ponta-cabeça. Jarbas costuma utilizá-lo para se mover pelo corredor, e é sobre rodas que entra na sala de reuniões para atender os clientes, algumas das principais agências do país, como W/Brasil, F/Nazca, McCann-Erickson.

Puxo uma larga cadeira de couro preto, com estrutura metálica prateada, sento-me. Retiro da mala meu aparelho mais moderno, um gravador portátil com cinco anos de uso. E também duas fitas cassete. Abro o pacotinho de pilhas novas, retiro duas de lá, troco as antigas, fecho o gravador, com nervosismo e dificuldade, a tampa trava no encaixe. Rasgo, com esforço, o invólucro plástico da fita, abro a caixinha dela, pego-a, retiro-a e insiro-a no aparelho. Faço piada sobre a “modernidade” do meu equipamento. Estou ainda no século XX. Jarbas conta a história: “Outro dia minha mulher ia fazer uma gravação. Preparei para ela um iPod, com microfone. Ela já tinha um gravador, como o seu. Sabe qual aparelho ela acabou utilizando?”. E descubro, pelas palavras desse diretor de filmes publicitários e videoclipes famosos, que eu e a mulher dele somos “seres analógicos”.

Pressiono a tecla vermelha REC, vejo a fita girar lentamente, a correia dentada interna puxar o magnético. Felicidade analógica, mecânica, tecnologia que se vê de fora, à vista, palpável. Confio. Estamos prontos:

(continua amanhã, e pela semana inteira, salvo se algum publicitário, inclusive eu, não fizer merda maior do que anda fazendo agora)

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