sexta-feira, outubro 26, 2007

final da série, leitura para a semana inteira, do brasil que inventou o "caixa-dois" das idéias

Guilherme Azevedo – Muitos publicitários têm defendido uma propaganda com cor local e a gente assiste à tevê e acaba não vendo muito isso. O que está faltando para fazer uma propaganda com cor local, brasileira? Que elementos a gente precisaria para fazer um comercial com a cara brasileira? Com que personagens? Que histórias?

Jarbas Agnelli – Não sei se sou a pessoa perfeita para falar sobre isso, porque sou um cara do mundo. Sou muito ligado em tudo, gosto muito da idéia de misturar tudo. A música que eu faço com o Waldo é uma mistura de tudo. A gente usa tudo: música indiana, mistura com samba, chorinho... A mistura é muito legal. Eu nunca fui muito patriota. Não é porque eu não goste do Brasil, porque acho que ninguém deveria ser muito patriota. Sempre fui contra pátria, religião. Acho que essas coisas têm que começar a feder para o mundo começar a ficar melhor. Quanto mais a gente busca o localismo, de local, mesmo, mais a gente complica a relação das pessoas. O Woody Allen [diretor de cinema norte-americano, de filmes como A Rosa Púrpura do Cairo e Neblinas e Sombras] tem uma frase muito boa: “A tradição é a ilusão da permanência”. Achei essa frase genial, porque me incomoda essa coisa de ir mantendo as coisas para sempre. Isso é realmente uma ilusão, o mundo vai mudando sempre. Acho que a adaptação é muito boa, e a gente vive uma época em que o mundo está todo interligado mesmo. Claro que é sempre bom preservar coisas, para você não perder completamente a identidade, ainda mais num país que é meio colonizado, como o nosso. A gente recebe toneladas de influências, via comércio, dos Estados Unidos. Mas, ao mesmo tempo, acho que a gente tem que saber criar uma identidade misturando tudo, porque isso é inevitável, cada vez mais inevitável. A questão é ir criando coisas novas, sou a favor disso, vai misturando, sem perder a identidade, mas vai aceitando e agregando coisas novas. Um clipe de que eu gosto bastante, que é meio o resumo desta história, é um que fiz para O Rappa. O Yuka [Marcelo Yuka, ex-integrante de O Rappa; baleado quando tentou intervir num assalto no Rio de Janeiro, levou nove tiros e ficou paraplégico.] me pediu para fazer uma coisa que tivesse folclore, mas que tivesse o futuro ao mesmo tempo.

Guilherme Azevedo – É aquele em 3D, com o cara jogando capoeira? O clipe de Instinto Coletivo?

Jarbas Agnelli – Este clipe é exatamente isto: vamos dar uma linguagem nova para a capoeira. Vamos pegar e inserir no mundo virtual, vamos usar motion capture [captura eletrônica dos movimentos de uma pessoa via equipamentos] para captar o movimento do capoeirista e aplicar num boneco 3D. Acho que ele ficou com uma cara que é atual, usando elementos do passado, elementos da tradição brasileira. Acho que isso pode ser um caminho interessante: manter os elementos, mas numa outra linguagem, uma linguagem atual. Senão, você vai ficar sempre fazendo esses clipes de gente pelo Brasil, que já deram no saco.

Guilherme Azevedo – Aproveitando que a gente falou de O Rappa, gostaria de falar desse seu trabalho com os clipes, que está indo superbem também.

Jarbas Agnelli – Estava indo superbem, porque o clipe não existe mais. Até li no Estadão que o videoclipe morreu. A MTV não passa mais. Não tenho feito mais. Mas é uma coisa que gosto muito, a gente perdeu um espaço superinteressante de experimentação. Além disso, ele é a união de duas coisas que eu gosto, música e direção de arte. Sempre me atraiu por isso.

Guilherme Azevedo – E a ausência da propaganda ali é benéfica? Não está falando sobre um produto, tem mais liberdade?

Jarbas Agnelli – Tem mais espaço, mais liberdade. Você pode fazer qualquer coisa. E, por a gente ter esse perfil bem alternativo, sempre foi procurado por bandas que falaram: “Faz qualquer coisa”. Lulu Santos, O Rappa, Pato Fu. Para o Pato Fu, a gente fez dois clipes que ganharam VMB [Video Music Brasil, prêmio concedido pela MTV]. É muito bacana, não tem dinheiro – nunca teve. Só um dinheirinho irrisório, mesmo na época quando a música tinha dinheiro. Porque nunca teve dinheiro disponibilizado para o videoclipe. O que nunca entendi, porque sempre achei que o clipe era um cartão-postal para a banda. Principalmente na época em que a MTV veiculava. As gravadoras sabiam que os diretores e as produtoras brasileiras usavam isso meio como espaço para experimentar, tinha a mídia da MTV, então ficava aquele jogo de interesses acontecendo. Mas é que agora, realmente, não tem dinheiro. Hoje, se você quiser fazer, vai pôr o seu dinheiro.

Guilherme Azevedo – A gravadora não está bancando mais?

Jarbas Agnelli – Já não bancava e, agora, menos. Agora a MTV só passa clipes de madrugada. Clipe, hoje, só na Internet. O selo final foi o VMB 2007. A gente percebeu que o negócio da MTV realmente mudou de perfil. Mudaram a filosofia de marketing. Fecharam num leque muito pequeno de bandas, de estilo. Antigamente, pelo menos, tinha um grande leque de premiáveis ali. Não é o caso nem de se culpar quem votou, não, porque os indicados todos já eram de um segmento muito pequeno da música. É triste, fiquei chateado.

Guilherme Azevedo – Isso não parece meio contraditório, num momento de abertura da mídia, do mundo?

Jarbas Agnelli – Acho que a MTV entendeu que o jovem de 15, 16 anos usa a Internet para ver clipe; não usa mais a tevê. Acho que esse foi um dos motivos. Hoje, tem YouTube, MySpace, Google Vídeo. Meus filhos só vêem vídeo na Internet. “Quero ver o vídeo do Foo Fighters.” Você não vai ficar esperando passar na tevê, você vai lá e vê na Internet, todos os vídeos do Foo Fighters. É muito mais fácil. Outra coisa é a mudança de perfil da emissora, mesmo. Hoje, grande parte da programação é feita de programas de auditório. Antigamente, a MTV era povoada por pensadores. A Cris Couto, Fábio Massari, Zeca Camargo, o Edgar [Edgar Piccoli], esses caras todos saíram. Sobrou só a Marina Person, que fala de cinema. A filosofia de pensar em música realmente mudou na MTV, não é mais um canal de música, apesar do nome.

Guilherme Azevedo – Você já produziu alguma coisa específica para a Internet?

Jarbas Agnelli – Por incrível que pareça, não. Sempre recebo esta pergunta. E a gente não faz muito, porque nosso tempo está sendo tomado com publicidade, o que é bom, porque o dinheiro está principalmente nisso. Eu não rejeito essa idéia, acho muito legal começar a fazer coisas alternativas. Acho legal virais, mas principalmente os virais que surgem espontaneamente, não os virais empresariais, que estão fingindo que estão entre a molecada. Acho a Internet fantástica, não canso de ficar abismado com os rumos que a Internet tem tomado. Porque é um espaço onde você pode fazer tudo.

Guilherme Azevedo – Você pensa em fazer um trabalho mais pessoal? Ficcional?

Jarbas Agnelli – Exatamente.

Guilherme Azevedo – Você é um cara que não faz ficção, não é? Tem um clipe da banda de vocês que tem uma narrativa ali.

Jarbas Agnelli – O clipe do Call My Name. Aliás, esse clipe virou meio um hit no YouTube. Já achei vários caras que passaram um para o outro, mas não no meio musical. Mais no meio de esoterismo.

Guilherme Azevedo – Porque tinha aquilo da projeção astral. Por que esse tema? É o tema do duplo, da pessoa que sai do próprio corpo e se observa...

Jarbas Agnelli – Esse é um dos outros interesses meus. Sempre gostei de explorar o inexplorado, os tabus, as coisas de que as pessoas falam: “Ah, tenho medo disso, não mexe com isso...”. Cheguei até a fazer curso disso.

Guilherme Azevedo – De projeção astral? Vidas passadas?

Jarbas Agnelli – De tudo. Já me meti com tudo. A minha infância toda foi com pais que não davam a mínima bola para a religião. Minha mãe era católica nada crente, e meu pai era ateu. Daí aconteceu uma série de coisas na vida do meu pai, ele conheceu o Chico Xavier [1910-2002, principal expoente do espiritismo no Brasil], quando morreu a mãe dele. Começou a fazer capas para o Chico, virou amigo dele e isso o mudou completamente. Passou a ir a centros espíritas e a procurar esses fenômenos e começou a me levar junto. A gente ia ver luzinha voando, voz. Para um adolescente, isso era fantástico. E, durante um grande período da minha vida, até a idade adulta, eu me considerava espírita. Eu nunca gostei de dogmas e, partir de certo momento, comecei a ver que o espiritismo era um dogma, por mais libertário ou evoluído que eles achassem que fossem, era um dogma como outro qualquer. Com certas leis, certas regras. Então me afastei. Mas, quando entrei nessa história de espiritismo, comecei a ver outras histórias que existiam, como projeção astral, regressão a vidas passadas, transcomunicação, que é você utilizar aparelhos para se comunicar com espíritos, televisão, rádio, tem uma vasta bibliografia sobre isso. É um mundo muito rico. E muito pouco explorado na mídia. Se um dia eu fizer um longa-metragem, acho que vai ser sobre reencarnação, espírito, sair do corpo.

Guilherme Azevedo – Além do espiritismo, do esoterismo, quais são as suas influências na vida, no cinema?

Jarbas Agnelli – Ficção científica. Lia muito Ray Bradbury [escritor norte-americano, autor do clássico Fahrenheit 451, sobre um mundo futurista dominado pela censura e o totalitarismo, que se transformou em filme de François Truffaut], Isaac Asimov [1920-1992, escritor nascido na Rússia, mas criado nos Estados Unidos, autor, entre outros, de Eu, Robô] na minha adolescência. Os filmes que realmente marcaram minha vida foram Star Wars, Blade Runner, Alien, Ridley Scott. Foram referências fortíssimas. Mas se você me perguntasse quais são meus cineastas ou atores prediletos, são os caras de comédia. Woody Allen, Peter Sellers [o ator inglês Peter Sellers, 1925-1980, famoso pela personagem Inspetor Clouseau], Jacques Tati [o diretor e ator francês Jacques Tati, autor de clássicos como Meu Tio e As Férias de Mr. Hulot¸1907-1982], Charles Chaplin [o diretor e ator inglês Charles Chaplin, de filmes como Luzes da Cidade, Luzes da Ribalta, Tempos Modernos, 1889-1977] são os caras de que eu realmente gosto. Eles conseguem colocar o humanismo, a coisa do ser humano, em filmes fantásticos.

Guilherme Azevedo – Com Chaplin, a gente ri e chora ao mesmo tempo.

Jarbas Agnelli – E é edificante. Faz uma piada e você sai um ser humano melhor daquilo.

Guilherme Azevedo – A gente está falando isso de tecnologia, humanidade. Então vamos falar da campanha recente da Credicard Citi, da coisa da lágrima... Como foi essa produção? Teve o uso de um novo software...

Jarbas Agnelli – É um software de 3D, pouquíssimo usado no Brasil, o Houdini. O nome do mágico [Harry Houdini, 1874-1926, considerado o melhor mágico da história dos Estados Unidos]. É um software “procedural”, matemático. Não é nada amigável. A gente utilizou dois franceses especializados [Christian Eduardo e Gerome Mortelecque] nesse software. Esse tipo de filme não é comum. A gente vê curtas de animação japoneses com esse tipo de abstração, filmes que têm uma plástica abstrata. É meio uma mistura de animação com biologia e matemática. A gente quis imprimir esse tipo de look. O briefing da criação era para que a gente fizesse um passeio que simbolizasse a criação de uma lágrima. Contar como um sentimento passeia pelo seu corpo. Mas a idéia era que não ficasse um filme da National Geographic ou do Discovery Channel, não é um passeio por dentro do corpo humano, com tubos, veias, músculos. Uma coisa mais simbólica, mais abstrata, mesmo, a criação de um sentimento. Fizemos uma coisa que lembrasse neurônios, lembrasse nervos. Mais para o final, entra num canal lacrimal e a gente começa a ver o corpo humano de verdade. Mas o comercial é um livre uso da linguagem do 3D para simbolizar coisas.

Guilherme Azevedo – Quais foram as referências para criar o filme?

Jarbas Agnelli – Além de referências de filmes do corpo humano da National Geographic e do Discovery Channel, usamos clipes e comerciais norte-americanos, aquele documentário Quem Somos Nós?. Isso já foi muito usado, cenas por entre os neurônios. O filme O Clube da Luta foi uma das referências. A apresentação do filme começa com um passeio que sai dos neurônios e vai pelo cano do revólver do cara. Juntamos todas essas referências e conseguimos fazer esse passeio, uma licença poética pelo corpo humano, sem ser muito literal, verdadeiro, fisiologicamente falando. O outro filme é um passeio parecido, mas acaba nas cordas vocais e sai pela boca, um sorriso. Como nasce uma risada. Nós criamos a trilha também, totalmente sinfônica, o Waldo compôs tudo no computador. E o Tomás Duque Estrada, que é meu braço direito, dividiu toda a parte do 3D. Depois juntamos todas as partes. É um processo muito complexo e bacana, a gente fica brincando de Hollywood. Tem todos os elementos de Hollywood, só que a gente usa isso para fazer 30 segundos. O processo de produção é idêntico. Mesmo porque tem que ser, as pessoas estão muito acostumadas a ver isso no cinema. Se você não fizer muito bem-feito, qualquer criança vai falar que está malfeito aquilo, que é falso. Tem que ter um nível de cuidado altíssimo. Principalmente por não ter milhões de dólares.

Guilherme Azevedo – O cliente entende que existe todo esse processo por trás?

Jarbas Agnelli – Mais ou menos. A gente às vezes ouve: “Ah, legal, mas vamos mudar isso daí. É para amanhã”. Essas coisas são comuns. Mas acho que, cada vez mais, os clientes estão entendendo como é que isso funciona. Graças ao cinema, ao DVD. Todo mundo vê making of hoje em dia. O que era uma coisa rara passou a ser comum, você assiste ao filme e, depois, ao making of. Serviu para educar os clientes, principalmente porque eles sabem que o processo é o mesmo.

Guilherme Azevedo– Você é um cara extremamente dedicado ao trabalho. A Semana, por exemplo, você fez no Carnaval de 2000, no maior feriado nacional. Hoje, sábado, você está trabalhando. Como que é essa sua dedicação ao trabalho? É realmente uma entrega?

Jarbas Agnelli – Eu consegui, nesses últimos anos, a utopia máxima do trabalho: fazer o que gosta, do jeito que gosta, quando gosta, onde gosta. Se você perguntar para a minha mulher, ela vai dizer que trabalho demais. Mas a verdade é que nem me sinto trabalhando, a maior parte do tempo. Tenho a sorte de poder dar o meu ritmo aos trabalhos, escolhendo os horários em que sou mais produtivo (e de ter uma equipe que acompanha meu ritmo). Durmo a manhã toda e trabalho de madrugada, porque funciona melhor para mim. Aperto o play quando o mundo à minha volta apertou o pause. Não me preocupo em saber em que dia da semana estamos. O mês tem 30 dias. Uso o que for preciso. Mesmo assim, me considero bem família, um pai que tem a guarda compartilhada dos filhos do ex-casamento e que realmente está para eles. Meus filhos adolescentes vivem no AD Studio, jogando, tocando instrumentos, fazendo rotoscopia [animação criada com imagens captadas inicialmente em vídeo] no After Effects ou trilhas sonoras com o Waldo (às vezes, nem contamos para a agência que aquela melodia incrível saiu da cabeça de um garoto de 16 anos). Com minha mulher, convivo na madrugada, em horários loucos nos quais ela, pelo bem ou pelo mal, acabou se adaptando. Sigo a tradição dos orientais. Se você tem que fazer alguma coisa, faça com prazer.

Guilherme Azevedo – Para encerrar, o que você sugere para um cara que está começando, que quer fazer comercial, que pode se inspirar em você?

Jarbas Agnelli – Meu conselho é para as pessoas experimentarem, mesmo, sem medo. Porque, hoje, os softwares que a gente usa todo mundo tem, Photoshop, After Effects. Se você pegar os anos oitenta, os anos noventa, tinha uma grande separação do que dava para você fazer em casa do que as produtoras faziam. Hoje todo mundo finaliza no After – e muito bem. Hollywood finaliza nele. Hoje, também se usam softwares caríssimos, mas, com os softwares que todo mundo tem, você chega a um resultado muito parecido. O diferencial é a criatividade, em como você vai usar aquilo. Talvez você não consiga fazer o melhor efeito, mas você vai dar uma volta e fazer uma coisa criativa. Uma coisa mais interessante. Então, experimente. Você consegue fazer música ao mesmo tempo em que está fazendo vídeo. Acho que as pessoas ficaram ou estão, principalmente os jovens, prostrados diante das possibilidades do computador. Vejo pelos meus filhos. O computador é uma janela para o mundo, você tem qualquer coisa ali, e eles passam noventa por cento do tempo no MSN Messenger e no Orkut. É como se fechassem as portas. Tem essa aqui, mas, se você tirar da frente, vai ver uma infinidade de sites e coisas interessantes que você pode aprender. Você pode ter aula de qualquer coisa no computador. Não só produzir. Aula on-line em Harvard, de cinema, de qualquer coisa. Falta isso nos jovens. “Ah, eu quero aprender não sei o que lá, faço um curso?” Ouço muito esse tipo de pergunta. Está na sua frente, desliga o Orkut que você vai aprender muita coisa.


(guilherme azevedo fez esta entrevista para o jornalirismo, que vai dando a cada número um puta bom exemplo ao mau exemplo de puta dado pela dita imprensa especializada em marketing e, vá lá, propaganda do brasil.
fiquei de postar os links para mais filmes do agnelli. em vez disso vou dar o endereço que leva a matéria extraida de lá, onde estão os links para filmes como lágrima e sorriso, do credicard, ou luau para kaiser, e ainda do clip para o rappa com a assinatura do jarbas. em troca da menor comodidade espero estar lhe dando a chance de conhecer, se ainda não conhece, de um bom local para se desligar do orkut e aprender muita coisa. desligue então já e vá pra lá: www.jornalirismo.com.br

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