domingo, agosto 05, 2007

literatura para a semana inteira ou a bíblia do varejo



Todas as estrelas estão por sua ordem (…) Aprendamos do céu a disposição e também a das palavras. As estrelas são muito distintas e muito claras. Assim há de ser o estilo da pregação. Muito distinto e bem claro. E nem por isso temais que pareça o estilo baixo: as estrelas são muito distintas e muito claras e altíssimas. O estilo pode ser muito claro e muito alto, tão claro que entendam os que não sabem e tão alto que tenham muito que entender os que sabem. Padre Antônio Vieira, Sermão da Sexagésima, 1655.

A primeira venda efetuada que se tem conhecimento na história humana foi de
varejo. A da tal maçã. Para Eva, a coisa não estava fácil. O produto era
novo. O meio ambiente em nada era favorável, uma vez que todas as
necessidades do consumidor estavam satisfeitas;não se esqueçam que o mercado era um paraíso.
Como se não bastasse, Eva tinha que vender um produto de aparência banal,
sem nenhuma inovação bio-tecnológica ou diferencial consistente, o que tornou o cenário ainda mais difícil. Que fez então a nossa revendedora de um produto concorrente com os de distribuição gratuita no supermercado dos céus ? Azucrinou, torrou a nossa paciência, engrossou, gritou, berrou?

Of course not! Seduziu. Utilizou a mais eficaz ferramenta de convencimento até hoje inventada, para a concretização de vendas de qualquer tipo. Insuperável, principalmente em tempos de crise e globalização internáutica. Eva, explicitou os benefícios do produto, suas vantagens, buscando o convencimento pela via seducional, conduzindo a mente do consumidor Adão para o terreno da curiosidade emocional - a curiosidade está na gênese dos primatas - embalando seu discurso com artifícios sensoriais: a cor, a forma, a embalagem, o design, o cheiro, o expositor, Eva por sí só era um ” below the line beyonde the line above the line” pra macho nenhum botar defeito, deixando para o clímax ,o sussuro do argumento racional, que não lhe era decididamente positivo: o preço. Era caro, o castigo da expulsão. mas o valor intangível que ela tinha agregado àquela frutinha insignificante, através do discurso publicitário criativamente sedutor, ajudadada pela perspicácia da minhoca da curiosidade- na verdade a cobra do paraiso era uma minhoca , grande apenas era a sua persuasão- era demasiado tentador, para ser ignorada, apesar dos avisos dos serviços ao consumidor do shopping celestial. Adão tinha que experimentar aquela “coisa maçanhenta”.

Na ótica miserabilista do varejo no entanto, o consumidor precisa ser
atraído e tratado a grito. A grossura multidisforme, espraia-se em
overdoses de poluição auditivo-visual e discursos de mega-fone. São os pseudo-sinónimos de eficiência no varejo. É uma merda, reconhecem: mas vende, eis o discurso. Não é isso que interessa ao varejo?E tome escatologia de cabo a rabo.

A obtusidade do chamado discurso direto é justamente a negação do principio do ângulo mental competitivo-valorativo. Desde quando a estupidez é a coisa mais efetivamente direta? Este reducionismo acontece na maioria dos mercados e não só no Brasil. O preconceito anti-sedutor, que atribui incapacidades de descodificação ao consumidor de bolsa menos favorecida, estabelece por isso mesmo uma adequação deformadora, ratificada pelo imobilismo, resultando uma estigmatização da comunhão do discurso publicitário sem recursos com a estética do mau-gosto que impera no varejo. principalmente se dirijido para as classes C e D, classificadas e reiteradas diariamente, sem a menor fundamentação científica, como a única linguagem capaz de produzir resultados. Como toda solução exarcebada pelo preconceito e ignorância, aliada a imensa preguiça, mediocridade e falta de visão comercial, de clientes e agências, foram ratificados os tais formatos status-cú do varejo. Danosos para todos os envolvidos no negócio: clientes, agências, fornecedores, veículos, a minha e a sua mãe - a sua também empresário - que não acham a menor graça em serem tratadas como energúmenas, definidas à priori como incapazes de fazer a apreciação de uma comunicação de valores qualitativos em forma e conteúdo.

O Marketing de varejo e todos os seus procedimentos logísticos de pré-venda, venda e pós-venda, evoluiram significativamente, mas não a mente da maioria dos
clientes que perpetuam o paradigma - também o fazem muitos fazedores de
anúncios, não confundir com publicitários de verdade - de que a propaganda do
varejo tem que ser medíocre. Ah! isso é varejão. Precisamos ser mais
objetivos! a cantiga é como a sua publicidade, repetitiva e chata pra
caramba. “ O povo é ignorante, sabe como é. Não vai entender publicidade
inteligente”. Confunde-se então, parafraseando Paulo Stenzel , simplicidade com banalidade, mapa de mídia com planejamento estratégico, redundância com frequência, brinde com ação promocional, mala direta com marketing direto, gasto com investimento, publicitário com propagandista e quando tentamos desfazer as confusões, confundem iniciativa com arrogância.

E assim la nave va. Em vez dos rugidos canonísticos da boa publicidade o amofinamento é geral no setor, onde até leões juntam-se a gataria no telhado de zinco quente do varejo, onde só ruídos se fazem ouvir ?

A gritaria é tanta que a mais rasa objetividade vai à fossa com a superficialidade da repetida falta de argumentos persuasivos, textuais, estéticos, cristalizando uma verdadeira involução rumo ao que há de pior, em comunicação mercadológica. As peças de varejo dos anos 30,40, veiculadas nos bondes, nos jornais e nas rádios, são muitíssimo mais espirituosas, inteligentes, persuasivas e esteticamente melhor trabalhadas do que a grande maioria das d´agora.

Que miserabilidade de raciocínio leva tantos clientes e “ profissionais” a atribuir obtusidade a um povo produtor de uma cultura popular tão rica, múltipla e complexa a níveis semióticos e linguísticos?o que não tem relação direta com níveis de alfabetização. Como diria o antropólogo, psicólogo, e homem de marketing e comunicação pra lá de estratégica, Joãozinho Trinta, quem gosta de pobreza é intelectual. O povo sim, gosta de luxo, de beleza, de referências esteticamente ricas e transcendentes, também para além do seu modo de vida. A filosofia da miséria é a miséria da filosofia do que se vê agora, incuindo a programação televisa. O bom e o belo podem suportar o varejo sem se deixarem de ser vendedores e coloquiais. e o que é o máximo: apaixonantes, reconstruindo o cotidiano na esfera da comunicação publicitária, de forma profissionalmente eficazmente lúdica e telúrica.

E qual o consumidor menos favorecido que não daria a sua preferência a quem o
tratasse bem sob todas as formas, de comunicação principalmente?
O grito tão-somente revela o discurso da fraqueza de argumentos, da falta de inteligência, de muita preguiça. Ninguém quer “ desperdiçar “ tempo em pensar e repensar o varejo. Está todo mundo ocupado a pensar em Cannes, no Clio, no festival de Nova York, em Londres. Varejo não dá nem carrapato, quanto mais leão.

E o resultado é a fórmula do convencimento baseada na força obscura e descontrolada, na maioria das vezes não fundamentada, a não ser na ignorância de presupostos básicos de comunicação.
É no grito e na grossura, da costumeira e infeliz linguagem empregada no
varejo que o anunciante comete a maior violência contra ele próprio. Cria o
fenómeno primeiro do estupro, depois do tédio, do desinteresse, da rejeição e por fim do monstro da repulsa, convencido de que as táticas das falsas ofertas, saldos, liquidações serão a cantiga de Hamelim que vai puxar consumidores indefinidamente para os seus estabelecimentos(ratos puxa,não há dúvidas).

Num setor em que dificilmente uma rede local ou regional tem condições logísticas de fazer frente aos complexos multinacionais do setor( que também fazem uma comunicação que deixa a desejar) o resultado é a venda esvaziada, rôta, que vai definhando a marca, num círculo sufocante. O recurso a promoção desenfreada é suicida, reduz a credibilidade, estrangula o cash-flow e abre a avenida esburacada para as dívidas. As vendas vão para o abismo quando cessa a munição da promoção. E aí nem o atendimento personalizado e “bairrista” impede a derrocada.

A criatividade não é tão-somente componente de fachada.É essencial, diria que é a unica salvação no varejo, em tempos de enfrentamento de tecnologias de marketing e comercialização ao qual não tem acesso as empresas locais e/ou regionais, com raríssimas exceções. Em qualquer livro de vendas, desde os primórdios da venda porta-à-porta americana - nossos caixeiros-viajantes também não gritavam, seduziam as consumidoras, às vezes até demais - passando por Og Mandino, o"maior vendedor do mundo", aos conselhos de Ogilvy, de Wunderman, de Drucker, de Lewit, de Ries. Dos compêndios de marketing formais aos radicais, a criatividade consistente e sistematizada através do seu uso profissional por profissionais, aparece como o único componente da comunicação capaz de tornar o pequeno gigante. Se isso é fake, então a indústria publicitária é um tigre de papel.

É deveras impressionante como os homens do comércio não percebam o que perdem em não buscar a verdeira via capaz de abrir caminhos irrefutavelmente mais competitivos, de multiplicar a sua verba e seu poder de fogo, simplesmente com a utilização de uma boa idéia, na imensa maioria das vezes resultante da observação prática do cotidiano. E do universo daquelas gentes que são seu alvo principal.

Mas qual o quê? Continuam a inserir na sua publicidade cores berrantes,ruidos estridentes(presta atenção para mim seu filho-da-puta, é um dos subtextos que o consumidor ouve, imagine o efeito) letras garrafais, pontos de exclamação, reticências(argh), piadinhas merdosa(é diferente de bom humor) o que só vem atormentar a mente de um consumidor exposto a milhares de mensagens diariamente, algumas de padrão internacional de superprodução, e muitas com idéias-força, que vão lhe moldando a percepção.

É de uma ingenuidade de dar dó, achar que no seio de uma programação com a alta qualidade das nossas novelas, por exemplo, que um comercial de baxíssima qualidade, vá produzir o efeito pretendido, para além da sensação de uma grande dor de barriga. Nem chega a ser tão-somente veiculação( o que é diferente de ser visto e motivar ação) E só “cuação” . Equivale a passar vinte vezes na croisette ou no “quem-me-quer” da sua cidade, a bordo de um carro rosa-cu, oncinhas a tira -colo, buzinando a vapor, com quinhentos decibéis de som . É claro que todo mundo vai lhe “ ver”. Mas quem é que vai ter coragem de sair com você? (se alguém topar, você certamente vai estar em maus lençóis). Isso é o que acontece com a publicidade de má qualidade.

O consumidor vê, mas não reage. Nenhum recall positivo é produzido. Imagem de marca que é bom nada. Aliás, já que os "homens do varejo são bons de conta" deveriam considerar Ignácio Roset, em Propaganda Silenciosa, ao citar um inquérito conclusivo conduzido pela Universidade de Harvard, que confirma outros tantos ao demonstrar que 85% das mensagens publicitárias não atinjem o consumidor. Dos 15% que sobram, 5% provocam efeito contrário(o chamado efeito boomerang, a rejeição causada pela má qualidade ou saturação de mídia). E somente 10%, agiam, em princípio, positivamente. É necessário dizer ainda que estes 10% ao fim de 24 horas reduzem-se, pelo esquecimento, a apenas 5%. Portanto 95% das mensagens publicitárias não atingem o alvo.

Que fazer então? Gritar ainda mais? Ou procurar através da criatividade inteligente, despertar, prender e cativar a atenção dos seus clientes, atuais e potenciais? Criatividade é - e sempre será em publicidade- uma questão de números, principalmente quando o meio empregado é a televisão, meio em que a apreciação é muito mais crítica e exigente. você está interrompendo o noticiário, o filme, o jogo de futebol ou a novela, aos gritos? Coloque-se no lugar deles. gritos ou sussuros? inteligência ou estupidez? inovação ou mesmice? tédio ou sedução?Bom-Humor ou velório ?

A mente do consumidor está sempre a procura de novidades. Quando não das mesmas coisas, ditas e mostradas de uma maneira nova - piada velha é um saco - interessante, intrigante. O comum, o mundano, o mediano, o previsível, o grito são devidamente ignorados. isto já é o seu dia-a-dia, rejeitá-los é uma maneira de não enlouquecer, principalmente nos estratos de baixa renda. Todos já devíamos ter aprendido que nem sempre o consumidor vota em quem lhe dá a camiseta ou canta o samba que dança. Traduzindo: voltar-se-à de imediato para quem souber conquistá-lo com algo mais que grito, sangue e pudins de esparadrapo.

É a criatividade, esta sim – e não confunda imaginar com criar - que faz saltar a sua marca, serviço, aos olhos do consumidor. Que faz com que a sua mensagem, ainda que com menos verba, seja vista, aceita, lembrada e cobiçada, do que outras com verba maior. Ninguém dá ouvidos há quem lhe grita. O processo é sobretudo psicológico e antropológico, antes de ser mercadológico. E enquanto mercadológico, a função da publicidade é persuadir. persuadir com o grito?lembra quando a sua professora gritava com você? aprendia mais ou a odiava mais?

Sempre é bom lembrar que as classes de renda mais baixa não recorrem, por exemplo, as falsificações de grandes marcas pelo preço ou pelo grito do camelô. Recorrem pela força representativa da sensação da igualdade social causada pela imagem das marcas. Se não fosse assim elas, comprariam outros produtos ainda mais baratos com melhor qualidade. Elas não vão ao supermercado, outro exemplo, pela força da sua publicidade( há exceções, raras mas há). Vão pelo consumo inércial de bens de primeira necessidade. A sua publicidade, na imensa maioria dos casos não consegue produzir um incremento quantitativo nem qualitativo nas suas vendas nem para sua marca. Muito menos aquela folhetagem que é literalmente usada na maioria das vezes para limpar sujeira.e diga-se de passagem nem para isso funciona bem.

Ninguém gosta de se chamado de burro ou de pobre. Todo mundo quer ser tratado com consideração. Mesmo os semi-analfabetos percebem a linguagem dos símbolos, das analogias, das metáforas. Riem-se e acham dez. Constroem-se assim laços emocionais de identificação e priorização na hora da escolha. Não nos esqueçamos que antes da linguagem, havia a linguagem dos símbolos e sinais em graus bastante sofisticados. E que estes foram e são o pilar da civilização.

O fato é que apesar de todas as mudanças que tem acontecido em ritmo
alucinante, o homem conservou seus desejos ancestrais de amar e ser amado, proteger e ser protegido, valorizar e ser valorizado e de ser reconhecido como alguém diferenciado no seio das diversas tribos. Este princípio vital, independe da classe social ou de renda a que pertenca. Não é gritando com ele, reduzindo-o a condição de macaco que vamos conseguir conquistá-lo, seja para o o que for, principalmente no varejo. Aliás, alguém já disse que se grito resolvesse alguma coisa os macacos seriam os maiores publicitários do planeta.
A publicidade profissional eficaz é, acima de tudo, aquela que apresenta a verdade vestida com a roupa de domingo, mesmo para quem não tem roupa ou domingo. Assim como para causar a melhor impressão possível, ao apresentar-mo-nos para alguém pela primeira vez, procuramos a melhor combinação de cores, ser mais educados, ser mais agradáveis, o mesmo se passa com a publicidade. Isso é fato, é a vida. E contra fatos não existem argumentos. Mas se você ainda assim continua a achar que ser direto é o que vale, então(sorry, pelo machismo) experimente ir direto ao assunto e passar a mão na bunda da mulher na frente da fila(sedução e jeitinho pra quê?isso é coisa de boiola) sem esqueçer de gritar(capriche na voz de machão) que você quer trinchar o carnão. Qual seria o resultado, relação custo-benefício entre tapas e beijos?

Apesar de tantas evidencias em contrário de tanto gritar, vários clientes e agências ficaram surdas-mudas-cegas. Sorte sua se você não for a falência(tudo que cresce sem sustentação desaba) e ficar brocha com a sua comunicação, o que vai contecer mais cedo do que você pensa. Exemplos é que não faltam e provavelmente você será o próximo. Porque então não usar a criatividade para se tornar um exemplo de sucesso?

A publicidade mal-feita é sempre mais cara do que a publicidade bem feita.
Se não acredita nisso então não há negócio.Já que você tem que pagar - nada de graça presta - pague por algo que faz a diferença positiva em seu favor. A isto também se chama escolha criativa. E é sempre melhor escolher quando ainda se pode do que quando não se tem mais alternativa. Qual é então a sua alternativa de varejo? Infernizar a a sua vida e a vida dos seus clientes com publicidade rouca ou dar-lhes um gostinho de céu?
Também no varejo, Deus ajuda a quem cedo madruga. Não se esqueça que os milagres pomposos são produzidos a partir de rezas quase silenciosas.
E com os diabos homem! nem o capeta grita quando quer vender alguma coisa.

Celso Muniz*, publicitário brasileiro, vive em Lisboa. de vez em quando vem ao Brasil ver se encontra uma eva que lhe venda uma jaca, um kiwi, um cupuaçu, desde que não seja no grito.

* texto originalmente escrito em 2002.

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