terça-feira, outubro 28, 2008

antes da falta de talento, a falta de ética e caráter. depois não querem que o negócio entre em crise

A reticência do consumidor em relação à propaganda vista nos dias de hoje já era sinalizada no final da década de 1980 através do livro “Consumidor versus Propaganda", de Gino Giacomini Filho, que ganha sua quinta edição revista e atualizada esse mês pela Summus Editorial.

No livro, o professor de Publicidade e Propaganda da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) aborda a influência da propaganda no contexto brasileiro, examinando aquilo que chama de "consumerismo", movimento social que defende os interesses dos consumidores. Em sua opinião, a publicidade está mais desacreditada perante o público por conta de consecutivas peças abusivas, enganosas ou irrelevantes.

Isso explicaria, em parte, o sucesso de leis como "Cidade Limpa", em São Paulo, que proibiu a publicidade em espaços públicos, ou a queda no investimento em publicidade. "No final dos anos 80, a publicidade representava 65% da verba de comunicação de uma empresa. Hoje, está próximo dos 40%", conta. Em entrevista ao Mundo do Marketing, Giacomini explica este fato e recomenda que as agências e anunciantes revertam esse cenário criando campanhas com foco no consumidor.

É verdade que o consumidor não acredita mais na propaganda?
Não, não é verdade. O consumidor está reticente em relação à propaganda. A pesquisa que fizemos proporciona uma nota de 6,5 da propaganda. Foi aprovada, mais é uma nota relativamente baixa. O que teve maior impacto foram os itens estéticos e a qualidade da propaganda, que teve uma nota melhor. O que deixou a desejar foi a parte ética porque o consumidor acha que a propaganda é evasiva e que muitas vezes é abusiva e enganosa.

A pesquisa foi feita especificamente para o livro?
Sim. Foi feita em São Paulo com consumidores e preenche a necessidade de obter indicadores mais objetivos para entender qual a percepção que as pessoas tinham com relação ao trabalho ético e de responsabilidade social da propaganda.

Quais as alternativas que a propaganda deve buscar?
Seria necessário que os agentes publicitários se empenhassem em veicular anúncios que não contivessem conteúdo abusivo ou enganoso. Claro que o dispositivo vem sendo trabalhado pelo CONAR e é anunciado no Código de Defesa do Consumidor, mas isso ainda acontece. Isso faz com que o consumidor tenha uma resistência em relação à propaganda.

O que configuraria uma propaganda enganosa ou abusiva?
Enganosa é aquela que mente, induzindo o consumidor ao erro. Por exemplo, quando uma marca diz que determinado leite tem uma certa vitamina.

Isso ainda acontece nos dias de hoje, com a atuação de órgãos reguladores e com a existência de um consumidor mais informado?
Sim. O que o ocorre é que a forma de enganar se sofisticou, está mais sutil. Vemos anúncios que sugerem determinadas propriedades que o produto não tem. Ou quando omitem informações, como juros e outros tipos de prestação.

O consumidor consegue discernir uma propaganda enganosa ou não?
Existem aspectos que podem ser observados na propaganda, que o consumidor pode se defender. Por exemplo, quando a propaganda omite que determinado produto tem ingredientes transgênicos, o consumidor não tem meios para testar, se defender dessa informação.

Se você pega um contingente mais popular da população com menor instrução, o nível de observação é ainda menor. O mesmo pode-se falar em relação às crianças.
Há consumidores com universos cognitivos diferentes, portanto, dizer que todo o consumidor é consciente em relação à propaganda não é algo razoável. Por isso, é importante avaliar o impacto de anúncios não apenas com o público-alvo, mas com outros que possam ser atingidos pela peça também.

O modelo de branded content pode enganar o consumidor?
Esse modelo surgiu em parte pelo fracasso da propaganda tradicional em atrair atenção ou gerar audiência. O que temos visto é uma padronização negativa, onde tudo está tendo uma qualidade insatisfatória, gerando depreciação na audiência dos comerciais.

Então a publicidade precisou encontrar outros espaços, o que inclui o merchandising, os infomerciais e esses programas de branded content. Mas isso às vezes acontece de forma enganosa, com informações que não são relevantes para o consumidor ou se perde no consumismo. Ela só pensa em vender, sem prestar serviço ao consumidor. Isso faz com que o consumidor rejeite também esses novos formatos de publicidade.

Tirando a propaganda, você vê outras formas de Marketing abusivas?
Uma delas é o telemarketing, que muitas vezes desconsidera o estilo de vida do consumidor ou mesmo o momento pelo qual ele está passando. O mesmo acontece em relação aos e-mails. A própria mídia, como as telenovelas, também, com uma programação que tenta vender, persuadir as pessoas. Quando o próprio setor de jornalismo tenta persuadir o leitor é preocupante, gerando uma perda de credibilidade como veículo de comunicação.

O que pode acontecer nos próximos anos em relação a esse cenário?
Há dois direcionamentos. É preciso questionar por que a publicidade é vista como invasão em diversos meios. A propaganda só vai ser aceita totalmente se ela prestar serviços éticos a sociedade. Quando a sociedade perceber isso, ela aceitará a propaganda. Ao contrário, será vista como invasora e será expulsa como aconteceu com o Cidade Limpa. O que aconteceu em São Paulo é uma sinalização do que pode acontecer em outras regiões e com outros formatos de publicidade.

O outro lado dessa questão é o negócio publicitário. Quando escrevi esse livro, em sua primeira edição, lá no final dos anos 80, a propaganda tinha uma participação de 65% dos investimentos promocionais. Hoje, está próximo de 40%. O que levanto nessa edição atualizada do livro é que um dos responsáveis por esse decréscimo é o concorrente ético. Na primeira edição, eu já dizia que a propaganda abusiva ou antiética criará resistências adicionais no consumidor, eliminando sua eficácia. As agências focam muito no lado do cliente e dão as costas ao consumidor.

O investimento em outros canais, como o varejo, e surgimento de novas formas de comunicação, como o Marketing Digital, também é um fator a se considerar, não?
Sem dúvida. A fragmentação da mídia e da audiência é outra razão. Não sabemos o peso do fator ético na descrença da propaganda, mas é sem dúvida um dos ingredientes que leva a isso.

No último Congresso de Publicidade houve uma postura muito defensiva por parte da propaganda, dizendo-se censurada. Algumas acusações são levianas ou aumentadas, mas o setor precisa sim se empenhar na questão ética por uma questão de competitividade.

Como as agências podem trabalhar para o cliente, sem trair o consumidor?
A propaganda deve ser análoga ao Marketing, tendo foco no cliente. No trabalho com o anunciante, isso pode funcionar de uma forma limitada, mas todos os agentes publicitários, principalmente o cliente, devem ter essa consciência. Se não, corre-se o risco de comprometer as vendas e, conseqüentemente, o negócio do cliente. O que se vê na publicidade, por exemplo, é o uso de humor sem aderência com a eficácia da propaganda ou com o uso de conteúdo que valoriza o anunciante, mas não prestam serviço ao consumidor, que acaba filtrando essas informações até um ponto em que fica insensível à persuasão publicitária.

A propaganda precisa ser encarada como prestadora de serviço, tendo foco no consumidor, que é justamente atendê-lo bem. A publicidade será melhor aceita se ela mostrar ao consumidor que agregou algo ao seu estilo de vida.

(Publicidade precisa focar no consumidor para recuperar credibilidade, do guilherme neto, com reportagem do bruno mello, para o mundo do marketing)


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