Está escrito em diversos livros e é cada vez mais repetido: o Marketing de hoje não é como o de ontem e não será como o de amanhã. Para quem viu todas as transformações de perto isso não é novidade. Mais ainda para quem foi, e continua sendo, ator destas mudanças. O professor Francisco Gracioso é uma destas pessoas.
Uma das principais vozes sobre Marketing do Brasil, o Presidente do Conselho da Escola Superior de Propaganda e Marketing - ESPM - já viu muita coisa. Muitas delas transcritas em livros que viraram referência para o mercado. Em entrevista exclusiva ao Mundo do Marketing, o professor Gracioso detalha como se deu a transformação no Marketing e, do alto de sua experiência, explica como as empresas devem reagir a elas.
Se no passado as ações de Marketing estavam umbilicalmente ligadas à Comunicação, hoje a promoção e as ações de Trade Marketing não podem ficar de fora de nenhum planejamento estratégico. Sem contar na orientação por resultados. “O Marketing está muito mais orientado para vendas, resultados. Muito menos para estratégia de longo prazo e comunicação”, conta o professor, deixando claro que não pensar no futuro pode ser um grande problema.
O professor comenta ainda sobre o risco das empresas gastarem milhões em investimentos de curto prazo e que a publicidade não está em baixa. O grande problema é como analisar o retorno do investimento.
Qual é a diferença do profissional de Marketing de hoje e do passado?
Nos anos 70, o Brasil vivia o milagre econômico, o país crescia, havia um mercado ávido por bens de consumo. As empresas começaram a se organizar na área do Marketing, principalmente a partir da experiência trazida para cá pelas multinacionais e as agências americanas de propaganda. De início, associava-se o Marketing à Comunicação.
Infelizmente, ainda há essa confusão hoje.
Sim. Dizia-se que o Marketing era quem anunciava, o que não é verdade, é claro. A partir daí, criou-se por própria necessidade do mercado a consciência do que é Marketing. Era uma época em que o planejamento estratégico estava em voga, as empresas não eram pressionadas como hoje para apresentar resultados de curto-prazo e podiam planejar com mais tranqüilidade, a concorrência não era tão agressiva e a pressão dos acionistas de ter lucro rápido não era intensa como hoje.
Isso levou o Marketing a adquirir um caráter estratégico. O Marketing usado não mais para vender hoje, mas vender daqui a três, cinco anos, criando marcas a longo prazo. Isso ainda existe, é claro, mas muito menos. Em 1980, 1990, isso refletia-se na importância dada à gerência de produto. O gerente de produto era alguém que tinha uma visão estratégica. Esperava-se dele que apresentasse um plano estratégico para o produto, além de garantir as vendas mês a mês. Eram eles que comandavam as discussões nas reuniões, e as vendas tinham um papel secundário: prestar obediência ao Marketing. Dizia-se naquele tempo que, "quando se faz um bom Marketing, a venda é automática, não se precisa de um gênio para vender".
De cinco anos para cá, mudou tudo. Tenho um colega aqui, o João De Simoni, que diz que “o fim do mês é mais importante que o fim do mundo”. Isso revela a verdadeira situação das empresas nos dias de hoje. Somos pressionados para apresentar o resultado aqui e agora. Se você em uma reunião de diretoria diz: "bom, terei prejuízo no primeiro e segundo trimestre, mas do terceiro em diante vamos ganhar dinheiro", ninguém te escuta. Você é convidado a mudar de idéia ou sair da empresa.
Uma pesquisa realizada entre as maiores empresas americanas diz que o tempo de permanência média de um Diretor de Marketing em uma grande empresa é de apenas dois anos. Muda-se com uma facilidade extraordinária porque todos acreditam que o Marketing tende a fazer milagres. Isto mudou a essência do Marketing. Hoje, ele está muito mais orientado para vendas, resultados. Muito menos para estratégia de longo prazo e comunicação.
Qual é o risco das empresas terem que gastar milhões e milhões investindo sempre no hoje, sem pensar no longo prazo?
O segredo consiste em, de alguma maneira, trabalhar para o hoje e para o amanhã. Os mestres nisso são os japoneses. Eles dizem que nós, os ocidentais, não sabemos fazer planejamento. Justamente porque nos perdemos nessa dicotomia entre presente e futuro. Ou nos concentramos em um ou em outro.
A Toyota acaba de ultrapassar a GM. Essa virada se deu lá trás, quando lançaram o Corolla, como um carro mundial. Naquela época, a GM também tinha um carro mundial em desenvolvimento e pregava que, em cinco anos, teriam o carro mundial. É o mínimo que eles poderiam imaginar para ter um carro daqueles. A Toyota os surpreendeu, porque, em dois anos, lançaram o seu carro mundial, passando a dominar o mercado.
Como cuidar do futuro sem deixar de lado o presente?
Para nós todos é o presente que determina o futuro. Tenho a impressão de que, para essas empresas japonesas e algumas ocidentais, que já entraram no jogo deles, é justamente o contrário. O futuro que determina o presente. Eles conseguem planejar o futuro e, dessa forma, esse plano volta para alimentar o presente. Tem poucas empresas que realmente conseguem fazer isso, principalmente em mercados competitivos.
No dia-a-dia das empresas brasileiras, o presente é tão importante que o Gerente de Produto do passado não existe mais, foi algo que perdeu o sentido. As coisas mudam com tanta rapidez que ninguém mais se atreve a orientar-se por um plano qüinqüenal estático. Talvez o segredo esteja em olhar o futuro como fonte de informações dinâmicas, não estáticas. Ter capacidade de interpretá-las com muito mais rapidez e objetividade.
Apesar de ingrato, o exercício de prever o futuro tem que ser feito cada vez mais pelos profissionais de Marketing. Isso parece difícil, quando a própria mídia não foi capaz de adiantar a internet, que revolucionou o mundo, por exemplo.
Esse é o problema. A nossa imaginação não está batendo com a realidade. Mas, quando você se coloca no papel de uma empresa em particular, ela tem mais obrigação de saber o que acontecerá em seu próprio mercado. Não é tão difícil assim.
A Kodak viu seu mercado desaparecer com o advento das câmeras digitais.
Vi um trabalho comparando o trabalho da Kodak com o da Sony em câmeras digitais. A Kodak foi apanhada de surpresa. Foi uma grande burrada deles. Eles sabiam disso, mas achavam aquilo "olímpico" demais, que não os afetaria. Recentemente, eles mudaram de presidente, em um posicionamento que consistia em quebrar tradições. No plano de ação desse novo presidente, ao invés de olhar para o futuro, ele esta olhando para o passado. Foi buscar nas gavetas as patentes não utilizadas pela Kodak. Eles não estão olhando para frente.
A Sony, ao contrário, já está olhando além da câmera digital, para coisas que ainda não imaginamos e que podem vir a surpreender todo mundo. Isso ilustra o que eu quero dizer. Você precisa fazer isso, mas, ao mesmo tempo, enfrenta pressões das redes varejistas, que querem sempre mais. Este é o dilema das empresas. Não é impossível, mas é difícil. Os novos profissionais confiam cada vez menos em propaganda, que é um investimento a longo prazo, e confiam mais em acerto para o varejo, comunicação direta, verbas promocionais, ações de incentivo...
Cada vez mais o Marketing é bastante estratégico e fundamental para as empresas. A publicidade está sendo deixada de lado dentro deste composto?
A propaganda continua sendo muito importante. As grandes marcas precisam delas, disso não há dúvida. Na média dos grandes anunciantes, segundo dados da TNS InterScience, 45% da verba de comunicação vai para publicidade, o que não é pouco. Entre os fabricantes de produtos de consumo, vendidos no varejo, a proporção é de 25 a 30% apenas. O resto é principalmente para ações com redes varejistas, para o Trade Marketing. Seja isso Comunicação ou não, garante sua presença no ponto-de-venda, o que é importante também. Assim que eles raciocinam.
A questão do retorno do investimento em Marketing tem que ser mostrada cada vez mais. Como fazer isso?
Não importa o que eu digo. Aí fora, o retorno é o lucro obtido com o investimento feito em comunicação, propaganda ou seja lá o que for. Se alguém está gastando R$ 30 milhões no patrocínio de um grande evento, ele quer que, no final, o lucro líquido de uma determinada linha de produtos aumente em R$ 30 milhões e mais alguma coisa.
Mas não deveria ser assim, senão você não consegue medir a verdadeira eficiência da propaganda. Ela é uma arma destinada a mudar ou reforçar atitudes mentais. Isso se reflete no chamado share of mind. Se esses R$ 30 milhões mostrarem como resultado um aumento do share of mind de uma marca de 25 a 37%, isso para mim seria a prova de que a campanha deu certo.
Resta saber por que esse aumento de 12% do share of mind não resultou em vendas 12% maiores. Talvez algum outro elemento do Marketing não tenha funcionado. O preço talvez não estivesse correto, o produto não correspondia à promessa feita, a distribuição não ajudou... Isso que faz com que o Diretor de Marketing só fique dois anos no cargo. E o Diretor de Produção, que provavelmente é o verdadeiro culpado por estar produzindo com altos custos, continue na função por mais 25 anos.
Há vários anos tem-se falado que a promoção é a bola da vez. Até que ponto isso é verdade?
O dono das Casas Bahia, em uma entrevista, disse que sabe muito bem o valor que sua rede varejista tem para os fornecedores. Ele deu um exemplo: em 2005 ou 2006, a Mitsubishi tinha grandes contratos com as Casas Bahia e, no ranking geral das marcas, era a segunda mais vendida na categoria de televisores no Brasil. Por alguma razão, eles não se entenderam e a marca deixou de fornecer para as Casas Bahia. No ano seguinte, a Mitsubishi caiu para o oitavo lugar no ranking.
O varejo que tem o domínio do comprador. Costumo me perguntar muitas vezes a quem o consumidor é mais fiel: a marca "Omo" ou a marca do supermercado que vende o Omo. Geralmente é o supermercado.
As marcas estão mais preocupadas em envolver o consumidor do que o varejista. O varejista "grita" em sua comunicação, mas pouco investe em eventos ou relacionamento, por exemplo. Como você explica então essa fidelidade?
Respondo a isso como consumidor. No Pão de Açúcar do Brooklyn me sinto bem. Os funcionários são atenciosos e o serviço é bom. A loja é bem iluminada, limpa, tem sempre o que você quer. A imagem do varejo não cria-se apenas com anúncio na TV, mas principalmente através do contato real com o supermercado. Isso que é levado em conta, além do preço, que deve ser competitivo.
Tem mercado para todos os gostos. Li na imprensa que, devido à inflação crescente em algumas categorias de produto, tem muitas famílias de classe-média comprando produtos em lojas populares. Não é algo representativo para a classe, mas mostra que para alguns o preço é importante.
Nos EUA, aconteceu algo curioso. A Wal-Mart consolidou a sua imagem há muitos anos em uma época de dificuldade, inflação, quando os americanos não tinham muito dinheiro no bolso. E a rede varejista chegou à liderança ao investir na imagem do varejo "mais por menos". Depois, os Estados Unidos entraram numa era de bonança – que está terminando agora. Foram anos em que a Wal-Mart perdeu terreno. À medida que o americano entrava numa situação mais confortável, o apelo de preço baixo perdeu muito da sua força.
A Wal-Mart levou isso tão à sério que mudou a sua imagem. Remodelaram suas lojas, a política de contratação de pessoal... Tudo isso para adaptar-se à uma era mais próspera. Agora, com o risco de recessão, o Wal-Mart volta a ganhar força porque ainda existe a imagem do baixo preço.
O Brasil passa por um bom momento econômico nos últimos anos, mas agora a inflação volta a bagunçar o coreto outra vez. De qualquer forma, para o brasileiro que sempre teve pouco dinheiro no bolso, o preço nunca deixou de ser importante.
(aplicação do marketing vive dicotomia e erro de estratégia, por bruno mello, para o mundo do marketing).
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