Eu prefiro ser tratado por médicos brasileiros, embora 54,5% dos 2400 formandos que fizeram a prova do Conselho Regional de Medicina de SP não atingiram a nota mínima. O pior é que os erros se concentraram em áreas básicas. Mesmo assim vão poder exercer a profissão e atender aos infelizes que caírem em suas reprovadas mãos. Mas eu não moro em São Paulo. Prefiro médicos brasileiros, porque eles são coisa nossa. Por exemplo, a gente liga pra marcar consulta e a telefonista do doutor pergunta: - é particular ou plano? Se for plano, empurram sua consulta lá pra frente. Particular, eles dão um jeitinho. Coisa nossa. Prefiro médicos brasileiros, porque quando chego ao consultório, fico esperando mais de uma hora pra ser atendido. É porque eles são bonzinhos, gostam de atender a todo mundo, e sabem que ali, no calor apertado da sala de espera, sempre pode rolar uma conversa agradável sobre sintomas e padecimentos com outros médicos. E a socialização é muito importante. Sem contar que podemos adquirir informação, com a leitura daquela Veja em que Airton Senna e Adriane Galisteu ainda estão namorando. Ah, tempo bom! É coisa nossa. Prefiro médicos brasileiros, porque quando a consulta é particular, eles fazem questão de não dar recibo, ou então a recepcionista pergunta se vou querer a nota fiscal, porque aí o preço é diferente. Não é sonegação, claro que não. É porque eles têm vergonha de espalhar quanto cobram pela consulta. Coisa nossa. Prefiro médicos brasileiros, porque eles vivem chorando miséria, mas, mesmo assim, no estacionamento dos médicos nos hospitais só tem carrão importado. Parece até pátio de delegacia de polícia. Coisa nossa. Prefiro médicos brasileiros, porque você faz todo o acompanhamento de sua doença com o doutor do seu plano de saúde, mas na hora da cirurgia, embora ela seja coberta pelo plano, o doutor sempre pede um por fora, pra ele e equipe. Inclusive o anestesista, aquele médico que não é médico, não tem plano, não obedece a sindicatos nem nada. É sempre por fora. É coisa nossa. Prefiro médicos brasileiros, porque várias vezes você chega ao posto de saúde, a uma emergência ou ao hospital e ele simplesmente não foi trabalhar, e usa de sua criatividade, inventando até dedinhos de silicone, para receber aquele salário que eles dizem que é uma merreca. Mas, isso é mentira, na verdade eles não vão trabalhar porque os hospitais, ambulatórios, as emergências e postos de saúde não dão condições. Eles só não largam o emprego porque têm pena dos pacientes que vão deixar na mão - embora não trabalhem. Pelo menos é o que dizem. Coisa nossa. Só escrevo este texto, porque tenho vários amigos médicos e, infelizmente, não vejo nenhum deles se levantar contra esse hediondo corporativismo, contra essa maluquice generalizada de que seus colegas cubanos (que trabalham no mundo inteiro) são despreparados e, pior, vão espalhar a ideologia comunista pelo Brasil. Esses médicos que acham que municípios sem médicos têm que continuar assim, enquanto não tiverem infraestrutura, como naquela história da época da ditadura, de que era preciso primeiramente fazer crescer o bolo para depois dividi-lo. Se os médicos estivessem defendendo seu mercado de trabalho... Mas, não, os médicos estrangeiros só estão vindo ocupar vagas que foram recusadas por seus colegas brasileiros, que não querem trabalhar e também não querem que outros trabalhem. O paciente... ah, o paciente. Ele não é mais paciente, agora é cliente. Claro que temos ótimos médicos. E muitos deles já se declararam a favor da vinda de seus colegas do exterior. Temos ótimos médicos, repito. Vários deles trabalhando em condições precárias. Temos muito o que melhorar, e a presidenta Dilma reconheceu o problema em seu pronunciamento na TV: Quero propor aos senhores e às senhoras acelerar os investimentos já contratados em hospitais, UPAs e unidades básicas de saúde. Por exemplo, ampliar também a adesão dos hospitais filantrópicos ao programa que troca dívidas por mais atendimento e incentivar a ida de médicos para as cidades que mais precisam e as regiões que mais precisam. Quando não houver a disponibilidade de médicos brasileiros, contrataremos profissionais estrangeiros para trabalhar com exclusividade no Sistema Único de Saúde. Mas, o que estamos vendo é que existe um grupo de médicos para quem os cidadãos brasileiros de municípios sem médicos devem sofrer calados ou pegar um ônibus, barca, trem, o que seja, para procurar uma cidade onde um senhoríssimo doutor (brasileiro) o atenda, quando der. A esses lembro que Deus é ironia, e eles podem amanhã ou depois sofrer um acidente, numa pequena cidade, um pequeno município daqueles que ninguém jamais ouviu falar, eu gostaria de saber o que sentiriam ao ouvir alguém lhe falar assim: - Necesita de ayuda, señor? (Texto retirado do blog do mello que também sugere a leitura do texto abaixo, do Luciano Martins Costa, publicado no Observatório da Imprensa) |
O que move as entidades médicas
Uma leitura cuidadosa dos principais jornais brasileiros de circulação
nacional mostra que há uma tendência da imprensa a desqualificar o
programa Mais Médicos, pelo qual o governo federal procura suprir a
falta de profissionais de saúde em bairros periféricos das grandes
cidades e nos municípios distantes dos grandes centros.
De modo geral, o noticiário abre com informações aparentemente
equidistantes da polêmica central sobre o assunto, mas a hierarquia das
notícias e as escolhas das análises priorizam opiniões contrárias à
iniciativa do governo.
Nas edições de sexta-feira (23/8), a exceção é a Folha de S. Paulo, que dá espaço para um artigo esclarecedor sobre a questão. No Estado de S. Paulo,
o principal destaque vai para dados factuais, como o número de cidades
paulistas que vão receber médicos selecionados na primeira fase do
programa. Nesse texto está inserida a defesa do projeto, sem um destaque
especial. As opiniões contrárias estão separadas em dois outros textos,
um deles informando que as entidades representativas dos médicos
brasileiros e partidos de oposição vão recorrer ao Ministério Público do
Trabalho para impedir que se consolide a contratação de estrangeiros.
Abaixo da reportagem principal também é publicado o resultado de uma
pesquisa que supostamente mostra que o programa Mais Médicos é rejeitado
pela maioria da população. No entanto, esse texto peca pela falta de
precisão e acuidade. Por exemplo, não informa de quem é a iniciativa da
consulta, feita por um tal Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade
Industrial (ICTQ). Também omite que o ICTQ é uma empresa de educação
continuada que é apoiada pela indústria farmacêutica, oferecendo cursos
para profissionais do setor.
A “pesquisa” é referendada por um dirigente do Conselho Federal de
Medicina, que usa as informações para reforçar a campanha da entidade
contra o programa do governo. Trata-se, portanto, de uma daquelas
artimanhas do jornalismo segundo a qual um suposto dado objetivo, como o
resultado de uma pesquisa, é apresentado como fato comprovador de uma
opinião preexistente, omitindo-se do leitor o contexto que lhe
permitiria relativizar a informação – no caso, o interesse específico da
indústria farmacêutica.
A serviço das farmacêuticas
O Globo nem mesmo se dá ao trabalho de dissimular sua posição:
abre a página explorando contradições entre integrantes do governo sobre
o salário que os médicos cubanos irão efetivamente receber. No quadro
em que o jornal costuma emitir sua opinião, fica claro que seus editores
se alinham com o viés mais reacionário das entidades médicas: o texto
afirma que “como existe um eixo Havana-Brasília, assentado em simpatias
ideológicas, é preciso atenção redobrada na qualidade da prestação de
serviço dos companheiros cubanos”.
Assim, em linguagem quase chula, o jornal carioca apoia a ideia de que
os médicos cubanos estão sendo trazidos para fazer “pregação comunista”,
como entende o presidente do Conselho Federal de Medicina.
A Folha de S. Paulo se destaca por abrir um pouco mais o leque
de alternativas do leitor, informando na reportagem principal que o
Ministério Público do Trabalho vai investigar as condições da
contratação de médicos cubanos. Em outra página, também com destaque,
publica a posição do governo brasileiro, manifestada pelo secretário
nacional de Vigilância Sanitária e pelo ministro das Relações
Exteriores. Há também um perfil dos médicos cubanos que já atuam no
Brasil, material acompanhado por um infográfico que mostra a
distribuição desses profissionais em todos os estados.
Mas o diferencial da Folha é uma análise produzida pelo jornalista Marcelo Leite (ver aqui),
na qual ele observa que Cuba forma milhares de médicos por mês, “como
produto de exportação”. O autor explica que o governo cubano montou uma
verdadeira indústria de profissionais de saúde, a maioria deles com
especialização em medicina preventiva. Esse seria o segredo principal
das realizações do regime cubano na área da saúde, como uma taxa de
mortalidade infantil inferior à dos Estados Unidos. A ilha comandada
pelos irmãos Castro desde 1959 produziu a partir de então 124.789
médicos e se destaca pela prevenção de doenças, diz o articulista.
Esse é o ponto central da polêmica: ao trazer 4 mil médicos de Cuba, o
governo brasileiro está sinalizando que sua estratégia para suprir as
deficiência da saúde nos lugares mais pobres vai se basear no
atendimento preventivo, que reduz sensivelmente os custos do sistema e
diminui a dependência em relação às empresas do setor farmacêutico.
O articulista da Folha dá a pista de onde vêm os interesses
contrários ao programa do governo, ao afirmar que “na medicina
preventiva, sua especialidade, é possível que [os médicos cubanos] se
revelem até mais eficientes que os do Brasil, cuja medicina tem outras
prioridades”.
Some-se isso com aquilo e... bingo! O leitor já sabe a serviço de quem
estão as entidades que se opõem ao programa Mais Médicos.
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