sexta-feira, outubro 09, 2009

o ululante do óbvio ou o algo mais das entrelinhas

1. Zé Marreta estava intrigado, aquele dia. Tinha ouvido falar, no rádio, num tar de socialismo, e não sabia o que era isso.

No fim do dia, sentado na calçada para a conversa tradicional de fim do dia, resolveu perguntar pro Zesperto.

“Cumpadre, o que é esse tar de socialismo¿”

Zesperto não tinha esse apelido por acaso. Era esperto mesmo, e como tal resolveu se aproveitar da ocasião.

“Vou expricá, cumpadre. Tem paia pra cigarro aí¿ Me dá uma.”

Zé Marreta deu, e enquanto o outro alisa a palha, continuou:

“Tem fumo¿”

“Só fumo de rolo.”

“Num faz mar, me arranja um pedaço.”

Zesperto pegou o fumo, comentou,

“Esse é do bão!”

Pediu:

“Me empresta o canivete¿”

Zesperto pegou o canivete, picou o fumo, enrolou-o calmamente, passou na boca, colou as bordas da palha. Estava pronto o cigarro. Aí, pediu de novo:

“Mempresta o fórfio¿

Acendeu o cigarro, deu uma gostosa baforada, explicou:

“Isso é socialismo, cumpadre”

“E o que eu faço nele¿

“Mecê cospe.”

(Mais ou me senos como foi contado pelo Rolando Boldrin, no Sr. Brasil, da TV Cultura)

2. Meu Caro Diretor de arte,

Não sei se você leu matéria publicada dia 23 de setembro no caderno Ilustrada, da Folha de S. Paulo. Ali, logo na primeira página, ela diz que “em plena era da internet, a venda de livros porta a porta surpreende o mercado editorial e, em três anos, quase triplica sua participação. Um em cada sete livros é vendido em casa.” Devia ler, para crer.

Acreditar, meu caro diretor-de-arte, que tem gente que gosta de ler. Muita gente.

Há os malucos, que nem eu, que lêem qualquer coisa. Há os que só lêem o que lhes interessa. E os que lêem, se o objeto da leitura for colocado diante dos seus olhos.

Como está sendo constatado pelas editoras de livros, estes são a maior parcela de leitores.

E você, cuja criação deve alcançar todo mundo, inclusive os comodistas, tem de estar atento. Lembrar-se de que a primeira obrigação de qualquer peça publicitária é chamar a atenção. A segunda, se fazer entender. E facilitar a vida do consumidor.

Por isso, você tem de tornar seu layout fácil de ler. Com tipos cuidadosamente escolhidos para se tornarem legíveis em qualquer circunstância. Com fundos que não se misturem e anulem o texto. Com uma escolha criteriosa dos tipos.

Sei, você deve estar dizendo que isso é o óbvio na publicidade.

É o óbvio, mas, ultimamente você não está dando atenção pra ele. Você se esqueceu de que cada tipo tem sua própria linguagem. De que é importante blocar cada parágrafo, para o texto ficar mais gostoso. De que o título é, junto com a ilustração, o laço de pegar consumidor me que para tanto, tem de ter o devido destaque..

Claro, há idéias brilhantes que dispensam texto. Que contam toda história quando nascem. Mas isso, meu caro, é raro, muito raro. Só tem uma coisa: texto que não dá pra ler, é texto que não existe.

Você me passa a impressão de acreditar que as pessoas não lêem¿ Se pensa assim, não está sendo nem um pouco original. Ouço essa história desde que comecei na profissão. Faça um teste, como eu fiz: erre, no próximo anúncio que criar, em uma informação importante. Ou simplesmente, coloque uma palavra com erro na ortografia. E agüente as consequências.

Quando me deparo com as barbaridades que andam saindo por aí, penso em você. E me lembro do Zé Marreta, o que não sabia o que é o socialismo. E do Zesperto, que enrolava quem não sabia.

(entre o socialismo e o anúncio, do eloy simões, para quem sabe ler o algo mais das entrelinhas)

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