quinta-feira, novembro 01, 2007

"isso aí não existe, deve ser coisa de antigamente"

1. Fui promovido.

"Tal" era um dos meus primos bem mais velhos do que eu. Como quase todas as pessoas da idade dele, que viviam na minha Cachoeira Paulista, trabalhava na Central do Brasil.

Central do Brasil era o nome da ferrovia que ligava S. Paulo ao Rio de Janeiro. Mantinha na minha terra, situada bem no meio do caminho, entre as duas capitais, uma grande oficina e a maior e mais bonita estação de trem de todo o percurso. Tinha sido construída no tempo em que o café era o principal item da economia brasileira.

Naquele dia Tal estava feliz da vida: tinha sido promovido a encarregado para atuar naquela estação.

Encarregado de que, Tal?. Não sei, amanhã, vou ver que troço é esse.

Um dia eu estava na estação aguardando o expresso, quando vi o Tal. Ele vinha, caminhando ao lado da linha e batendo com um martelo nas rodas de um trem estacionado ali.

Bem! Bem! Bem!

Desde criança aquela operação me intrigava, e eu nunca tive liberdade de perguntar. Os tempos eram outros, e certas coisas a gente não falava com os mais velhos. Com o Tal eu podia fazer isso.

Esperei que ele terminasse o serviço e fui direto ao ponto:

Ô tal, por que você, como encarregado, faz isso?

Não sei não, respondeu. Só sei que sou encarregado de fazer isso.

Pra que?

Também não sei. Me mandaram, estou fazendo.

2. Finalmente os profissionais – de marketing e de comunicação – estão aceitando, como verdade absoluta, a necessidade de a empresa colocar em prática os princípios da comunicação integrada.

Aceitam isso, mas continuam aceitando a divisão de comunicação de marketing e comunicação social, uma independente da outra, cada uma seguindo seu próprio caminho. Aí está, a meu ver, o grande nó da questão. Pergunto: se a comunicação é integrada, quem a integra, cuidando para que uma não se distancie da outra?

Há algum tempo a agência de propaganda fazia tudo. Hoje, ao passar um brief, o anunciante reúne todas as agências que trabalham para ele e elas apresentam suas estratégias. Vence aquela que o cliente achar a mais interessante, independente de quem a criou e de quais agências vão participar de sua execução. É quase como se o rabo abanasse o cachorro. (Deyse Dias Leite, sócia e diretora de criação da Copyright, no Meio & Mensagem desta semana).

A revista Making Of passou de raspão no problema em seu mais recente número, quando tratou da questão da comunicação social. E perguntou: isso é missão dos relações públicas ou dos assessores de imprensa? Escrevi, então, um artigo, botando mais lenha na fogueira. Sai agora, no próximo número da revista. Pergunto: por que não o publicitário?

Você deve estar achando que fiquei gagá. Não me preocupo, não é a primeira vez. Recentemente, por exemplo, criativos de uma agência de publicidade disseram que eu estou superado porque desenvolvi um projeto de comunicação propondo a utilização de forma integrada, de ferramentas que eles desconheciam, porque modernas demais pra eles. E não se furtaram a gritar:
Isso aí não existe, deve ser coisa de antigamente.

É a minha sina. Esse negócio de olhar lá na frente e introduzir inovação, custa a critica de quem está acomodado, olhando pra trás Mas como eu gosto de uma boa briga, vou seguir em frente.

Os clientes agora esperam encontrar agências com pensamento holístico, e querem que elas sejam ativas, ofereçam comunicação integrada e escolham as ferramentas de marketing mais apropriadas para cada campanha de maneira imparcial. Essa imparcialidade pode ser obtida de forma mais fácil se o comando da empresa for formado por representantes de vários pensamentos. (Otávio Dias, proprietário da R..epense, no Meio & Mensagem desta semana).

3. Vamos analisar alguns casos:

. O mais famoso deles foi conduzido por dois jornalistas – Célia Valente e Walter Nori. A Rhodia tinha um seríssimo problema de imagem, conseqüência de sucessivas tragédias que ocorriam na cidade de Cubatão, considerada na época a mais poluída do país, e onde ela tinha uma fábrica. A empresa era criticada de toda jeito, porém incapaz de esclarecer a opinião pública sobre qual sua real relação com o que ocorria. Contratou, então, os dois jornalistas, que assumiram o comando da comunicação da empresa como um todo, desenvolveram e colocaram em prática um fantástico plano de comunicação. Essa história, que tive a sorte de acompanhar de perto, está no livro Portas Abertas (Editora Best Seller). Completinha. Se você ainda não o leu, mas quer aprender mais, leia-o.

. Dia 31 de outubro de 1996, um Fokker 100 da Tam, que fazia a ponte-aérea Rio-S.Paulo, caiu em bairro residencial da capital paulista. O comandante Rolim, que ainda vivia, estava no exterior., O vice-presidente de marketing das empresa, Luís Eduardo Falco, assumiu o comando e, enquanto Rolim retornava, tomou as iniciativas adequadas, inclusive no campo da comunicação. A imagem da empresa não ficou arranhada.

. Recentemente, outra tragédia ocorreu com a Tam, quando um descontrolado Airbus da companhia atravessou uma avenida e bateu em cheio em um prédio. Provavelmente você viu tudo pela TV e conferiu na internet e nos meios impressos. A empresa tinha acabado com a área de marketing. Não tinha, sequer, assessoria de imprensa própria. O presidente Marco Antonio Bologna, cuja origem é a área financeira agiu amadorísticamente e quebrou a cara. O assessor de imprensa da Airbus, Mário Sampaio, tentou ajudar e se saiu pior ainda.

Outro dia ela mostrou que quer se redimir: contratou um profissional conhecedor das coisas da aviação para a até então vaga de vice-presidência de marketing. Infelizmente, não anotei o nome dele.

4. O que esses fatos mostram?

. Primeiro: como tenho insistido sempre que posso, comunicação não é coisa para amador.

. Segundo: é preciso ter uma pessoa, um profissional, um pensamento, comandando o processo de comunicação, para que ela seja de fato integrada, até porque onde todo mundo manda, ninguém manda. Se não for assim, a coisa pega.

"Tudo ao mesmo tempo agora"
É o título da entrevista publicada no Meio & Mensagem que circula esta semana, com Bazinho Ferraz, da B/Ferraz e CEO da holding B/Ypy, que reúne também a New Style, Hello, Sunset, ReUnion e Tudo. Bazinho vai direto ao ponto, quando afirma:
"Os grupos costumam ser verticais, com as agências de publicidade em cima. Nós somos horizontais."

5. Tenho pra mim que, assim como o marketing integrado derrubou a separação under the line e bellow the line, porque o marketing precisa ser integrado, a separação entre comunicação de marketing e comunicação social não faz mais sentido. O pensamento tem de ser único, estratégico. Na hora das táticas, sim, aí cada um – RP, assessor de imprensa, publicitário – opera a ferramenta que melhor entende.

6. Se não for assim, cada um sai atirando para um lado. Ou, se o escolhido não souber de suas responsabilidades, vai virar encarregado. Que nem o Tal.


(o encarregado, do eloy simões, no acontecendo aqui)

Um comentário:

Anônimo disse...

Cara, teu blog é o único lugar na internet (pelo menos que o google aponta) que tem o texto do Kassu sobre um hipotético comitê analisando Os Trapalhões. Eu tinha recebido isso há anos, mas essa semana quis mostrar para uma galera e só achei aqui.

Fora isso não li nada do teu blog, mas já me valeu o dia.

Abraços