
Poucos parecem ter reparado numa notícia publicada logo antes do Natal: numa agência carioca do banco Itaú, o vigia matou com um tiro um cidadão que tentava passar pela porta giratória.
     Intimado a colocar na gaveta chaves e moedas, o senhor obedeceu, mas o      detector de metais continuava a não permitir sua entrada. O guarda ordenou      que tirasse o cinto, o que ele se recusou a fazer e foi alvejado como se se      tratasse de um perigoso assaltante.
   Tragédia dupla: para a vítima que perdeu a vida e para o vigia, cujo gesto      absurdo poderia ter sido evitado com um pouco de bom senso.
   Dirão alguns que se trata de um pobre coitado, que apenas "se excedeu" no      cumprimento da sua obrigação. Não posso concordar: de um adulto, ainda mais      portando uma arma, tem-se o direito de esperar alguma capacidade de avaliar      uma situação e, diante dela, se comportar com sensatez.
   O banco provavelmente relutará até o último instante em assumir a      responsabilidade pelo ocorrido em suas dependências, alegando todo tipo de      "razões": que o serviço de vigilância é terceirizado, que precisa proteger      seus clientes... E a morte de uma pessoa cujo único delito foi resistir a um      regulamento cretino terá passado em brancas nuvens.
   É preciso refletir sobre o que significa essa tragédia. Ela é o ponto      culminante, embora previsível, da truculência com que muitas instituições      financeiras tratam quem as procura, inclusive e principalmente seus      clientes. A escalada da prepotência, da arrogância e do desrespeito vem se      acelerando e um dia teria de chegar, como chegou, ao assassinato.
 
   Imagem negativa
   A imagem do setor bancário é a tal ponto negativa que o Unibanco prefere      apresentar-se como uma entidade que "nem parece banco". O imaginário que      sustenta a publicidade é um dos meios mais interessantes para auscultar o      mundo em que vivemos.
   Aqui estamos diante de um caso muito instrutivo, pois o anúncio não visa a      associar a empresa a algo útil ou desejável, como os daquelas que não se      envergonham do que oferecem. Lembre-se o leitor de slogans como "Se é Bayer,      é bom",
   "Se a marca é Cica, bons produtos indica": ocorreria a esses fabricantes      sugerir que seus produtos "nem parecem" aspirina ou massa de tomate?
   Mesmo hoje, para permanecer no exemplo da propaganda, a Toshiba faz      exatamente o contrário do Unibanco: em vários de seus anúncios o vendedor      tenta se passar por japonês, buscando capitalizar as conotações de seriedade      e competência associadas àquele povo.
   E o ponto forte da campanha é a garantia de 50 meses, algo que somente uma      firma convicta da qualidade do que faz pode oferecer.
    Voltemos aos bancos. A estupidez de um aparelho incapaz de distinguir uma      metralhadora de uma obturação ou uma fivela de um punhal é apenas a ponta de      um iceberg de arrogância e descaso, mas o resto dele é igualmente ofensivo.      Um exemplo entre inúmeros: a mesquinharia patente nos talões de cheques.
   Alguns leitores se lembrarão daquelas folhas que vinham ao final deles, e      que serviam para anotações diversas. "Esquecidos" de que pelas nossas contas      não passam apenas depósitos e retiradas, mas CPMF [Contribuição Provisória      sobre Movimentação Financeira], IOF [Imposto sobre Operação Financeira],      débitos automáticos, DOC [Documento de Crédito] e assim por diante, os      bancos reduziram ao mínimo as linhas dos canhotos e retiraram as tais folhas      as quais não parecem causar prejuízo à contabilidade dos seus congêneres      americanos e europeus, que continuam a fornecê-las aos seus clientes.
   Outro escárnio são os call-centers, dos quais o do Itaú é, em minha      experiência, ao menos, o mais irritante, tanto pela demora quanto pela      constante alteração dos passos necessários para obter tal ou qual      informação. Ultimamente, o consulente é obrigado a ouvir o convite para      adquirir um cartão de crédito, que "tem um Itaú de vantagens".
 
   Desrespeito cotidiano
   Outro detalhe revelador: jogando com a expressão "um caminhão de vantagens",      o que o bordão transmite é a desproporção entre o veículo enorme e a      pequenez do indivíduo postado à sua frente. Cochilo do publicitário, com      certeza, mas que deixa transparecer algo efetivamente associável ao banco em      questão -peso mastodôntico, falta de flexibilidade, dificuldade de manobra.   
   O público deveria manifestar com mais veemência indignação com o desrespeito      do qual -das sutilezas aqui evocadas ao assassinato de um inocente- é      cotidianamente alvo por parte de certas instituições.
   É inadmissível que em nome da segurança (dos banqueiros) se permita que      vigias despreparados, mas armados, humilhem e ameacem quem precisa dos      serviços de uma agência.
    É inadmissível que o consulente seja empurrado de tecla em tecla como uma      alma penada, que precise de chaveiros com senhas para utilizar um caixa      automático (Unibanco), ou necessite carregar consigo um "cartão de      segurança" sem o qual não pode efetuar uma simples transferência de conta      para conta, se esta superar um valor irrisório (Itaú).
    É inadmissível que os caixas estejam situados nos pisos superiores,      obrigando as pessoas a subir escadas para chegar aos guichês (como em      inúmeras agências do Banco do Brasil, nisso copiado por diversos de seus      congêneres).
   Em resumo: não há como não concordar com o personagem de Brecht [na "Ópera      dos Três Vinténs"], questionado sobre se considera um crime assaltar um      banco: "Pode ser, sim... mas com toda a certeza é um crime abrir um banco".   
(a indignação necessária, do renato mezan, colunista da folha)
é escusado dizer que para alguns clientes do itaú ver o por do sol decididamente tem outra significação
 
 
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