Desde que assumi a chefia da redação de Meio & Mensagem, tenho
cumprido uma extensa e produtiva agenda de encontros de relacionamento
com os líderes de boa parte das maiores agências do País. Tais almoços e
visitas têm rendido conversas tão valorosas que dariam assuntos para
diversos editoriais. Certamente muitos desses temas ainda serão abordados
futuramente neste editorial.
Um de meus bate-papos mais peculiares deu-se no escritório da Talent, numa
manhã dessas, quando fui recebido para um café da manhã pelo CEO José
Eustachio e o executivo-chefe de operação e criação João Livi. Prosa vai,
prosa vem, a pauta se encaminhou para o acirramento do debate político
e social e a consequência desse cenário de maior intolerância para a
comunicação das empresas — que, tradicionalmente, relutam em se
posicionar firmemente quando uma polêmica esquenta os ânimos de
diferentes grupos, em maior ou menor escala.
“
As marcas, em geral e historicamente, sempre tiveram medo de opinião”,
afirmou Eustachio. “Mas, cada vez mais, estar antenado com a cultura
contemporânea, o que é primordial para as marcas, exige um
posicionamento consistente. Precisamos ler mais romances e os clássicos
da antropologia e sociologia e menos os manuais de marketing.”
Ao que parece, mais pessoas que compartilham da visão humana de
Eustachio estão tomando as decisões nas áreas de marketing de grandes
companhias. Pouco a pouco, tem aumentado o número de marcas que
assumem uma posição contundente diante de temas considerados tabus.
Ainda mais importante do que isso é fincar o pé se existe a convicção do
caminho escolhido quando o conceito das campanhas foi definido — e não
ficar à deriva, ao sabor dos humores dos ventos que sopram ora para cá, ora
para lá.
Foi essa linha que O Boticário seguiu, na semana passada, ao permanecer
fiel à ideia original do filme “Casais”, criado pela AlmapBBDO para promover
o Dia dos Namorados. Incomodadas com o teor do vídeo, que mostra casais
homossexuais (e heterossexuais) trocando presentes, duas dezenas de
consumidores registraram queixas na plataforma Reclame Aqui. O caso
chegou ao Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar). O
julgamento acontecerá em julho.
“
"Boticário acredita na beleza das relações,presente em toda
sua comunicação. A campanha aborda, com respeito e sensibilidade, a
ressonância atual sobre as mais diferentes formas de amor,
independentemente de idade, raça,gênero ou orientação sexual”, justificou a
companhia, em defesa de suascrenças corporativas.
Anteriormente, com menor ênfase, a Natura tomou postura similar,
declarando que “acolhe a pluralidade de pontos de vista e valoriza a
tolerância”. A maior concorrente de O Boticário foi criticada por suas
inserções comerciais na novela global Babilônia, na qual o relacionamento
homossexual entre as personagens de Fernanda Montenegro e Nathalia
Timberg causou furor na ala conservadora dentre os telespectadores.
Assim como na vida, também na comunicação é impossível abster-se de
prováveis desconfortos quando se assume uma postura singular diante
de assuntos aos quais a concordância é um ser estranho. Não dá para
agradar a todos. A boa notícia é que ninguém precisa ser unanimidade —
nem mesmo as marcas.
O segredo da estratégia bem-sucedida passa, sim, por alinhar as ideias a
serem propagadas com o propósito maior que determina a relevância da
própria existência de uma empresa. Evitar assuntos polêmicos e buscar a
neutralidade seguindo a cartilha das pesquisas de opinião é uma fórmula
certeira rumo à mediocridade — um estágio imediatamente anterior ao da
irrelevância.
( jonas furtado no editorial, da edição 1663, do m&m em 08 de junho de
2015_.
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