domingo, junho 11, 2006

muito ão e pouco talent. e o que é pior: a argumentação de quem acredita mesmo que é o melhor diretor de criação do brasil

Ão, ão... não! O Estadão não merecia isso...

Case relatado por Silvio Lefèvre com base em observação própria
(aqui irá o seu nome, quando o case que você relatar
for selecionado para esta coluna).

Prezado leitor,

Há empresas com as quais temos um relacionamento muito especial. O jornal O Estado de S.Paulo, para mim, é uma delas, e sob vários pontos de vista. Por um lado, como jornal em si, pois sempre o considerei como o melhor quotidiano do Brasil (e um dos melhores do mundo). Por outro lado, contribuíram para esta admiração os laços de amizade de meus pais com os irmãos Mesquita, particularmente com o falecido Alfredo, o teatrólogo, fundador da Escola de Arte Dramática e dono da histórica Livraria Jaraguá, onde se reunia a intelectualidade dos anos 40 a 60. Além disso, minhas primeiras “letras” foram artigos que escrevi sobre cinema, publicados no saudoso Suplemento Literário do Estadão. Pessoalmente devo muito aos Mesquita, talvez mesmo, sem exagero, a própria vida pois, graças à influência deles, fui libertado da prisão política, na ditadura, e pude rumar a salvo para a França.

Por essa razão, tudo o que diz respeito ao “Estadão” me toca de perto, em especial as campanhas de propaganda que têm sido feitas para este jornal que, a meu ver, só denigrem a sua imagem. Há alguns anos veiculavam-se campanhas em que, já não me lembro dos textos exatos, dizia-se algo como “Se você não entende isso, não sabe aquilo, precisa ler o Estadão”... Ou seja, chamava-se de ignorante o leitor potencial, aquele que se queria trazer para o jornal, na esperança de assim conquistá-lo... E, por tabela, rotulava-se também de ignorantes aqueles que já eram leitores e assinantes do jornal, pois se a propaganda dizia que era um jornal para ensinar quem não sabe... que outra imagem se poderia projetar de seus leitores?

Recentemente, contudo, a agência que cria para o jornal conseguiu bater todos os recordes de non-sense, levando ao ar uma campanha que me espanta ter sido aprovada pelo cliente. Fosse eu que estivesse lá no marketing do Estadão e recebesse essa idéia, a teria tomado como brincadeira de mau gosto e pedido que me mostrassem a campanha verdadeira, que devia estar escondida na pasta...

Trata-se de uma campanha que já começa com a dificuldade de nomeá-la porque o áudio do seu comercial é praticamente inaudível. Revendo várias vezes consegui decifrar algo como: “Inho, inho, inho, ão, ão, ão...... inho é preguiça, ão é contradição, é evolução, é discussão... é criação.... abre o bocão”... Em meio a tudo isso, imagens de seres pretensamente “modernos” ou “avançados”, fazendo caretas, piruetas, entre eles o diretor de teatro José Celso, fazendo o papel de um velho ridículo, em uma das piores performances de sua carreira. A única frase completa do comercial é o seu fecho, em que se diz que “O Estadão é o jornal de quem pensa ão”... Foi esta a grande criatividade da campanha: usar o aumentativo carinhosamente dado pelos leitores ao jornal para inventar uma charada psicodélica, que além de tudo é de extremo mau gosto. Este comercial é indescritível: só vendo para captar o seu total despropósito.

Eu, que sou do ramo, imagino o que os talentosos criativos devem ter querido dizer com isso. Deve ser algo como “O Estadão é moderno, é avançado, é corajoso”, ou “Quem é ‘bão’, lê o Estadão”, ou algo do gênero. Duvido, contudo, que se fosse feito um teste com o mercado potencial, alguém do público-alvo de longe percebesse essas brilhantes intenções dos criativos. Aposto que, numa discussão em grupo, a imagem que esse comercial deve passar é que o Estadão é um jornal de loucos.

Se a longínqua intenção era “popularizar” o jornal, desfazer a sua imagem de “sisudo” ou “de leitura difícil”, como explica o site da agência, os seus criativos derraparam várias vezes. Primeiro porque não se busca ampliar o público de um jornal (ou de um produto qualquer) ressaltando aquilo que ele não é. Se o jornal é sério, é consistente, tem densidade de informação, é isso que se deve destacar e não passar a idéia de que qualquer debilóide é capaz de apreciá-lo. Segundo porque um eventual tipo “modernoso” que se sinta identificado com este comercial psicodélico certamente não gostará do jornal. E terceiro porque os que apreciam o jornal jamais iriam se identificar com os espécimens humanóides apresentados no anúncio.

Já testei campanhas como essa em grupos, infelizmente na maioria das vezes depois que os resultados se revelaram péssimos e o cliente quis saber por que. E, quase sempre, o que se verificou é que as campanhas eram incompreensíveis, ou às vezes passavam a mensagem oposta àquela que o cliente desejava e a agência garantia...

São raras, contudo, as agências que têm a humildade de colocar suas talentosas “criações” à prova de um pré-teste sério com o público, antes de veiculá-las. Tanto porque há risco do consumidor detonar a sua pretensa criatividade quanto porque, geralmente, as campanhas são feitas na última hora e não se quer atrasar o faturamento... Acordem, amigos do Estadão! Nenhuma agência é dirigida por Deus! Tudo, mas tudo mesmo, precisa ser pré-testado, salvo aquilo que o seu bom senso já disser que deve ir direto para a lata do lixo.

Até a próxima!

Abraço,

Silvio Lefèvre


João Livi, Diretor de Criação da Talent, responsável pela campanha criticada na coluna, dirigiu ao jornal Propaganda & Marketing a mensagem abaixo (que reproduzimos inclusive com as variadas cores utilizadas pelo missivista):

Caro Senhor Mamute:

Nestes tempos modernos, de dar voz a todos, de apaziguar diferenças, de tentar entender o que cada um quer dizer, seria uma insensibilidade minha não me manifestar sobre sua coluna "Derrapadas do Marketing", no último Propaganda & Marketing. Senhor Mamute, como o senhor sabe, a extinção é o destino previsto e previsível de todas as espécies que deixam de se adaptar aos novos momentos. Meu papel, vendo o que lhe pode acontecer, é sem dúvida o de tentar salvá-lo.
Senhor Mamute, o senhor, que tem história a ponto de chamar jornal de cotidiano, termo há muito abandonado pelas espécies contemporâneas, demonstra ser absolutamente incomodado pelo novo, como sugere sua alergia pela campanha Pense Ão, do Estadão.
Precisamos mexer nisso se o senhor pretende continuar habitando este planeta. Minha sugestão é o senhor lembrar da comunicação praticada nas últimas décadas por jornais brasileiros. O tempo passa rápido, Senhor Mamute. Entre as pradarias onde reinavam os jornais heróicos que desafiavam a ditadura e o cenário hostil e gelado da Internet, os jornais, embora não tenham perdido nada em qualidade, perderam um pouco do seu charme.
O que aconteceu, Senhor Mamute, é que continuar a falar de jornal da maneira como o senhor gostaria perdeu o sentido, e não convence mais ninguém. Ora, se os jornais só melhoraram mas a imagem de seus leitores só piorou, é preciso um discurso inovador e peculiar, para que estes últimos sejam novamente valorizados.
As coisas de fato mudaram, o que incomoda espécies com menor poder de adaptação. O mundo, no entanto, não pára de se transformar porque a população de mamutes está confusa. Outra coisa: o senhor defende que nada, nenhuma campanha deve ir ao ar sem que seja pré-testada. Acaso é esta a moderna técnica que o senhor sugere para se conseguir ser assertivo em propaganda? Uau, temos um caso grave, então. Há muito e muito tempo, a pesquisa tem sido uma ferramenta muito importante na obtenção de informação, mas não para se apontarem caminhos criativos vitoriosos. Algumas das melhores campanhas do País, sucessos de público e crítica, jamais foram pré-testadas.Outros sucessos foram.Há campanhas que resultaram em fiascos pré-testados. E outras foram fiascos sem pré-teste. Conclusão: parece não haver razão direta entre pré-teste e sucesso.
Só mais uma coisa, Senhor Mamute: vi no seu site que as derrapadas de marketing citadas pelo senhor são baseadas, olha que bonitinho, em observação própria. Então, mais uma adaptaçãozinha necessária: modernamente, tal postura não isenta ninguém que queira ter credibilidade de tomar contato com a realidade, de dar uma olhada nos fatos. Do contrário, não se trata de crítica. Trata-se de ofender, de bater as tamanquinhas, de ter chilique, de chamar de feio.
O mundo evoluiu, Senhor Mamute. E os fatos são ­ talvez mais que nunca ­ importantes. Fatos como estes: 79 por cento de recall e 72 de aprovação da campanha.
E vamos só mais um pouco adiante: interessante o senhor chamar de debilóides algumas das pessoas que estão fazendo o Brasil neste momento, como a Negra Li, o Luciano Huck, a Fernanda Young, o Casé e o Zé Celso, que pode ser polêmico mas nunca se utilizou de um jornal para xingar o senhor. Saiba, que esses "debilóides" são novas espécies a habitar este planeta, com comportamentos diferentes, linguagem diferente, idéias diferentes e ferramentas diferentes. E eles vieram para ficar. Vou lhe dizer uma coisa agora, Senhor Mamute. Uma coisa que talvez lhe cause comoção. Mas só uma pessoa realmente interessada em seu futuro se daria ao trabalho de fazer tal revelação. Austregésilo morreu. Austregésilo, Juscelino, Guimarães Rosa, Nelson Rodrigues, Monteiro Lobato infelizmente não andam mais por estas terras. Vamos ter que nos virar sem eles. Mas estes ainda viraram livros, imagens, lendas, história, porque muitos de seus contemporâneos são hoje apenas fósseis sem nome em algum sítio arqueológico.
Senhor Mamute, uma última preocupação da minha parte: corrija urgentemente sua mania de aparecer usando o trabalho dos outros como escada. É uma técnica feia, que acaba mostrando que o senhor mesmo não tem muito o que dizer, ou que pelo menos ninguém se interessa pela forma como o senhor fala. Mas não é verdade, Senhor Mamute. Acredite . Em sua própria capacidade vive a sua chance de não ser extinto.

João Livi

Resposta do colunista Silvio Lefèvre à manifestação acima (publicada no jornal Propaganda & Marketing)

Bem que eu aconselhei os clientes, em meu artigo, a não tomar nenhum diretor de agência por Deus, porque alguns deles se julgam, sim, divindades, acima de qualquer crítica. E criticar as criaturas do Criador vira blasfêmia, castigada pelo Divino com a pior das infâmias no mundo contemporâneo: jogar o crítico no fosso da pré-história, chamando-o de “mamute”.

Não vou responder com o choque de gerações porque sei que, felizmente, as gerações mais novas que estão nas empresas têm os pés bem no chão e não rezam pela cartilha desses que se pretendem “iluminados” e acham que, por isso, nem precisam testar as suas campanhas... Afinal, eles já sabem tudo! Pesquisa pra que, pensam eles, se o cliente já aprovou a verba e bota fé no gênio que criou a campanha? O problema é que o diabo, que por dever de ofício não gosta de nada divino, com certeza vem puxar os pés do cliente à noite, quando a veiculação acabou e os resultados não chegaram.... “Como não?.... Olha só o recall!”, gritam os anjos guarda-costas.
E o cliente retruca: “Claro que dá um recall enorme.... uma besteira dessas podia não ser notada? Quero saber onde estão os meus resultados em vendas, em novos leitores e assinantes!”

As melhores respostas a essa auto-defesa exacerbada do Divino quem dá são os leitores da minha coluna, a maioria jovens (e menos jovens, mas ainda bem lúcidos!) executivos de empresas ou empresários e portanto não propriamente mamutes... É só checar o que eles dizem no meu site. Cito aqui só um depoimento, do Dr. Ithamar Stocchero, para se ter também uma idéia do efeito devastador de tais campanhas no mercado potencial desse anunciante. Brilhante colocação, Silvio. Já fui assinante do Estadão (assino o outro há décadas) e, a cada tanto, quando penso em retornar, fazem a gentileza de me comparar a um “xarope” ou “panaca”, o que me desestimula. De fato, melhor seria que motivassem a agregar conhecimento e cultura do que colocar que “você está por fora”. Já que estou, continuo.

PS do colunista: É inacreditável, mas é verdade. Na homepage da agência Talent há um box com uma foto que descobri ser do diretor de criação João Livi (pois não o conhecia) com o seguinte letreiro: Talent: A Melhor Agência e o Melhor Diretor de Criação. Clique aqui para ver.

Se alguém me contasse que um diretor de criação criaria uma página dessas, afirmando, seriamente (com foto e tudo), que ele é O MELHOR (do mundo, já que não limita o escopo...) eu ia achar que era brincadeira. Mas é verdade... ele se acha mesmo o diretor "da" Criação, ou seja, Deus encarnado... Prezados Julio Ribeiro e Eustachio, vocês que eu conheço há tempos, respeito pela seriedade e sei que prezam a imagem da sua agência, aceitem minha sugestão: mandem tirar correndo essa página daí... Megalomania pega muito mal com os clientes...


levar a sério uma titulação desta, conseguida através de um somatório de pontos, com variáveis indiretas, em mais uma premiação caça-níquel(como todos são) e não caça cabeça, faz qualquer um duvidar se há mesmo talent como antigamente na propaganda. por outro lado, esta mesma espécie de adeptos, cada vez verborragizam na elocubração de defesas de campanhas absolutamente sem defesas, mal que acometeu o joão livi, além da esgrima mamutar.

quando a campanha é boa não precisa de defesa, dizem que dizia o washington(defesa de campanha é coisa de atendimento piau e pseudo-planejador) o próprio júlio ribeiro já dizia que " nunca explique um comercial. o público não precisa e seus inimigos não vão acreditar ". portanto, o que tem que ficar claro é que a campanha do ão é uma campanha que não está a altura do melhor diretor de criação do brasil(sic) e muito menos da talent. acontece com as melhores agências e pronto. faz parte do negócio ou melhor fazia. o que faz parte agora é de um lado, a exarcebação de justificativas que não adiantam - ou a campanha pega ou não pega, não tem justificativa e elocubração - ou pesquisa seu sílvio - que resolva quando acontece o que aconteceu.

pra finalizar, do jeito que as coisas andam, talvez o melhor seja não ser o melhor: apenas eficiente( e, quando der, brilhante) que é o que muito cliente anda procurando e todo dia sendo engalobado com justificativas iguais a esta. o resultado vem na contramão com propostas de remuneração a altura das campanhas que são apresentadas na quase totalidade dos gastos(mediocridade, pulhice e haja covardia). e sendo assim,com campanhas destas, eu não me atreveria a criticá-los(os clientes por desacreditarem nas agências cada vez mais).

a publicidade literalmente está na merda por culpa mesmo dos próprios publicitários que estão mais preocupados com os adjetivos do que com o verbo ou seria as verbas ?

Nenhum comentário: