“Não vejo ninguém
feliz em agências”
Alexandre Gama confessa que não
acredita mais no modelo das grandes holdings e fala que preferiu ver a Neogama
acabar do que presenciar a operação perder sua identidade criativa
Alexandre Gama: “Não gosto de jogos
corporativos” (Crédito: Arthur Nobre)
Embora tenha
oficializado sua saída da Neogama no início de dezembro, Alexandre Gama há
havia iniciado o processo de separação da agência que fundou e liderou por 17
anos desde 2012, quando a companhia foi vendida ao Publicis Groupe.
Meio & Mensagem: Quando você
retornou ao Brasil para assumir a Neogama, no final de 2015 (após a agência ter
saído da rede BBH) já havia a intenção de deixar a operação algum tempo depois?
Quando que, de fato, essa decisão de deixar a Neogama foi tomada?
Alexandre Gama: intenção de deixar a Neogama ocorreu automaticamente no momento da
venda da agência para o Publicis Groupe em 2012. Já estava definida há 6 anos
atrás e era só uma questão de quando. Nada intempestivo portanto. É uma decisão
empresarial. Tanto que os outros dois sócios que a agência tinha também já
saíram e bem antes de mim. A razão é
obviamente a própria venda, já que permanecer executivo do negócio onde se foi
o dono é algo que não se sustenta no tempo. Vários amigos e outros
empresários me perguntavam constantemente o que eu ainda estava fazendo ali.
Mas a saída efetiva de um acionista majoritário da empresa que fundou e dirige,
nunca acontece no tempo de um executivo ou funcionário por exemplo. Há uma
série de mecanismos contratuais ligados principalmente ao “earn out” que fazem
parte da equacão da venda. Sair não é um ato – é um processo. E da intenção e
decisão, até à implementação, muita água rola embaixo da ponte. O fato é que o
planejado e escrito foi seguido à risca e os passos foram sendo dados na
direção da liberdade empresarial. Há também pessoas que nem sabiam e outras que
já tinham até se esquecido que eu havia vendido a agência há quase
seis anos. Talvez, também por isso tenha parecido surpreendente eu
sair agora. Mas devia ser longe de uma surpresa. A surpresa seria eu ficar
ainda mais tempo. Importante: as pessoas não se deram conta talvez de que
quando fiz a exposicão “Ideia e Forma – Alexandre Gama” em 2014 no MAB- Museu
de Arte Brasileira, eu já estava fechando o capítulo Neogama. O livro da
exposição tem prefácio, meio e epílogo. E tudo dessa fase de existência da
agencia é sumarizado ali.
M&M: Quais foram os fatores que
pesaram na sua decisão de deixar a agência que fundou? O atual cenário do
mercado de comunicação teve algum peso nessa decisão?
Gama: Tenho veia empresarial, gosto de empreender. Gosto de
independência e liberdade de atuação. Gosto de trabalhar do meu jeito e foi por
isso que criei meu negócio. Era natural portanto, sair quando já não fosse
mais meu. Não gosto de jogos corporativos nem da dinâmica da vida executiva. E não acredito na qualidade de governança
da maioria das agências que se tornaram corporações com múltiplos níveis
hierárquicos e estrutura inchada, lenta e burocrática. Quando criei a
Neogama via as coisas muito diferente disso e queria construir uma cultura
própria de trabalho em comunicação. Fiz. Está feito. Pronto. Foi sucesso e a
venda dessa criação – mais de um ano depois da venda do meu outro
sócio, a BBH – foi uma das transações de maior valor do mercado brasileiro até
então. Missão cumprida. A saída me deixa livre para empreender de novo. E
estou me sentindo muito feliz e motivado com essa possibilidade.
M&M: Nesses últimos dois anos em
que você passou no comando da Neogama, como preparou o terreno para a
sua saída?
Gama: Do lado empresarial, cumpri os requisitos estabelecidos no
processo de venda que são bem claros e específicos. Além disso, também
trouxe clientes novos para a carteira da agência como Boticário e Ypê por minha
conta – mesmo a agência não sendo mais minha e não havendo nenhum incentivo do
Publicis Groupe para isso. Meu objetivo foi deixar a agência bem e fazendo
jus à sua reputação. E este ano foi assim: crescimento de quase 20%,três Leões
em Cannes, dois Effie Awards de eficácia em comunicação para trabalhos para a
Renault, e margem em ascensão na casa dos dois dígitos maior que algumas
agências do Grupo, por exemplo. Além de uma série de prospects e concorrências
em andamento. Saio deixando o terreno arado. Se querem adubar ou fazer uma
queimada, é direito e escolha do dono.
M&M: Você teve influência na
decisão do Publicis Groupe de fundir a agência com a Leo Burnett Tailor Made? O
que achou da solução?
Gama: Não e nem gostaria de ter. Conversou-se por quase dois anos sobre
o que poderia ser feito no futuro, quando da minha saída, e avisei claramente
no começo de 2017- e diretamente em reunião em Cannes em junho com o grupo –
que começaria 2018 fora da agência, empreendendo novamente. Jogo abertíssimo do
meu lado. Além do que, tenho outros negócios como a participação acionária
na BAC na Inglaterra, o VIOLAB e outras iniciativas que não envolvem o mundo da
comunicação e aos quais quero dar mais foco a partir deste novo ano. Mas é
fácil entender o caminho que eles escolheram quando decidi sair. Como o grupo
tem viés financeiro forte, consolidação será sempre o caminho
preferencial. Acho que quem compra um ativo pode fazer o que quiser com ele.
Tem esse direito. No caso, a solução é previsível: fundir ativos entre si.
Distribuir contas aqui e ali nas agências do grupo em que couberem. Nada novo
portanto. E nada que o mercado já não tenha visto acontecer antes com várias
agências. Holdings de comunicação não
são criativas nesses casos. Elas estão em última instância sempre de olho no
valor da ação global. Que vem caindo, a propósito. O problema é que no
ramo de serviços, quem determina esse valor são os clientes. E são eles que
escolhem por quem querem ser atendidos. Sempre.
M&M: Que legado você acredita que
deixou para a Neogama e para o mercado publicitário nacional?
Gama: Honestamente, nunca tive a vaidade ou interesse de deixar um
legado. O que construí e construo tem compromisso com o momento presente e com
minha visão de negócio e serviço. Uma empresa tem que ser um produto de seu
tempo. E se renovar constantemente na mesma crença se quiser continuar sendo
relevante. Em 17 anos de Neogama, esse foi o norte. O que ela deixou foi
um exemplo de sucesso, difícil de ser seguido porque o exemplo é: somos assim,
sem concessões. Mas serei ainda mais sincero nessa questão: Depois
que vendi a Neogama em 2012, sempre passava um filme de zumbi na minha
cabeça: eu deixando o corpo da agência
que fundei quando terminasse o período de permanência contratual e ela – por
obra de um vudú financeiro – continuando a andar pelo mercado – uma entidade
sem a vida original, como tantas que ainda existem com o nome, mas sem a alma
criadora. Acho que o encerramento da Neogama é um atestado da total
independência que ela sempre teve. E de certa forma um alívio para mim. Porque
acho que tudo que é verdadeiramente vivo tem um começo, um meio e tem que ter
um fim. A Neogama foi uma pessoa jurídica animada integralmente pela visão,
crença e independência de uma pessoa física. Corpo e alma. E é isso que fez
dela o sucesso que foi como agência à sua própria maneira. A cultura que
construí dentro desse corpo (que foi projetado totalmente do zero para
materializar a crença) foi produto desses valores e gerou um jeito distinto e
próprio de criar comunicação. Quando decidi deixar a agência agora no
final do ano, para iniciar um ciclo novo, sabia que se ela seguisse pela mão de
outra orientação, não continuaria existindo da mesma maneira que antes. Seria
apenas mais um “ativo” de portfólio como tantas e estaria destinada a ser algo
que nunca foi. Talvez até a antítese do que era. Encerrar uma agência tão
independente como a Neogama é o certo na minha visão. E nesse caso, se quiserem
ver um legado nesse gesto ele é: não acredite em zumbis.
M&M: Falando sobre futuro: quais
são seus planos a partir de agora?
Gama: Tem tanta gente boa querendo o novo, tantas mentes brilhantes que
vêem as coisas como eu estou vendo, tanta gente que acredita na independência
de pensamento e ação. E tanta gente querendo fazer coisas conjuntamente, sem a
necessidade de seguir os modelos que estão aí sofrendo. Estou na fase de
ouvir e ver – e quem quiser ser visto e ouvido com suas ideias, tem em mim
agora uma porta aberta. Neste momento estou em Londres conversando com
gente interessante. Em março estarei no South by SouthWest como delegado e
tenho uma série de encontros no Brasil e fora. Se posso resumir, é assim:
o Gama está saindo para buscar o “Neo”.
M&M: Você cogita a possibilidade de
voltar a gerir uma agência de comunicação?
Gama: Não acho que essa definição se aplica mais ao tipo de serviço a ser
prestado no mercado. Vamos ser claros:
não vejo ninguém feliz dentro das agências, principalmente nesse modelo de
holding e grupos. As pessoas estão saindo em peso dessas estruturas e
se algúem for ver quantas já deixaram os grupos nesses últimos anos,
ficará chocado. Poderia-se dizer que os grupos estão renovando, mas a
verdade é que as lideranças de saída é que estão renovando sua visão de
trabalho e não querendo mais operar de dentro de um modelo tão engessado e
financeiramente restritivo. O talento não está feliz e os grupos de comunicação
podem perder cada vez mais gente de talento. É uma pena, Mas, por
outro lado, um ciclo novo se abre com empreendedorismo independente. E essa é a
beleza da coisa. Acho que há muito espaço novo para David nesse jogo
antigo de Golias.
M&M: Na entrevista que você
concedeu ao Meio & Mensagem em 2016, você disse que tinha outros
projetos paralelos à publicidade. Como estão esses projetos?
Gama: Música, conteúdo, design, entretenimento, cinema, inovação,
tecnologia, está tudo no meu horizonte neste momento. Na parte de música,
lanço um trabalho inédito dos principais nomes da música instrumental de violão
no país. De Yamandú Costa a Ulisses Rocha, os principais nomes do instrumento
já gravaram e vou lançar esse trabalho pelo Violab (plataforma digital dedicada
ao violão) logo no começo do ano. A BAC- empresa britânica de carros da
qual sou sócio também vai bem e estarei mais perto dela em 2018. Essas e outras
iniciativas nas áreas que mencionei acima, serão o escopo do meu ano. Estou
super animado.
M&M: Alguns dos líderes de agência de sua geração também já
deixaram seus postos e passaram o comando para outras pessoas. Como você
vê esse movimento de renovação dos líderes das agências brasileiras?
Gama: Não sei bem. Não deixei um “posto” na verdade. Estou deixando uma
empresa que criei e vendi não para me aposentar ou ir esquiar, surfar ou
qualquer outra coisa – com total respeito às escolhas das pessoas. Mas sim para
criar e cuidar de outras empresas e iniciativas que quero ter. Meu foco é
empresarial e não profissional. Além disso, adoro problema e desafio
intelectual. Não sou do sabático, sou do “segundático”. De qualquer forma, a renovação, a meu ver,
não está em ter líderes novos em empresas e modelos velhos. Mesmo que pareça
que isso renova as empresas, essa é uma leitura ilusória e míope da verdadeira
mudança e da revolução que está em curso e que é mais profunda que uma
maquiagem apenas. A verdadeira renovação está mesmo em criar empresas novas,
com novos modelos e novas propostas de atuação, com alma e valores fortes e
independentes, coisas que não se consegue com fusões dentro de grupos. É nelas
que os novos talentos querem trabalhar a meu ver. Acho que funciona
mais ou menos como no filme Field of Dreams (Campo dos Sonhos), onde Ray o
personagem do Kevin Costner – um agricultor do Iowa- ouve uma voz misteriosa durante a noite vinda do seu milharal que diz: “Se você construir, eles virão”.
(bárbara sacchitiello, para o m&m)