De uma hora para outra eu passei de herói a irresponsável, com direito a tratamento de bandido.
Corria a década de setenta e eu, na Norton, recebi a incumbência de cuidar de
um produto de limpeza da Cyanamid. A verba era pequena, e o concorrente era
Fúria, que veiculava uma agressiva campanha, cujo conceito era o furacão
branco.
Com aquilo na cabeça, fui ao cinema. Vi, então, um documentário onde duas
pessoas, com enorme dificuldade e enfrentando um baita perigo, lavavam o
Cristo Redentor. Bingo, pensei. Vou promover a lavação dele, com o produto da
Cyanamid.
Mas como?
Fácil, imaginei. Lembrei-me de que naquela época Sílvio Santos promovia, com
grande sucesso, uma gincana entre entidades filantrópicas: quem completasse a
tarefa em primeiro lugar, ganhava um baita prêmio. Foi só juntar as coisas.
Junto com a produção do programa criamos e colocamos em execução um
plano. O programa faria o desafio, a Agência se entenderia com a administração
do Cristo Redentor e ambos tomariam todas as medidas necessárias de
segurança.
As providências foram tomadas e as coisas iam às mil maravilhas. Dentro da
agência o ambiente era de entusiasmo e eu tratado como gênio. A notícia
chegou nos Estados Unidos e a diretoria matriz avisou que viria ao Brasil só
para assistir ao evento.
Aí aconteceu o imprevisível. O cardeal que na ocasião das tratativas estava
viajando, retornou. E informado do fato não gostou. Nem um pouquinho:
“O que¿ Cristo transformado em garoto propaganda¿ Não admitido.
Cancelem!”
Cancelaram. Quase em cima da hora. O cliente ameaçou tirar a conta da agência
e eu, ex-herói, fui colocado na geladeira.
“Irresponsável! Como você foi ter uma idéia maluca dessas¿”
Por força das minhas responsabilidades na área pedagógica, adquiri o hábito de recortar anúncios publicados em jornais em revistas do país. Chamo isto de dissecar cadáveres.
Como se faz nos Cursos de Medicina, procuro descobrir, através deles, as doenças. A saúde também, embora não esteja certo de que naqueles Cursos essa ação esteja voltada para sacar a saúde dos cadáveres.
Não sei se isso está me fazendo bem. Tenho visto tanta peça, tanta campanha ruim, tanto lugar comum, tanta repetição de cenas, tanto anúncio ilegível, tanta droga que me sinto mal.
Outro dia me disseram:
“Os tempos mudaram. Hoje, os clientes interferem mais.”
Engano: os clientes interferem, ou tentam interferir, como sempre. A questão é: as defesas do trabalham não convencem.
E não convencem por falta de argumentos. Ou por covardia.
Quem cria, quem planeja, quem apresenta o trabalho ao Cliente, tem de ser macho, ainda que a apresentação seja feita por alguém do sexo feminino. Tem de assumir o risco, se estiver apresentando uma boa idéia. E assumir as consequências, se não der certo.
Se a idéia revolucionária que apresentou não der certo, você pode ser chamado de irresponsável. Até perder o emprego. Paciência.
Sua consciência estará em paz. E seu valor será reconhecido logo em frente, talvez até pela mesma agência que o(a) demetiu. E pelo cliente que recusou o trabalho.
(de mocinho a bandido, do eloy "enciclopédia" simões, no acontecendo aqui.
Um comentário:
Oh ,pá! Mas quanto sofrimento em vão! Para que isso, homem? Se fôsses português, bastaria criar qualquer coisa em 5 minutos e após isso, usar todo o tempo para ler o jornal A Bola. Depois sair para almoçar com direito à vinho e whisky como digastivo. Ao voltar do almoço fingir que trabalha e já está: passou o dia e podemos ver na TV o jogo do Benfica! Ó Celso,sigas este conselho: tens que ficar burro e cômodo como nós os portugueses e parar de sofrer.
António Sequeira
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