sexta-feira, julho 25, 2008

em terra de cego quem tem olho é imbecil*


Para Athayde, é “miopia” dizer que propaganda do Brasil vai bem.

Sobre Edson Athayde, pode-se dizer que ele representa para a propaganda portuguesa o que o técnico Luiz Felipe Scolari, o Felipão, representa para o futebol português.

Brasileiro como o treinador, Athayde foi um dos principais responsáveis pela profissionalização da propaganda lusitana. Aportou em Portugal no início da década de noventa, como um desterrado do Plano Collor, que confiscou a poupança.

Foi com o publicitário brasileiro que Portugal conquistou seus primeiros Leões no Festival de Cannes, que é a Copa do Mundo da publicidade mundial.

Nesta entrevista de sintaxe lusitana, por e-mail ao Jornalirismo, Athayde faz a crítica necessária que quase sempre falta aos nossos conterrâneos brasileiros: “Não gosto de fazer críticas generalistas, mas olhar de maneira positiva para a participação do Brasil em Cannes este ano é, no mínimo, um caso de miopia”.

O publicitário também falou sobre seu amor à literatura e o lançamento de seu sétimo livro, O Endireita, disponível exclusivamente, e de graça, pela Internet.

Edson Athayde é um craque da propaganda brasileira, que fez carreira no exterior, como alguns de nossos melhores craques do futebol.

Olha que jogada linda, a bola agora está com você:

Jornalirismo – Gostaria que você se apresentasse. Dissesse onde e quando nasceu, onde estudou. E também onde e quando começou na propaganda.

Edson Athayde – Embora torça pelo Flamengo (e pelo Benfica), sou fluminense (de Nova Iguaçu, interior do Rio de Janeiro). Membro de uma família de comerciantes (o meu pai tinha uma padaria, daí ser conhecido no bairro como o “portuguesinho”, uma daquelas coincidências que só Deus sabe explicar), sem nenhum motivo aparente, decidi estudar para ser publicitário. Fiz a Escola de Comunicação da UFRJ [Universidade Federal do Rio de Janeiro]. Ainda lá estudava, quando ganhei um concurso publicitário para estudantes, promovido pelo Jornal do Brasil. Com o prêmio, veio o primeiro estágio numa pequena agência carioca. Daí que comecei a ser publicitário há cerca de 25 anos. Fiz um percurso pouco ortodoxo, “mochilando” pelo Brasil e trabalhando em agências de várias cidades, como Recife, Florianópolis, Salvador e São Paulo. Isso durou alguns anos, até que o inesquecível presidente Fernando Collor de Mello apontou-me a direção do aeroporto como a única saída para o Brasil.

Jornalirismo – Você é o “Felipão” da propaganda portuguesa, conquistou os primeiros Leões de Portugal em Cannes e ajudou a profissionalizar a atividade aí, em Portugal. Por que a opção por Portugal? Qual era o sonho que você queria realizar?

Edson Athayde – Vim para Portugal com 25 anos. Confesso que não tinha muita coisa na cabeça. Se pudesse trabalhar como garçom, já estava ótimo. Mas trouxe o meu portfólio. O certo é que o mostrei em meia dúzia de agências e uma delas me contratou. Comecei como júnior na Young & Rubicam. Um ano depois, era o diretor de criação. Mais seis meses e era o vice-presidente. Contando assim parece fácil. Não foi. O mercado publicitário português estava numa situação bastante primitiva em relação ao que se passava no Brasil e em outros países da Europa. Tive que me virar de todas as maneiras para fazer um bom trabalho. Que foi recompensado com os dois primeiros Leões de Cannes da história do país. Um de ouro e um de prata no mesmo ano. Daí que se tinha um sonho, alcançar um nível de sucesso na minha atividade, como os meus “mestres” Washington Olivetto, Nizan Guanaes e Fábio Fernandes (só para citar três exemplos), percebi que era possível fazer isso em Portugal. Por outro lado, não é todos os dias que você tem a oportunidade de mexer com a cultura de massa de um país inteiro. De realmente inventar um sem-número de processos de mercado e até mesmo novos mercados. Foi a minha geração que abriu a publicidade para atores, fotógrafos, locutores e músicos portugueses. Até então, quem quisesse fazer um comercial mais bonitinho tinha que ir para a Espanha, para a Inglaterra. Depois do nosso trabalho, deixou de ser assim.

Jornalirismo – O que a atividade de publicitário em Portugal trouxe de diferente para você? Quais experiências foram fundamentais para a sua formação? O que você ganhou ao optar por Portugal?

Edson Athayde – Há muitos publicitários que esquecem de que eles também são um produto de mercado. Acredito que temos de ser profissionais com nós mesmos. Portugal deu-me uma coisa fantástica, que foi a diferenciação. Em vez de ser mais um talvez talentoso rapaz de criação e ter que disputar uma vaga numa boa agência em São Paulo com mais duzentas outras criaturas, passei a ser um brasileiro a representar o lado bom da publicidade do Brasil no exterior. Claro que, se não soubesse pensar e atuar de maneira eficiente em Portugal, isso não serviria de nada. Mas sempre tive a certeza de que o caminho das pedras era subir o nível da publicidade lusa. E subir de tal maneira que poderíamos (dentro da nossa pequena dimensão) nos destacarmos em nível internacional. Os mais de duzentos prêmios e distinções internacionais que obtive com meu trabalho português são uma prova disso.

Jornalirismo – Como brasileiro, como você avalia a produção brasileira em propaganda dos últimos anos? Muitos disseram que o Brasil saiu de Cannes, este ano, de “alma lavada”. Será isso mesmo? Minha impressão é a de que o Brasil perdeu a capacidade de surpreender. Foram, novamente, bons trabalhos em anúncios impressos e alguns bons filmes. É suficiente?

Edson Athayde – Não gosto de fazer críticas generalistas, mas olhar de maneira positiva para a participação do Brasil em Cannes este ano é, no mínimo, um caso de miopia. Um país com várias centenas de inscrições, representado em praticamente todos os júris, com lobby e tradição, trazer para casa umas dezenas de troféus é pouco, muito pouco. O Brasil já esteve melhor em Cannes. E já foi um farol bem mais interessante de tendências. Por outro lado, não vi nenhuma contabilização de quantos brasileiros estavam nas fichas técnicas dos Leões ganhos por outros países. Era interessante saber isso. Se calhar, está a acontecer com a publicidade brasileira o mesmo que com o futebol. A nossa seleção não está a jogar grande coisa, mas temos craques e técnicos espalhados pelas seleções de outros países.

Jornalirismo – Cannes, de alguma forma, celebrou a propaganda consciente, com o Grand Prix (Grande Prêmio) de “Lead India” (Lidere a Índia, leia mais aqui), que ganhou também Leão de Titanium, e o projeto Million, para a cidade de Nova York, que ganhou Titanium, também. É um claro sinal de que a propaganda precisa estar a serviço do bem-estar social?

Edson Athayde – Há dois sinais contraditórios por trás dessa tendência. O primeiro tem a ver com o fato de que o marketing de causas públicas se tornou um negócio muito importante para as grandes marcas comerciais. Todos querem ser empresas cidadãs, logo, é algo que só tende a crescer mais ainda. Por outro lado, revela também os espartilhos que os clientes colocam nos projetos, quando se trata de comunicar os seus próprios produtos. A balança anda meio desequilibrada. Mas pode ser que melhore no futuro.

Jornalirismo – Você é um escritor, também. Um cara que ama a literatura. Será possível, na nova ordem mundial, pensarmos em termos de um “Publirismo”, uma combinação de publicidade com lirismo, de fato generosa, sincera, com compromisso para além do preço? Um dos seminários em Cannes, este ano, apresentou o movimento da Radical Advertising (Propaganda Radical, leia aqui), que defende uma propaganda subversiva e consciente. Já não seria uma mostra desse “Publirismo”?

Edson Athayde – Gostaria de ser mais otimista, mas acho que cada macaco vai continuar no próprio galho. A publicidade é uma atividade capitalista (o seu maior expoente, aliás). Quem anuncia quer retorno. Hoje pode ser uma coisa do tipo “temos que parecer mais bonzinhos”, mas, amanhã, será “vendo tudo pela metade do preço”. E ponto final. Eu, como criador, posso me recusar a conceber peças publicitárias que ofendam minorias ou incentivem comportamentos errados (quantas idéias eu já joguei no lixo por uma coisa ou por outra...). Odeio publicitário que pensa que está acima do mundo, dos outros, da própria mãe. Que acredita que vale tudo na publicidade, até dedo no olho. Até vale. Mas depende de cada um saber até que ponto vai a própria ética. Prefiro jogar limpo. Porém, não tenho muitas ilusões, quem quer fazer serviço social deveria ir trabalhar para os Médicos Sem Fronteiras ou a Cruz Vermelha.

Jornalirismo – O Grand Prix de Filmes, para “Gorilla” (veja o filme aqui), foi um chute no traseiro daquele que é um dos famosos cânones da propaganda, dogmas, chamado appetite appeal? A metáfora venceu a simples representação do produto?

Edson Athayde – ”Gorilla” é uma peça de entretenimento perfeita. Representa, para os dias de hoje, muito do que a boa publicidade era nas décadas de 60, 70 e até mesmo 90. Humor, música, nonsense... Onde é que eu vi isso antes? E mesmo assim é uma peça que dividiu a opinião dos publicitários. Soou como uma ofensa alguém ter bolado, vendido e produzido uma peça com aquele formato. Não é o meu caso. “Gorilla” é um gol de bicicleta aos 90 do segundo tempo. Pode irritar a torcida adversária, mas não deixa de ser genial por causa disso.

Jornalirismo – Você, este ano, comandou [como diretor de criação da Ogilvy Portugal] a conquista de mais um Leão para Portugal, de ouro, para a campanha promocional “Onde está a Águia?”, para o WWF [World Wild Foundation, entidade internacional que trabalha pela conservação do meio ambiente]. Você poderia contar um pouco da história dessa campanha? Como vocês conseguiram mobilizar as pessoas?

Edson Athayde – Foi através de um simples exercício de associação livre de idéias. O WWF queria ganhar notoriedade em Portugal. A Águia Real é um animal em vias de extinção. A Águia Real é o símbolo do Benfica, de longe o maior clube português. Daí... A idéia passou por divulgar a falsa notícia de que a águia Vitória (uma águia de verdade e que é a mascote do clube) havia desaparecido. Os meios de comunicação pegaram no tema e fizeram boa parte do trabalho. Os benfiquistas ficaram sensibilizados. O que tornou fácil mobilizá-los para um jogo do campeonato que seria um desagravo à águia Vitória. Nesse dia, todas as crianças puderam entrar no estádio de graça. Dezenas de milhares de folhetos foram distribuídos no estádio, divulgando o fato de que, além da Vitória, todas as águias reais de Portugal corriam o risco de desaparecer e que o WWF estava a lutar contra isso. Os jogadores entraram em campo com o dístico do clube ampliado na camisa, mas sem o desenho da águia. E, de repente, a águia Vitória (ela mesmo, de verdade) apareceu sobrevoando o estádio e a fazer rasantes sobre as arquibancadas. No fim do seu vôo, pousou num painel representando o dístico do clube, completando-o aos olhos de todos. Houve mais coisas em paralelo, mas penso que é a maneira mais simples de contar a história.

Jornalirismo – Cannes falou muito, este ano, da nova postura do consumidor, que quer participar da produção de conteúdo. É a colaboração. Essa postura mais ativa, participativa, não deixaria mais espaço para se contar histórias e envolver o consumidor da forma que fazemos desde as cavernas? É o fim da narrativa?

Edson Athayde – O fato de haver novas variantes na atividade da comunicação comercial não significa o fim do modelo narrativo. As pessoas gostam de ver e ouvir boas histórias. Sempre foi assim e sempre será. Agora, é preciso ter em mente que uma boa história, hoje em dia, pode não ter o mesmo formato de alguns anos atrás. Não podemos fazer uma publicidade Janete Clair para um público que já viu todos os filmes do Tarantino [o diretor norte-americano Quentin Tarantino, de Kill Bill, entre outros]. Antes, o criador publicitário tinha que aprender a manha de escrever um roteiro de 30 segundos. Se fizesse isso, já poderia se considerar formado. Hoje, é apenas mais uma das muitas habilidades que terá de desenvolver, se quiser contar uma boa história, que poderá passar pelos mais diferentes meios e formatos, até ter toda a sua narrativa explicitada. Está mais difícil? Está. E o mercado publicitário brasileiro vai ter que dançar muito samba até aprender a dominar isso.

Jornalirismo – Muitos falaram em Cannes, também, do trabalho de mobilizar as pessoas, de criar um motivo para as pessoas participarem. Não haveria o risco de muitos quererem mobilizar as pessoas com falsas causas? Com causas muito mais particulares (presença de marca) que coletivas? Deveria existir uma ética da mobilização, também?

Edson Athayde – Voltamos ao mesmo: só existe publicidade financiada. O final da história é sempre na caixa do supermercado. As pessoas estão carentes de qualquer coisa e começam a se mobilizar em direção a eventos que (por detrás de um causa social) têm como fim vender uma marca? Bem, então as pessoas deveriam ir mais à missa, rezar mais, adotar órfãos, sei lá. A publicidade não existe para tapar o buraco nas almas das pessoas. Mas, sim, me incomodo quando percebo que, infelizmente, há muita gente por aí a confundir as coisas.

Jornalirismo – De que forma a literatura influencia sua atividade de publicitário? De que modo a publicidade influencia sua atividade de escritor? Propaganda e literatura podem andar juntos? Ou são categorias separadas, inelutavelmente?

Edson Athayde – Eu aprendi a escrever anúncios a ler duas excelentes gerações de cronistas brasileiros (a do Fernando Sabino e a do Luis Fernando Verissimo). Eu descobri como escrever frases curtas, plenas de sentido, lendo os artigos de jornal do poeta Torquato Neto. Por outro lado, aprendi como prender a atenção dos leitores, através da fluência do texto, com grandes redatores, como o Washington, o Neil Ferreira, o Mauro Mattos e o Nizan. Todas essas referências sempre estiveram misturadas na minha cabeça. A única coisa que precisei foi aprender a separar as águas, não querer ser literato na publicidade, nem demasiado publicitário nos livros. Ainda estou a evoluir nesse equilíbrio. Sou cronista e contista, ambos formatos de textos curtos. Com certeza a explicação para isso tem a ver com a minha formação publicitária.

Jornalirismo – Qual é o seu sonho? Ser José Saramago [o escritor português José Saramago, autor, entre outros livros, de Memorial do Convento e Ensaio sobre a Cegueira]? Ser Bill Bernbach [o publicitário norte-americano Bill Bernbach, que liderou a revolução criativa na propaganda mundial, nos anos sessenta]?

Edson Athayde – Ser o Edson Athayde já está de bom tamanho. Nunca quis ser muito (como também não quero ser pouco, nem médio). Mas, se passasse a minha vida a tentar ser o Machado de Assis, não conseguiria escrever nem uma linha. Como se tentasse ser um Washington paraguaio, também não iria a lado nenhum.

Jornalirismo – Baseado em tudo que você tem observado, para onde o mundo está indo?

Edson Athayde – O meu último livro, chamado O Endireita, tem um pouco a ver com essa questão. Não foi de propósito, mas todos os contos falam basicamente de duas questões: uma é a dificuldade de comunicação, a outra é como sobreviver sendo diferente da norma. Com tantos meios novos para comunicar, o ser humano está sendo tragado pelo ruído e ainda acaba surdo ou mudo de vez. Com a noção de que a sociedade está montada por um sem-número de minorias, estamos todos a ficarmos mais isolados entre nossos pares e indiferentes ao alheio. Apesar de tudo o que aconteceu no último século, o mundo está indo exatamente para o mesmo lugar, para o beleléu.

Jornalirismo – A qualidade do ser humano será medida pelas marcas que veste, usa, ou teremos espaço para um pensamento muito além das marcas, para emoções poéticas próprias, que tornam cada ser único, não uma massa?

Edson Athayde – Quando vivíamos nas cavernas, já éramos assim. Quem tinha o colar de pedras lascadas mais bonito era o chefe da tribo. Não foi a publicidade que inventou a diferenciação pelos sinais exteriores, seja de marcas da moda, seja de riqueza. O ser humano já nasce assim.

Jornalirismo – Fique livre para dar um recado final.

Edson Athayde – Bem, gostaria apenas de convidar os leitores dessa página a fazer uma visita ao site do meu último livro. Basta ir ao www.oendireita.com e poderão ler online ou baixar um arquivo em pdf para ler depois todos os textos. E o melhor: sem terem que pagar nada. Acho que poderá ser um exercício interessante ler um livro escrito por um brasileiro, mas com sintaxe portuguesa. Ainda mais quando se trata de um livro que se quer leve e, por vezes, até divertido.

(entrevista do guilherme azevedo para o jornalirismo)

*edson das neves athayde, anunciou recentemente deixar a vice-presidência de criação da ogilvy para dedicar-se a projetos pessoais no teatro e literatura nos estados unidos. em sua trajetória teve sua própria agência em portugal, a edson, que depois tornou-se a edson/fcb, onde edson era ceo. sua trajetória no brasil, aconteceu em agências que sequer eram consideradas expressivas em termos de criação, o que torna ainda mais incomodativa - aqui e lá - a trajetória de quem recusou-se a ser caôlho na profissão.


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