quinta-feira, outubro 23, 2008

passe bem, você também

Temos na publicidade lugares-comuns tão clássicos que parece que viraram regras. Do ponto de vista de alguém paranóico e obsessivo por gostar das coisas como elas efetivamente são, isso soa o equivalente a um conformismo e uma falta de criatividade medonhos. Transmite a sensação de que a regra é essa e não pode ser diferente. Senão vejamos:

Margarina no café da manhã - Nunca chove, nunca ninguém acorda chutando o balde e/ou o cachorro, marido e esposa estão em irritante estado de harmonia, as crianças indo para a aula em êxtase de contentamento (nada mais falso), mesa posta como se fosse em um hotel e não tem empregada; nenhuma cara de sono, nenhum sinal de mau humor, a cozinha está limpa e sem bagunça alguma. Como se todos os lares fossem, ou devessem ser assim.

Lançamento de carro - O carro passa por uma rodovia perfeita, sem nenhum buraco ou remendo, acostamento impecável, em meio a um bosque em dia de sol e no detalhe da tomada junto ao solo, ele levanta aquela nuvem de folhas secas. Quantos VT´s de lançamentos de carro v. viu com esta clássica cena? E quando a cena é urbana nunca tem flanelinha.

Boazuda da cerveja - Cerveja emagrece, combate a celulite e deixa as mulheres muito mais gostosas. Verdadeiro? Falso? Para a publicidade, coluna um na cabeça. Nunca veremos gente gorda bebendo cerveja nos comerciais, tudo sempre será associado a corpos lisinhos e sarados e - outra vez - num clima de bom humor inaceitável. É aquele bom humor, forçado, bobalhão, beirando o ridículo. Significa dizer que ninguém nunca entrou num bar e pediu uma cerveja porque estava de baixo astral - justamente por causa disso.

Dinheiro para quem não precisa - Vamos experimentar agora as propagandas de bancos, os caras chegando nas mesas dos gerentes para pedir empréstimos estourando de alegria, como se estivessem ali para buscar um prêmio e não um empréstimo que vai ferrar o comprometimento de renda deles nos próximos meses ou anos. Os tomadores de empréstimos, quando vão aos bancos, é porque estão argolados. Argolado ri e festeja? Não, argolado tem cara de estressado em todo mundo. Menos nos comerciais dos bancos.

Shampoo com cabelos lisos - Essa aqui é tão antiga quanto clássica. "Vocês lembram da minha voz? Continua a mesma, mas os meus cabelos, quanta diferença!!!" Este é o bordão da famosa propaganda da Colorama, que tem um dos maiores índices de lembrança da publicidade brasileira. Pois bem, propaganda de shampoo tem aqueles cabelos lisos que a modelo joga de um lado para outro, que só que tem aquele tipo de cabelo consegue fazer. E olhe lá. Estou esperando um comercial de shampoo com cabelos pixaim e com gente feia, quer dizer, ´normal´. Espero sentado.

Gente feia na publicidade - Não existe, ou melhor, só existe em temasligados à agricultura. Reparem comerciais de tratores, defensivos
agrícolas, colheitadeiras. Daí escalam pessoas ´normais´, com rugas, cabelos desarrumados, roupas comuns. Quer dizer que quem trabalha na agricultura tem a aparência maltratada pela lida no campo em seu dia-a-dia.

Idosos na propaganda - Para efeitos de cosméticos, perfumes, relógios, carros, bebidas, calçados eles simplesmente não existem. Só valem para conservante de dentadura, spas, hotel-fazenda, produtos que disfarcem cabelos brancos, remédios para memória e fundos de aposentadoria.

Filme americano - Esse lugar-comum não é publicitário, mas tem um encaixe obrigatório em filmes que mostrem pessoas passando por aeroportos. Puxe pela memória e tente lembrar quantos e quantos filmes apresentaram aquela famosa cena do avião pousando com o detalhe da filmagem (take) nas rodas largando a nuvenzinha de fumaça emborrachada e com o clássico barulhinho? Foram às centenas. Nunca consegui encontrar uma explicação plausível para isso.

PS: TESE DO "PASSE BEM" - Lembram que num dos artigos anteriores eu comentei uma interpretação diferenciada do "passe bem"? Minha tese é de que quando concluímos algo com esta expressão, seu significado nada mais é do que um ´vá à m....!!´. Só que, por interferência direta do politicamente correto, dizemos "passe bem".

A colunista Juliana Wosgraus nos dá um exemplo, mais um. Em um dos posts no seu blog no www.diario.com.br ela manda recado para uma chata ou chato que tenta publicar comentários em seu blog protegido pelo anonimato e se intitula Boldo Quaresmim. Vejam só o final do texto dela:

"A gente não pode escolher os leitores que tem, mas dona Bolda, sugiro que não leia mais este blog e muito menos perca seu tempo mandando seus comentários xulos pra cá. Não leio mais o que você escreve, ao ver seu nome eu deleto em seguida, portanto, não perca seu tempo e nem o meu. Apenas passe bem".

(lugares comuns, do marcos heisse)


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