Um vilão
do cinema tem o mesmo discurso dos livros de autoajuda e management
O cinema
acumula uma notável galeria de psicopatas. Robert de De Niro viveu
Travis Bickle em Taxi Driver, de 1976, dirigido por Martin
Scorsese. Jack Nicholson interpretou Jack Torrance emThe Shining, de
1980, realizado pelo mestre Stanley Kubrick. Christian Bale deu vida a Patrick
Bateman em American Psycho, de 2000, dirigido por Mary Harron.
Jake
Gyllenhaal agora acrescenta Louis ‘Lou’ Bloom à seleta lista. Em Nightcrawler,
filme dirigido por Dan Gilroy, o ator interpreta um larápio que descobre por
acaso sua verdadeira vocação: rodar pela cidade à noite, com uma câmera de
vídeo, ouvindo a frequência da polícia e capturando imagens de crimes e
acidentes, para vendê-las a noticiários sensacionalistas.
Invasivo e amoral, Lou cai nas graças de Nina Romina
(Rene Russo), diretora de tevê obcecada por aumentar a audiência de seu
telejornal. Nina o incentiva a buscar cenas cada vez mais chocantes. A dupla
não é detida pelos usos e costumes já flexíveis do sensacionalismo midiático.
Lou movimenta um cadáver para tornar uma cena mais fotogênica e sabota o
veículo de uma empresa concorrente, causa um acidente e filma em seguida o
resgate de seu competidor.
As
idiossincrasias da sociedade do espetáculo e a indigência moral da mídia já
foram exploradas em outras obras, como o superior Network, de 1976,
dirigido por Sidney Lumet, o polêmico Natural Born Killers, de
1994, dirigido por Oliver Stone, e o recente Gone Girl, de 2014,
dirigido por David Fincher. Nightcrawler tem ritmo de thriller e
captura o espectador do começo ao fim, com diálogos cínicos entremeados com
cenas de ação. Entretanto, não acrescenta muito à perspectiva crítica mostrada
por seus antecessores.
O segredo do
filme é o personagem interpretado por Gyllenhaal. Lou é um psicopata com MBA.
Gilroy, que também assina o roteiro, parece ter se inspirado em livros de
autoajuda e management para escrever as falas de Lou. O
personagem soa como uma mistura de Stephen Covey, autor de Os 7 Hábitos
das Pessoas Altamente Eficazes, e os gurus de gestão Michael Porter e Peter
Drucker.
No início do
filme, depois de roubar tampas de bueiro e cercas para vender a um sucateiro,
percebe uma oportunidade de trabalho e vende a si mesmo como se fosse um
assíduo leitor da revista Você S.A.: ressalta sua motivação, sua
orientação para resultados e sua capacidade de aprendizagem. Lou não se vê como
desempregado, apresenta-se como empreendedor em transição de carreira.
Diante da oportunidade de comercializar
cenas com acidentes, incêndios, esfaqueamentos, tiroteios e cadáveres, analisa
a oportunidade, identifica suas forças e fraquezas pessoais e estabelece um
plano de negócios, baseado em suas competências centrais. É cortês e cordial
com todos, exibe sorriso de consultor e olhar confiante e penetrante. Está
destinado a vencer!
Lou pesquisa
metodicamente o ambiente de mercado de seus contratantes, identifica o
potencial e as vulnerabilidades. A Nina, ele oferece parceria nos negócios e na
cama. A ideia de que seu trabalho é imoral ou avança os limites da lei não
passa pela cabeça de Lou. Ele tem foco e energia, características essenciais
dos líderes, segundo pesquisa divulgada na Harvard Business Review.
Lou tem um jovem assistente, Rick, contratado com
salário de fome, o qual explora e trata duramente. Em uma cena marcante do
filme, diante de um projeto de alto risco, que pode levar seus negócios a outro
patamar, Lou propõe promover seu assistente a vice-presidente, induzindo-o a
pleitear um aumento irrisório de salário. Quando constata que caiu em uma cilada,
Rick, o recém-promovido, questiona Lou, acusando-o de não ter foco em pessoas.
O diálogo é hilariante: enquanto Lou emula os gurus de gestão, Rick incorpora o
meloso discurso pseudo-humanista de diretores de recursos humanos.
Não há traços de ironia nas falas de
Lou, o que as torna ainda mais parecidas com conversas e discursos ouvidos nos
corredores corporativos, e, por isso, ainda mais apavorantes. Aforismos
inspiradores, saídos da boca de um cordial psicopata, provocam frio na espinha
de quem ouviu as mesmas platitudes de empresários e especialistas em gestão. O
currículo de Gilroy indica que ele se graduou no prestigioso Dartmouth College.
Terá cursado a escola de negócios?
(psicopata com mba. do thomaz wood jr, na carta capital)
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