“A Rita Torres Baptista, directora de comunicação do BES, pergunta-me se podem (presumo que o BES) contar comigo nos próximos 10 anos.
Claro que podem desde que se portem bem e me tratem com deferência, simpatia e profissionalismo. Se cumprirem os prazos combinados, se tiverem interlocutores inteligentes com quem eu possa conversar e sobretudo se souberem ouvir, podem contar comigo. Se souberem aconselhar o melhor para mim, que eu não sou de discutir e casmurrar sobre assuntos que me ultrapassam, se não me mentirem, se não me roubarem ou enganarem, se me atenderem o telefone, se me fizerem o ocasional favor que não estava combinado ou era esperado fazer, se ainda existirem e se os vossos preços forem no mínimo mais em linha com os do mercado (que eu não me importo de pagar premium se o serviço for premium), então podem continuar a contar comigo como cliente do BES. Aproveitando para responder à pergunta do João Wengorovius — onde é que vai estar o Pedro Bidarra daqui a três anos? — direi que não sei onde é que vou estar daqui a três anos mas sei onde vai estar o meu dinheiro.
A não ser que o cenário imaginado pelo meu concorrente e ex-cliente Miguel Barros se verifique. Diz ele — Imagina (…) que nenhuma agência te quer e não tens dinheiro para criar uma de raiz. Contudo, todas as empresas/ organizações nacionais te querem como seu director de marketing. Em que empresa ou sector trabalharias, o que farias diferente do padrão da função, com que parceiros consideravas trabalhar (BBDO não conta!).
Obrigado Miguel, sempre soube que me querias bem.
Mas a pergunta é interessante, vamos lá então tentar responder. Em primeiro lugar não sei se director de marketing será o cargo mais adequado ao meu perfil. Depois de ter sido director criativo, director-geral e COO de uma empresa que se mantém há 10 anos na liderança de um mercado tão competitivo e de tão difícil gestão como é o da comunicação comercial, voltar para baixo na carreira não era o que eu estava a ver-me fazer. Como grande gestor lusitano estava-me antes a ver ser convidado por um amigo para me sentar no conselho de administração de uma grande empresa com o pelouro do marketing e comunicação institucional, ou mesmo num cargo muito bem remunerado de administrador não executivo. Uma coisa à portuguesa.
Mas enfim, imaginemos que estou na rua da amargura e que não tenho onde cair morto como tão gentilmente o Miguel Barros agoira.
O sector que melhor conheço como gestor e como criador é o da comunicação e o dos conteúdos, seria portanto sempre uma escolha óbvia se pudesse escolher. Mas também faria com o mesmo à vontade banca, telecomunicações ou pensos higiénicos.
Quanto ao modo como desempenharia a função de director de marketing, ou melhor, de cliente, que é como a espécie é conhecida nas agência, fá-lo-ia seguindo os bons exemplos que foram alguns e evitando os maus que foram muitos, devo dizê-lo com toda a honestidade.
Conto-te uma história que é um bom indicador de como seria como cliente.
Uma vez quis fazer uma casa de férias. Tinha o terreno e fui falar como o grande, moderno e talentoso arquitecto Manuel Mateus, que é amigo da rua do tempo dos Olivais, a pedir-lhe, imagine-se, que me arranjasse um arquitecto. A razão é que eu queria uma casa “normal” de férias e não uma extravagância criativa. Estava com medo de ter alguma coisa “muito criativa” e desconfortável. Ora o Manuel Mateus, fingindo-se ofendido perguntou-me porque é que eu não fazia com ele, ao que eu respondi que era apenas uma casita e que achava que ele só fazia museus e grandes obras. Ele respondeu-me que não, para lhe dar um brief e se gostasse fazíamos a casa, se não gostasse não fazíamos.
Eu anui mas continuei com algum receio da extravagância criativa (há sempre algumas áreas onde somos conservadores) e por isso escrevi um brief. Um brief que abordava tudo o que eu queria da casa, e não na casa.
O que eu queria ouvir e sentir na casa, como é que queria que os meus hóspedes estivessem, o que esperava fazer enquanto lá estava e os meus medos e receios como cliente. O brief acabava com a frase “… quero viver numa casa que se pareça com uma casa, não um museu”. Tinha escrito tudo ou quase tudo pois quando fui apresentar o briefing o Manuel disse-me que — … estava tudo muito bem mas concretamente quantos quartos, casas de banhos — e outros importantes detalhes que condicionam a obra e que eu tinha deixado de fora; os dados do briefing propriamente ditos. Ora o Manuel Mateus umas semanas depois, e depois do proverbial adiamento criativo devido a um qualquer problema com a impressora, apresentou-me uma proposta genial, uma obra prima, que não só respondia a todos os dados do briefing, como pegava nos meus constrangimentos e os transformava numa experiência estética única. Era uma casa que parecia uma casa como eu tinha pedido no brief.
Era assim que eu seria como cliente: escolher os melhores sem medo do seu génio ou visão e tentando dar-lhes os melhores, mais claros e inspiradores briefings possíveis.
Mais difícil era escolher com quem trabalhar hoje. Vamos deixar essa parte para quando tiver que acontecer, mas uma coisa é certa, não conseguiria trabalhar com aldrabões, bluffistas e gente que mete dinheiro ao bolso. E esses eu sei quem são.
Olha com quem eu gostaria de trabalhar era com o Albano Homem de Melo mas esse teve o juízo suficiente para se estabelecer por conta própria e fazer, de modo brilhante, o marketing do H3.
Pergunta o Albano:
— Depois de tantos anos a seres o melhor publicitário português já conseguiste uma explicação para o facto de neste negócio de compra e venda de ideias, onde as boas são um bem raro, serem as más a ter muito maior procura?
Infelizmente não é só aqui é em todo lado. Se bem que cá na terra seja aflitiva a quantidade de dinheiro desperdiçado em comunicação que não faz aquilo para que foi feita, i.e. comunicar. As razões são muitas, como sabes, e a primeira é filosófica.
Não há o bom sem o mau. Sem o mau o bom não se distingue, não sobressai, não brilha. É como quando se assiste à shortlist em Cannes e de repente filmes óptimos, brilhantes, empalidecem e rapidamente passam a maus perante outros que brilham ainda mais. Os bons agradecem aos maus a sua brilhante existência.
Depois é preciso compreender a função de director de marketing ou PM numa organização. Estamos a falar de uma função intermédia; as pessoas que a desempenham raramente lá querem ficar muito tempo pois têm carreiras para prosseguir. Ora como o resultado da função se vê muito, é muito público e a maior parte dos carreiristas tem compreensivelmente medo que a visibilidade seja a errada optam por não arranjar chatices que é optar por ideias más que normalmente tomam a forma de ideias desenxabidas, sensaboronas e sobretudo convencionais. Curiosamente os melhores directores de marketing, os inteligentes os que arriscam e com isso ganham visibilidade para continuar com sucesso as suas carreiras, são os que lá ficam menos tempo.
E depois há organizações que acham que o consumidor é profundamente estúpido e deve ser tratado como tal. Essas são as que fazem a publicidade estúpida que o consumidor em casa comenta dizendo “que anúncio mais estúpido”.
Enfim caro Albano, há milhares de razões para fazer mal e milhares de razões para que uma ideia, mesmo boa, se torne má. São tantas as razões que quase acredito que a única razão para que uma boa ideia seja comprada e produzida é a existência de um cliente inteligente, competente, corajoso e de elevado sentido estético. Enfim um milagre.
E falar em milagres leva-nos ao Pedro Cruz que aprovou e mandou produzir as campanhas do azeite Gallo e que me pergunta:
— Qual foi o seu melhor colaborador a nível criativo? Com quem é que aprendeu mais na sua carreira (até agora)?
O melhor foi o José Heitor que foi o director de arte que mais e melhor me completava. O José tinha tudo o que eu não tinha e ainda a mesma obsessão e amor ao detalhe e ao trabalho. Era à sua maneira uma pessoa excessiva como eu, e como eu não vinha dessas escolas que deformam pessoas absolutamente normais e às vezes inteligentes em publicitários através do ensino de sucata intelectual. Não, o José Heitor aprendeu artes gráficas antes dos computadores como eu aprendi a escrever antes dos psicopedagogos tomarem de assalto o Ministério da Educação e estragarem geração atrás de geração de alunos. O resultado é que nenhum de nós pertencia à geração de “publicitários” amigos. Isso tornou-nos outsiders e por isso mais competitivos.
O José Heitor como eu, nunca desistiu de aprender e até hoje é o que mais sabe da técnica da direcção de arte. Tínhamos ainda em comum raízes no mesmo Alentejo o que nos permitia, sem qualquer embaraço, dormir uma boa sesta.
E ainda por cima era (e é) uma pessoa boa.
Com quem mais aprendi não sei. Eu aprendo com toda a gente que tem coisas para ensinar. Aprendi com o Bonnange e o Wisendenger, B e o W da TBWA respectivamente planeamento estratégico e direcção de arte, aprendi com o Cristopher Bochman, o meu professor de composição a compor e que ser criativo dá trabalho, aprendi epistemologia e a pensar melhor com o professor Pina Prata na Faculdade de Psicologia, aprendi e aprendo sobretudo com os livros e aprendo todos os dias com o João Wengorovius.
E aprendi com clientes os seus negócios e hoje graças a eles e a esta profissão sei do negócio do azeite, dos telemóveis, dos automóveis, da banca, da distribuição e da energia e da política, entre outros.
E política é a deixa (embora forçadita) para enfiar no correr do texto a pergunta do meu amigo e cliente pro bono José Sá Fernandes, que muita falta faz à cidade de Lisboa. Pergunta o Zé “que slogan ou frase utilizaria para definir o mandato de Pedro Santana Lopes na Câmara Municipal de Lisboa?”
Na verdade para definir o Santana, o seu mandato e tudo o que ele representa na política não usaria uma frase mas antes uma imagem:
Ao contrário do Santana, a pergunta da minha estimada Isabel Calado é séria:
— Como vê a evolução da relação entre a agência e o cliente à luz do actual contexto? Quais são as maiores dificuldades que sente junto dos clientes?
A maior tensão hoje na relação com os clientes é sem dúvida a remuneração. Ainda há pouco tempo tivemos acesso aos números das agências e o panorama é aberrante. Há agências com operações deficitárias, há agências com passivos de milhões de euros e há agências a viver de negócios financeiros como se fossem sociedades financeiras em vez de viverem do que fazem que é criar conteúdos de comunicação comercial. O sector não está a cobrar o que deve e os clientes estão dispostos a pagar só gato. Ora sem a justa remuneração não é possível atrair o talento, a competência e a qualidade.
Na BBDO, e desde a liderança do João Wengorovius, temos procurado com sucesso ser remunerados pelo trabalho e pelos resultados do nosso trabalho no negócio dos nossos clientes, apesar de uma concorrência que escolhe fazer dumping e viver das aparências de sucesso em vez do sucesso propriamente dito. O maior problema é pois o do valor que nós criamos para o negócio dos nossos clientes e que é poucas vezes justamente recompensado.
Problema tanto maior quanto actualmente é necessária ainda maior competência e talento para trabalhar em multiplataforma que é o que o contexto pede face à fragmentação da media. Fragmentação que tornou o consumidor mais esquivo do que alguma vez foi e mais poderoso na edição do que quer e não quer ver e ouvir. A única resposta para uma comunicação eficaz neste contexto é mais e melhor talento, um talento holístico solidamente formado, culto e por isso ainda mais raro e ainda mais caro. O grande desafio para as empresas de comunicação é ter ideias, ideias que viajem em multiplataforma e que sejam procuradas pelo consumidor. O grande desafio para as marcas é encontrar quem seja capaz de criar estas ideias. O desafio de cliente e agência juntos é tornar a relação vantajosa para ambos.
A próxima pergunta vem do Diogo Anahory que primeiro preambula e depois questiona: — Pedro, a BBDO formou, ao longo destes 10 anos, alguns dos profissionais que hoje são directores criativos noutras agências. No dia em que deixares a agência, não há o risco de a deixares órfã?
Oh meu caro Diogo, a BBDO existia antes de mim e existirá depois de mim. Eu não sou nem mãe nem pai dela para a deixar órfã nem sequer o meu nome está na porta para assombrar o meu sucessor. As pessoas que como tu trabalharam comigo e resolveram sair (e não foram só directores criativos, foram planeadores estratégicos, foram directores de contas que hoje são directores gerais, foram produtores que hoje estão por conta própria…), fizeram-no porque cresceram para além da função que a organização tinha disponível para elas. No dia em que eu sair, a BBDO resolverá a situação contratando alguém para o meu lugar e a vida continuará sem dramas, ou melhor, com os dramas do costume. A BBDO é uma marca forte que com certeza continuará em Portugal enquanto achar que este mercado vale a pena. A verdade é que se a agência fosse minha e eu me quisesse reformar mantendo a sua posse teria que me preocupar com a sucessão. Ora não sendo coisa minha não tenho esse direito nem esse dever. Quem vier depois que se amanhe.
Estás melhor do ombro? — pergunta o Nuno Jerónimo.
Ah, ah, apanhaste-me o ponto fraco. Está mais ou menos. Sabes que com a idade a coisa mais difícil de tratar são os ligamentos pois com o uso excessivo nunca mais ficam os mesmos. A solução é fortificar os músculos à volta da coifa para que eles sofram menos pressão evitando assim a inflamação. E foi por isso que comprei uma máquina espectacular que faz o mesmo que a do fisioterapeuta e não tenho que lhe pagar 50 euricos para me pôr os eléctrodos. É a Cefar Myo X2 e vem com vários programas: desde o aumento de força e massa muscular até ao tratamento da dor e inflamação. Não há nada melhor que invenções que nos ajudam a combater o tempo.
Dizem alguns historiadores que a primeira grande invenção para combater o tempo e a maior responsável pelo sucesso da Europa foi a invenção dos óculos. São eles que permitem que quando as pessoas chegam aos quarentas, no auge das suas capacidades intelectuais e depois de anos a aprender e a entender o mundo e a vida, possam continuar a trabalhar. Foi graças aos óculos que se desenvolveu o trabalho de minúcia, as máquinas, os relógios e os vários mecanismos que deram durante séculos a liderança tecnológica à Europa. Antes dos óculos aos quarenta, com o endurecimento da córnea e a perda da capacidade de ver ao perto, as pessoas deixavam de ler, escrever e trabalhar. Toda uma vida de sabedoria era desperdiçada.
Assim com a invenção dos óculos foi uma alegoria, perdão, alegria.
E a tua cabeça, como é que vai?
E são finalmente os temas clínicos que nos conduzem à última pergunta feita pelo próprio Meios & Publicidade e por isso com uma profundidade jornalística que as outras não tiveram:
— Já nos disseram que é o Dr. House da publicidade portuguesa pela conjugação de talento com mau feitio. Estarão certos?
Como é que uma pessoa há-de responder a tamanha homenagem, a tão desmesurado elogio, sem se embaraçar ainda mais. Utilizarei pois o agradecimento da Amália.
Obrigado, obrigado, eu não mereço, eu não mereço.”
Pedro Bidarra.
no meios&publicidade desta semana, atestando-se que está-se mesmo na merda, seja lá ou seja cá, de modo que os sanos da atividade passam a ser apelidados como houses.
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