sexta-feira, dezembro 21, 2012

aos mortos-vivos ou àqueles que ainda respiram ideias

O mundo não acabou, mas o consumidor morreu




Liberte-se a dispensa de comida enlatada e liofilizada. Bebam-se os garrafões e as banheiras de água potável e rasguem-se os planos A, B e C de fuga para a aldeia onde temos aquele pedaço precioso de horta. Sofia, podes guardar o teu dente de ouro porque não vais precisar de o trocar pela entrada num abrigo nuclear. O dia 21 começou e o mundo não acabou. Parece que afinal quem morreu foi o do costume, para nos servir daqui a uns dias: o perú. Esse e o Consumidor. Com certeza que todos já deram pelo seu desaparecimento.

Deste acontecimento apocalíptico que é a morte do Consumidor e que marca o fim de uma era nas marcas, assistimos a duas formas distintas de expressão. Muitas ainda tentam desesperadamente alimentar-se do cadáver. Ainda o abanam na esperança que dê mais um fôlego. Ainda lhe encostam a cabeça ao peito a chorar. Mas existem aquelas outras, as poucas, as gotas, que se dirigem ao novo Ser que nasce das cinzas para começar uma nova era: a pessoa.

Ainda vemos muitos ataques de nostalgia (por vezes com toques tão poéticos de saudosismo que nos fazem acreditar que ainda vivemos nesses tempos) em folhas de briefings, em bocas de clientes e em línguas que falam marketês fluentemente. O Consumidor era aquele que podia ser designado do sexo feminino, que tinha entre 25 a 55 anos, activo, classe média/média alta. Lembram-se? Aquele que ía ao ginásio 2 ou 3 vezes por semana e que conhecia perfeitamente bem as suas marcas. Aquele que não tinha vida mas sim lifestyle, que era naturalmente curioso e que estava sempre na moda.

Já uma pessoa, ou tem 25, ou 55 anos. Ou é uma rapariga, ou uma mulher. É muitas vezes mais activa do que gostaria, paga um ginásio que não frequenta há pelo menos 6 meses e não percebe 80% dos anúncios que vê (porque 80% não são para elas, mas sim para os Consumidores), e isto quando algum tem, pelo menos, o crédito de lhe chamar a atenção. Uma pessoa sabe que a curiosidade não se manipula, desperta-se.

Nos seus últimos tempos de vida, o Consumidor era homem-mulher, e que, como era refém da crise, só olhava para promoções e não fazia compras de impulso. O consumidor não lia. O consumidor era convencido a consumir novelas não pelo prazer de uma boa história, mas sim para ganhar jipes e barras de ouro. Já uma pessoa, fala de um canal chamado TNT, que fez uma acção muito gira chamada "push do add drama". Uma pessoa não só fala dessa história como partilha esse vídeo que correu o mundo e que tem como assinatura um número de likes tão elevado que uma pessoa não sabe pôr em palavras. Uma pessoa junta 600 euros para comprar um telemóvel lindo, mesmo que só ganhe 600 euros por mês. Uma pessoa gosta de coisas bonitas e de romances. Tem paixão por fotografia e não por um photoshop impossível. O consumidor é razão. A pessoa é emoção.

O consumidor queria falar que nem um pato, apesar de uma pessoa até ser feita mais para ouvir, e de simplesmente não perceber o que isso quer dizer. (E note-se que uma pessoa passa o dia a ler).

Os anúncios para consumidores eram divididos em argumentos racionais e/ou emocionais. Já a comunicação feita para uma pessoa é feita com inteligência emocional. Essa capacidade para reconhecer, compreender, ouvir e lidar com os sentimentos e emoções das pessoas.
O consumidor topava-se com estudos de mercado. Já os hábitos de consumo de uma pessoa vêem-se numa ida ao supermercado. O consumidor movia-se pelo verbo consumir. Já o passatempo preferido de qualquer pessoa é rir. O consumidor era boa cábula para vender campanhas. Uma pessoa é um bom desafio para criar boas ideias.

Mesmo antes do final dos tempos, o consumidor já era burro. Era diferente do cliente e do criativo.

A pessoa não. Uma pessoa é naturalmente criativa, mesmo quando essa consciência era abafada pelos consumidores que ainda governavam o país. O consumidor era para satisfazer. Uma pessoa é para surpreender. O consumidor não tinha dúvidas que o seu negócio era dinheiro. Já uma pessoa sabe que o negócio de qualquer empresa, mesmo (e principalmente) se for um governo ou um banco, são pessoas.

Os consumidores que geriam marcas morreram. Minto. Ainda se encontram alguns a respirar como peixes fora de água. Outros mataram-se, quais Maias que voluntariamente sacrificaram os seus aos deuses, tentando evitar o fim dos seus recursos. Deixaram que a ideia de que todos os consumidores estavam reunidos num só aquário os consumisse e atiraram-se para o facebook mesmo sem saberem nadar. E qual não foi a sua surpresa quando aterraram na 1ª colónia feita de pessoas. Engoliram um pirolito fatal quando viram que não estavam no lugar onde o consumidor as pudesse encontrar e automaticamente gostar, mas sim num sítio onde as pessoas gostam de conversar. Uma comunidade e não um media, onde só se partilha aquilo que se quer. Que loucura a do consumidor. É difícil de imaginar que já foi assim.

Até se dizia que o consumidor do futuro iria consumir digital e que os meios iriam ser outros que não mensagens. Que desde que se tivesse bons gadgets, não era preciso boas ideias. E isto tudo porque, como bom consumidor sabia, o avanço da tecnologia iria ser bom porque se falaria mais barato. E barato era a palavra que fazia ferver o sangue do consumidor. Não admira que tenha morrido. E ainda bem.

Ainda bem que o consumidor morreu para uma pessoa poder apreciar optimus momentos de entretenimento na televisão, feitos de optimus budgets. Ainda bem que as dissertações sobre o "digital" não mataram a aldeia global. Ainda bem que ainda há provas de que as pessoas percebem ideias e que gostam delas como do licor de Portugal. Ainda bem que os meios dos costume não são entraves para ideias que rebentam a escala de qualquer moldura. Ainda bem que a Era em que era suposto agradar a manadas de consumidores e que se queimava dinheiro para dizer tudo sem dizer nada acabou. E ainda bem que já tivemos a sorte de assistir a uma pequena demonstração do brilhantismo que pode ser esta nova era das pessoas e feita neste país onde diziam que não se fazia nada.

O consumidor morreu. Morreu pela sua definição: usou-se; gastou-se; desfez-se. E com ele o publicitário. Morreu o gostinho só por ideias possíveis. E ainda bem. Estão pela hora da morte os que procuram conforto seja em campanhas ou em plafonds de automóveis. Chegou a Era das pessoas e com ela a dos criativos.

Se não acredita não faz mal. É um sintoma típico de visão toldada pelo desespero da sobrevivência, que não deixa que se vejam os sintomas necessários ao optimismo. Mas saiba que o sucesso sempre esteve naquele que acredita. E aquele que acredita, é o que acredita quando mais ninguém o faz. E já que agora falamos com pessoas, e ainda bem, recorro a uma frase de um louco chamado Pessoa para lhe deixar a minha mensagem: (sobre)viver não é necessário. O que é necessário é criar.


(susana lourenço, criativa, presumo, em portugal)

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