o oceania, quer dizer o aquarius |
Ledo engano, meus caros. Não existe neutralidade em nenhuma ação, isso é uma falácia pra vender publicidade e jornalismo que corrobora pra ideologia dominante, coisa de quem não quer reconhecer a realidade perversa que existe. Pois bem, voltemos ao filme: tive vontade de sair da sala de cinema pelo menos em 3 momentos! Mas eu realmente tive o impulso de levantar na cena em que tratava das empregadas domésticas da "família". Fui segurada pela minha amiga que estava ao lado e que me fez ver o filme até o final. Fiquei lá, contrariada, mas fiquei. Assisti tudo na promessa de que se tivesse a parte 4 eu não aguentaria e sairia mesmo! Esse foi o acordo.
"Se a intenção era chamar atenção para a forma com que a classe média trata as pessoas trabalhadoras domésticas, o filme não cumpriu o papel de comunicar e problematizar a questão. Não teve a proposta de desvendar essas relações, apenas de apresentá-las ao público que, em sua maioria, adorou e aplaudiu nas salas de cinema" |
O ápice do meu incômodo foi quando soltaram a frase "Elas roubam e a gente explora. Justo", sobre a lembrança de uma empregada doméstica antiga que havia roubado a família. Engraçado que mostraram essa cena de "roubo" mas não mostraram a relação de exploração perversa da classe média para com suas trabalhadoras domésticas. O "justo" acabou sendo aquela relação de que "são quase da família". E se a intenção era chamar atenção para a forma com que a classe média trata as pessoas trabalhadoras domésticas, o filme não cumpriu o papel de comunicar e problematizar a questão. Não teve a proposta de desvendar essas relações, apenas de apresentá-las ao público que, em sua maioria, adorou e aplaudiu nas salas de cinema. Não teve um viés questionador como eu imaginava, dada a repercussão do filme. Para uma amiga, o filme foi mea culpa. Para mim, foi perfumaria.
Percebam o quanto a mídia é responsável por manter e alimentar o imaginário social racista, fazendo com que no cotidiano as relações sociais também se mantenham, ou seja, vocês se assustarem quando uma mulher preta chefia grandes projetos e empresas, o "espanto" é o racismo. Estranhar a presença de pessoas negras em cargos de responsabilidade ou em evidência cultural, é fruto do racismo que segue sendo reproduzido nas telonas, até mesmo quando este se propõe a algo mais "denunciante", mas que o fez sob a égide racial que estrutura as relações sociais brasileiras.
Não foi utilizado nenhum questionamento para além do que sabemos a respeito das práticas racistas e elitista daqueles que se julgam burguesia para não pertencer à classe trabalhadora como demérito do ser. A especulação imobiliária que contém no filme é algo florido e amenizado no sentido de que a busca por uma solução aparece como individual, de revanche na mesma moeda, de ameaça mas de manutenção dos acordos porque "fulano é da família". As hierarquias mantidas e gravadas serviram para reforçar ideologicamente o lugar que é imposto para as pessoas pretas nesta sociedade. A notar tanto aplauso e elogio sendo distribuídos por aí, isentos de uma reflexão sócio-racial, me fizeram compreender que esse filme serviu para a classe média se identificar com a história e não compreender a colonialidade violenta contida nas relações de poder ali filmadas. Então não acredito que tenha servido amplamente para quebrar questionar esses lugares hegemônicos, de práticas racistas e elitistas, pelo contrário, foi um mea culpa bem chulo que enfatizou o lugar da mulher preta, da trabalhadora doméstica, do porteiro ao salva-vidas, todo mundo tem que estar à serviço de uma pessoa cujo status social é a fonte que desenha as relações.
(aquarius: um olhar sobre a narrativa da classe média branca - por jéssica hipólito, na caros amigos)
o aquarius, quer dizer o oceania, em 1950 |
nota do blog: publicar o artigo não quer dizer necessariamente que concordamos com seu teor, até porque não vimos o filme ainda. mas é sempre um dado a mais para reflexão, equivocada ou não.
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