quinta-feira, março 29, 2007

responsabilidades & irresponsabilidades


“Nem parece banco”. Esse slogan esteve em todos os principais canais de TV nos últimos meses. Com muito orgulho e galhardia, uma das maiores instituições bancárias do Brasil diz ser tão boa para seus clientes que nem parece um banco.

Seria algo como o padeiro da esquina dizer “olha, eu vendo um pão tão saboroso que nem parece pão”, ou o vendedor de esterco afirmar que seu produto nem parece esterco.

Está aqui o reconhecimento de que a instituição bancária é uma coisa tão abjeta, tão deplorável, tão maligna, tão podre e lastimável, que nega sua própria natureza quando necessita divulgar-se para manter-se viva. Uma viçosa porcaria que cresce cada vez mais no centro da cidade, um grande monte de esterco (o que mais se pode pensar de um prato de comida que nem parece comida?!).

Disseram-me que o município paulista de Barueri é um dos quatro que mais arrecadam impostos bancários no país. Tem lógica? Imagine a seguinte situação: um grupo de instituições bancárias faz um acerto com determinado município para que este reduza drasticamente o imposto sobre serviço bancário. Em troca, todas essas máf... digo, todas essas instituições registram suas sedes nesse município, pagando aproximadamente 1.000% a menos do que normalmente pagariam. E os municípios sedes das agências bancárias ficam sem o seu quinhão de impostos. Alguns deles já estão reivindicando milhões em ressarcimento.

Al Capone foi preso por sonegar impostos. Por que os nossos juízes não põem na cadeia esses mega-sonegadores brasileiros?

A estrela da fotonovela anuncia um iogurte com fibras e garante que em 15 dias todo e qualquer resíduo acumulado entre as dobras intestinais será dado à luz, e o fluxo natural será regularizado. Ela não diz se será necessário continuar ingerindo tal produto para manter o intestino obediente, mas garante que funciona, e se não funcionar a fábrica devolve o dinheiro investido.

Diga-me, leitor, como um indivíduo poderá provar que o artifício não funcionou? Ele terá de filmar a ingestão de todos os iogurtes. E depois, como comprovará que não deu certo? E o fabricante, como poderá averiguar se funcionou, ou certificar-se de que não funcionou? Poderá, quem sabe, designar uma equipe para acompanhar o consumidor em suas idas e vindas ao banheiro. Mas e se na hora ele simplesmente resolver segurar o cocô?

Pode parecer de mal gosto, leitor(a), mas você há de convir, que as questões acima estão no cerne da nossa civilização. Precisam ser discutidas e resolvidas, se quisermos continuar andando. A mentira faz parte da instituição da propaganda, enojo-me e concordo, mas há uma grande diferença entre dizer que tal shampoo impede a queda de cabelo e afirmar que este banco é algo melhor que banco, ou que aquele remédio ou iogurte é capaz de dissolver as conseqüências naturais do estresse e da tristeza.

(crônicas escatológicas do chico guil, para a carta capital, que está quase fechando, talvez por conta da falta de propaganda mesmo)


Ao longo do tempo, tenho - muitas vezes - defendido a propaganda como a forma mais honesta de comunicação de massa. Muitos estranham isso, em especial os que tendem a adotar opiniões e atitudes politicamente corretas sem mesmo refletir sobre elas.

Embora tenham surgido - recentemente - muitas outras formas de comunicação com o mercado, o anúncio tradicional - tanto impresso como os que são veiculados pelos meios eletrônicos - costuma consistir de uma mensagem comercial assinada pelo anunciante, que paga por ele, e é claramente identificável como propaganda. Depois de mais de um século de propaganda comercial veiculada pelos meios de comunicação de massa, duvido que haja uma só pessoa adulta, que resida em área civilizada, que não seja capaz de reconhecer e identificar um anúncio.

Nessa forma característica - muito mais do que através do conteúdo - é que a propaganda proclama que é propaganda e que pretende tentar persuadir, a quem quiser tomar conhecimento da sua mensagem, a comprar algum bem ou serviço.

Nessa linha de argumentação, tenho o sentimento de que também cabe a quem anuncia o seu produto ou a sua marca a responsabilidade pelo que contem a propaganda. Alguns exemplos familiares: se aquele grande supermercado, que se diz barateiro, só tem preços baixos em meia dúzia de itens e o resto custa bem mais que a média dos preços praticados pelo mercado; se aquela instituição bancária não atende a todos os clementes com a gentileza e a solicitude demonstradas no comercial de TV; se a operadora de telefonia celular não pratica, no dia-o-dia, as tarifas apregoadas na campanha; se aquela instituição de ensino não entrega aos seus alunos a educação de qualidade prometida nos cartazes - a quem cabem as culpas?

Isso tudo pode parecer meio óbvio, especialmente numa publicação especializada como este Caderno (Propaganda & Marketing).

Mas acho que são aspectos que valem a pena repassar, quando transitam pelo parlamento centenas de projetos de lei visando o cerceamento da propaganda e os publicitários enfrentam crises diárias de consciência e de identidade - além da econômica.

Outra questão a considerar são as enormes pressões por que passam os responsáveis pelas decisões de mercado - e de comunicação - nas empresas anunciantes, para que apresentem resultados financeiros cada vez mais espetaculares para os seus acionistas (e leia-se nesses "acionistas", também, cada vez mais pessoas jurídicas e menos físicas). Como a matemática é atividade que não se deixa afetar ideologicamente, mais lucros só podem advir de gastos menores acoplados a receitas maiores - coisas também que se tornaram extremamente difíceis de conseguir através de meios honestos...

Esse é um problema sério, que devem encarar com objetividade os profissionais de comunicação - uma atividade-meio por excelência

(j. roberto whitaker penteado, já há algum tempo)

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