Sobre não seguir a
corrente, não usar uma ética descartável
e não pegar todo e
qualquer trabalho visando apenas faturar
“ Coragem é colocar
as suas crenças acima do instinto de auto-preservação ”
— David Droga.
“ Coragem é levar o
negócio (da agência e do cliente) para lugares perigosos por uma boa razão ” —
esta, infelizmente, sem o autor confirmando a ausência de método por essas
bandas de cá.
Já no dia 11 de
setembro de 2016, de uma rara conversa com Isay Weinfeld no Festival do Clube,
reservei com cuidado uns muitos aprendizados. Entre tantas coisas, Isay falou
sobre a relação de confiança que precisa ser estabelecida com o cliente e o
quanto ele preza por cada detalhe:
“ Às vezes se esquece
que a obra é para quem pediu, não para você. Eu não projeto para mim,
projeto para o outro. ”
“ 95% do meu trabalho
é psicanálise. Os outros 5% são sobre pensar em tudo o que foi dito ”.
Em 2002, sem mês
específico, anotei em um arquivo de Word sobre a recusa de um tatuador. Segue o
evento reescrito com tintas de hoje: Certo dia, na hora do almoço, adentrei em
um estúdio de tatuagem com um colega de trabalho. Eu sabia exatamente o que
queria, ele não. O tatuador pediu para que cada um descrevesse o que gostaria
de fazer e, em seguida, observou calmamente os desenhos já existentes nos
corpos daqueles estranhos. Por um tempo, ele pareceu absorto, distante e,
enfim, deu o seu parecer: tatuo você na semana que vem. Já para o cidadão ao
meu lado, ele não hesitou: não vou tatuar você.
O meu amigo
inflamou-se de raiva, tentou encontrar uma resposta para aquela sentença. No
afã, acabou dando uma carteirada: mas eu vou pagar. E o profissional já
calejado por anos de estúdio, retrucou: um trabalho que eu não acho coerente
dói mais em mim do que em você, prefiro não fazer.
Distantes no tempo e
nos arquivos, enxergo nesses eventos pontos que se conectam em uma espinha
dorsal. Na frase de John Hegarty há uma desconstrução inusitada e verdadeira.
Coragem no Keynote, todo mundo tem, mas na hora de pagar a conta, a
decisão é de um lado. Respinga em todos? Respinga, mas a tinta pesa mais para o
cliente. É uma reflexão que nos ajuda a rebalancear o ego. David Droga abre o
leque da bravura e inclui as duas partes. É necessário, sim, enfrentar esse
instinto que pode ser o do bônus garantido no fim do ano, da cadeira confortável
e do salário alto, dos vícios em apostar nos mesmos formatos, nas fórmulas que
deram certo para o concorrente. Coragem é sobre andar por caminhos não
trilhados lembra o anônimo que estava lá e eu não anotei.
Do quase silencioso
Isay, retiro a observação sobre ficar atento para que o ego de quem faz não se
sobressaia ao trabalho pedido. Não criamos para nós mesmos, não somos nós que
habitaremos aquele ambiente, que vestiremos aquela campanha. A boa relação
parte do entendimento verdadeiro sobre o outro, do que ele precisa e carrega
junto à possibilidade do não.
Do tatuador, o rigor
que sublinha a importância de manter a coerência sobre aquilo que você acredita
ferir os seus princípios. Não é seguir a corrente, usar uma ética descartável,
pegar todo e qualquer trabalho visando apenas faturar. Das anotações, percebo
que retidão também não aceita desaforo.
(retidão não aceita desaforo,do andré kassu, pica grossa da
crispin porter + bogusky brasil, in opinião no meio&mensagem)
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