Vejam o que escreveu o leitor Pietro Allodi à sempre valiosa coluna da Cecília Thompson, no Estadão: “Tentei pagar uma conta com um cheque meu em três bancos diversos, mas nenhum aceitou. Como é que bancos não aceitam cheques para pagamento de contas, só dinheiro?”. E olhem só a resposta que lhe deu a Febraban, a federação dos bancos brasileiros: “A rede bancária não aceita o pagamento de boletos de cobrança com cheques de um terceiro banco, mesmo que o cheque esteja sendo passado pelo próprio titular da conta (...). A não aceitação se deve ao fato de que, caso o cheque seja devolvido, a instituição não terá como recuperar o valor do título pago. Por isso, os bancos aceitam pagamento somente em dinheiro”.
Novidade? Certamente não. Mas eu achava, ingenuamente, que isto era coisa de um banco ou outro, que dependia do cliente. Nunca tinha visto uma defesa institucional tão escancarada e cínica de um tal absurdo. Ora, pessoal, se nem os bancos aceitam cheque por que espantar-se que os comerciantes também os rejeitem? E por que achar que um comum mortal deva aceitar um cheque de seja quem for, salvo do próprio pai? A conclusão lógica só pode ser uma: é imperativo decretar a abolição total dos cheques no Brasil, por sua total inutilidade.
Vamos então supor que o leitor Pietro tenha resolvido acatar a ordem e ido à cata de dinheiro vivo para pagar suas contas. Nos caixas eletrônicos é impossível, pois é difícil tirar deles mais de R$ 100 por dia. Experimente então chegar numa agência bancária e tentar fazer um saque de um valor um pouco maior, digamos acima R$ 1.000. Fazem cara feia, dizem que era preciso avisar antes, que o cofre só abre de hora em hora, etc. E experimente pedir R$ 1.000 ou mais em notas miúdas, necessário para lojistas darem troco. Isto também é pecado mortal, os bancos não têm disponível este tipo de “numerário”... Se você pedir moedas então, será tomado como louco.
Bom, qual será então a saída para pagar contas? Se for no seu banco, é mais fácil, às vezes... porque também inventaram limites diários para pagamentos que inviabilizam pagar pela Internet ou com cartões bancários as faturas mais altas ou vários vencimentos num mesmo dia. Se for preciso pagar em outro banco, onde você não tem conta, só mesmo pela Internet e isso se não tiver ultrapassado o seu limite do dia... E se a pessoa não tiver acesso à Internet? Em palavras educadas, ela está perdida: condenada a pagar com atraso, com multas, etc, no dia em que finalmente puder ir ao próprio banco emissor do título, que geralmente é daqueles que têm poucas agências e/ou as filas mais infernais (CEF, BB, Bradesco, entre outros...).
Afinal, do que será que os bancos gostam? Será que é dos cartões, que eles mesmos emitem? Ledo engano: os cartões de débito de um banco não são processados pelos outros.
E os cartões de crédito, que eles promovem com tanto estardalhaço e que, de fato, são a forma mais moderna de se fazer pagamentos? Também não servem para pagar a eles mesmos. É isso aí, gente: os bancos não aceitam cartões de crédito para qualquer tipo de pagamento nas suas bocas de caixa! E ainda fazem campanhas com ótimos argumentos para convencer os lojistas a aceitar seus cartões e até mesmo seus cheques. É o cúmulo da cara de pau! Façam o que eu digo, mas não façam o que eu faço...
Pessoal da Febraban, vamos deixar de mentirinhas. Os bancos brasileiros têm hoje tecnologia suficiente para processar on-line qualquer pagamento e transferir de imediato qualquer valor de um banco para outro. Tanto é verdade que fazem as TEDs e o dinheiro passa direitinho, na hora, de um banco para outro. Se quiserem eles podem processar qualquer cartão, ou compensar na hora qualquer cheque, de qualquer valor, seja ele de que banco for. Em vez disso, ficam fazendo essas “espertezas” e outras, como reterem o crédito de cheques depositados de outro bancos, que ficam “bloqueados” na conta do depositante, mas já saíram na hora da conta do emitente. E reterem o dinheiro dos boletos emitidos pelos comerciantes que já foram pagos e quitados há dois ou mais dias pelos clientes, em dinheiro, naturalmente, pois não aceitam outra coisa.
Vamos ser francos, febrabânicos: os bancos não têm dificuldade técnica nenhuma, nem risco algum, neste caso... Querem é ficar com o dinheiro de muita gente de graça por uns dias, para emprestá-lo a outros por mais de 150% ao ano, certo? Do ponto de vista legal, se houver um dia uma fiscalização a sério dos bancos ou se o Ministério Público começar a olhar mais para eles... tudo isso (e outras tantas arbitrariedades, principalmente com tarifas...) pode virar razão de belos processos e multas caprichadas... E do ponto de vista de marketing, fiquem sabendo que de nada adiantam as campanhas milionárias dos bancos mostrando como são bonzinhos, simpáticos, com gerentes sorridentes, clientes com nome na fachada, etc... Essas imagens pré-fabricadas e já bem pouco críveis desmoronam na hora a cada vez que um cliente é vilipendiado, extorquido, enganado, mal-tratado por seu banco ou outro qualquer. Estejam certos que a escolha de um banco pelos clientes hoje se faz pelo “menos pior”. Isto não é marketing, é anti-marketing.
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