o blog que dá crise renal em quem não tem crise de consciência. comunicação, marketing, publicidade, jornalismo, política. crítica de cultura e idéias. assuntos quentes tratados sem assopro. bem vindo, mas cuidado para não se queimar. em último caso, bom humor é sempre melhor do que pomada de cacau.
como já dizia uma velha canção do rádio, de um antigo compositor cearense, "eles venceram e o sinal está fechado pra nós que somos jovens"(imagine para os velhinhos). logo eles, que queimaram, furaram, avançaram, sobre todos os sinais que se tornaram monumentos de nossa parte nos erros e acertos; se tornaram os controladores do nosso ir e vir - sentimental, inclusive - sexual já nem falo, dada a mortandade que explode em níveis de guerras mundiais, mas acima de tudo econômico, para nos fazer desistir do mundo que achávamos ser melhor que assim não fosse, atuando no enfraquecimento das crianças, na dormência dos jovens, e na execução por morte civil dos nossos velhinhos. já não formamos barricadas com nossas jaquetas azuis. nosso espírito foi desarmado, entorpecido, amordaçado, confiscado, trocado por delações vantajosas e vantagens de pequeno porte, que também significam cooptação a um modelo de vida que nos sufoca pelas nossas próprias mãos. e pela compressão das ideias que um dia levantaram nossas cabeças e nossos ombros. o espírito de batalha dos nossos blue jeans, que um dia foram manchados de sangue, e ainda mais torturados que em suas lavagens originais, ainda resistiram, aqui e ali, mesmo que em baus de sonhos e cabides relegados a porões de brechós de quinta. nós não. somos mercado e mercadoria de shoppings. nossa preocupação agora é encontrar vaga no estacionamento. e não em pegar a estrada. nossa música foi dispersada, maldita. nossos ídolos já não são os mesmos, apesar de ainda serem o que foram, e o que são. e os hits de cavalgaduras que se dizem cavaleiros ocupam todo o espaço que um dia foi só poesia e canção. por cima de queda, coice. a mediocridade prima-irmã da insanidade e violência clama ainda mais pelo sinal verde. o mesmo que fardado um dia quis nos obrigar a rezar em ordem unida, altivando-se em dizer que ali estava para combater o vermelho. e tivemos um dos mais vermelhos período de nossas curtas vidas perdidas e desaparecidas naqueles anos de chumbo líquido sobre nosso sexo. e mesmo assim, cá estamos nós. neste exato momento ainda parados diante do sinal fechado. não o da ruas; porque nesse, se parar-mos, morremos na hora. mas no stop do pensamento onde há um não que assedia um sim, que teima em nos dizer que é possível desembainhar a inteligência, como arma, a coragem, como veículo, e a ousadia, de se reinventar estratégias de luta, para por abaixo tudo que ai de novo volta para nos fechar o sinal.
ainda que a terra ande cada vez mais cinza, e os ainda combatentes cada vez mais grisalhos, num planeta de ar cada vez mais irrespirável, nós que fizemos nossa parte, também deixando de fumar, ainda cabemos no feitio de torná-la azul mais uma vez. mas desta vez não basta vestir o blue-jeans novamente . desta vez, se quisermos mesmo conseguir, vamos ter de fazer mais. bem mais até que uma luta armada. porque depois do sinal fechado, ainda restam as barreiras. e são estas que tem que ser definitivamente eliminadas. caso contrário. sinal fechado, porteira fechada, vida encerrada, política morta, sexo idem. escravidão oficializada novamente. e os poucos que resistirem, executados no acostamento, novamente sem direito a passagem pelo IML. enquanto isso, na viatura policial, sirene no volume máximo, amplificador do rádio idem. enquanto soldados se divertem pra ver quem se esgoela mais que os mais novos sertanejos universitários do pedaço. sirene, viatura, rádio, amplificador, soldados, sertanejos universitários, todos unidos no cumprimento do seu papel, do seu dever, com direito a claque e louvores a jesus. eis o resumo da ópera daltônica: enquanto adormecido o pensamento, empacados os moinhos, empacada a grande roda da história. empacados os cadáveres mortos ou vivos. por isso baby, não compre os (tele)jornais. eles também estão fechados para nós.
três expressões são fundamentais na performance publicitária em todos os sentidos e departamentos. e nenhuma destas três expressões não são, e nunca o serão, ensinadas em nenhuma faculdade de publicidade, no que daí aumenta o meu notório descrédito a estes filisteus do ensino.
são elas: do caralho, vai dar merda e fudeu. que se torna fodeu nos casos ainda mais graves.
quando as coisas estão na esfera do caralho, tudo ou quase tudo, está em má dieta ou seja acima das normas. e bem longe das outras duas expressões(vai dar merda e fodeu). é o título do caralho,o texto do caralho,o leiaute do caralho,a campanha do caralho, o cliente do caralho, o fornecedor do caralho, a secretária do caralho,o filme do caralho.do caralho é bom.muito bom, claro que há as coisas ainda melhores, as do grande caralho.é bom, mas há ressalvas quanto ao caralho do atendimento/planejamento.aliás,nunca vi um atendimento do caralho(nem planejamento). muito embora algumas vezes isso se diga em tom de gozação, principalmente com as atendimentos, na verdade assistentes, boas pra caralho(e só).na enorme maioria das vezes, uma enormidade do caralho, sobrava para o atendimento o caralho enviesado. mudar o título um caralho!, o cliente pediu é o caralho, planejamento é o caralho ou, vai-te pro caralho, no que se depreende que caralho e atendimento se dão bem às avessas.
já vai dar merda,é um sinal amarelo.que, como o dito cujo, ninguém respeita. são incontáveis as vezes que alguém pressente - até o motoqueiro da agência - que vai dar merda. qual o quê. segue-se em frente e isto vai desembocar na terceira e das mais terríveis expressões da publicidade. a expressão que finda o trabalho e a história de tanta gente. porque depois desta não há caminho de volta, exceto para os que possuem um talento - ou lábia - do caralho. quando fodeu,fodeu; quando dá merda, ainda dá-se um jeito. e onde o vai dar merda acontece quase sempre? nas segundas e nas sextas, nas sessões de fotos com a modelo, quase nunca profissional, que é amante do cliente - supermercados de bairro adoram isto - nas revisões de ofertas do varejo, nas festas de aniversário de fim de ano, nas filmagens na praia, nas reuniões de pauta, nas apresentações da agência para clientes estrangeiros,nos spots de rádio entregues a estagiários, nas campanhas para repartição pública, no assédio a estagiária teen, na campanha política, no teste de aprovação de atores, na gravação de comerciais urbanos. enfim: em tudo ou nada do que já se sabia estava incubado no ar da pretensão, da covardia e do amadorismo, o que inclui a soberba de alguns que se julgam acima dos deuses da profissão, que mais desgraçam do que salvam. mas mesmo assim, as merdas são feitas. pois são atávicas à profissão.
e se deu merda, fudeu. quando alguém diz fudeu!, é bom sair de perto, pois invariavelmente sobra pra você e aí, quando sobra, fodeu.
quando o fudido é bom de foda, ele escapa momentaneamente. mas não se engane. logo logo ele estará no rol dos fudidos e mal pagos. e quando se dá o tão fudido e famigerado fodeu?
como alguém disse antes, o fodeu, grau maximo do fudeu, começa quando não se escuta o aviso - muitas vezes interior - do vai dar merda. se vai dar merda, então já é meia foda.
fodeu quando contas são perdidas - o passaralho costuma vir junto beliscar o seu piloro - fodeu porque cheio dos ares de criativo e artista, mais para woody allen do que para brad pitt, você comeu a mulher ou a filha - do diretor da agência. ou quando você ignorou o aviso de reservado para a diretoria e porrou o porsche do diretor financeiro com seu jeep velho de guerra( se for numa agência menor, baixe o status dos carros- o jeep continua -e aumente o peso do fodeu. e aí entenda: quem se fodeu, literalmente, foi você e o porsche. o jeep não se fode(só a nossa paciência).fodeu quando você foi contratado porque disse que vindo para a agência os clientes vinham com você e não vieram - muitas vezes eles fazem isso para lhe fuder mesmo - fodeu quando você chupou conceito do anúncio daquele anuário que segundo você ninguém nem lê. fodeu quando você colocou peças de outro no seu portfólio. fodeu quando sua ida a cannes foi cortada com uma desculpa de merda. fodeu quando você faz noitadas para caralho e alguém está fodendo sua mulher ou seu marido em seu lugar. fodeu quando você chega a conclusão de que é muito foda viver assim e que não aguenta mais ser tão fudido.
contudo, se ainda assim fodido - menos por violação de direitos autorais, esta fudição é eterna - você achar que esta é uma profissão do caralho, então és mesmo um fudido com algumas boas chances de ser um fudido do caralho. até porque muita gente antes de botar pra foder(alguns botam pra foder em muita gente e só) e se tornarem uns publicitários do caralho, do grande caralho, fuderam-se pelo menos umas duas ou três vezes por mais que soubessem que não iam dar em merda.
de merda que seja,eu,por exemplo,me fodo pra caralho até hoje. e olhe que nem fiz tanta merda assim - também nao fiz tanta coisa do caralho. e do grande caralho, fiz mas me fudi, porque meu nome não podia ser divulgado associado as peças - e tampouco aos prêmios. mas, mesmo os prêmios do caralho eu nem faço assim uma questão do caralho. então, modesto, pra caralho of course, posso dizer que me basta saber um fodido do grande caralhinho ou um fodidinho do caralho. o grande ainda não me cabe. mas publicitários não costumam fazer auto-criticas do caralho. e do grande caralho, menos ainda.
(p.s. quando comecei a escrever isto aqui eu sabia que ia dar em merda. agora fodeu).
* originalmente publicado aqui no cemgraus em 16 ago 2012 e republicado agora só pra chatear os sacripantas do storytelling. pilantras fodidos do caralho.
Três didáticos casos sobre o alcance da atual guerra híbrida que a esquerda parece fingir que não existe, encastelada na sua “estratégia política” ao dar corda para o desinterino Temer supostamente se enforcar:o porquê das panelas não baterem mais; o “conto maravilhoso” do ex-executivo que virou sem teto; e a minissérie da TV Globo “Sob Pressão”. Três pequenos casos exemplares de como as bombas semióticas, mobilizadas pela guerra híbrida, constroem a atual mitologia meritocrática que vige no País legitimando as reformas do ensino, trabalhista e previdenciária –uma mitologia que não nega a realidade, mas a pontua através da ficção, despolitizando o debate e normatizando a crise como fosse mais um desses desafios que surgem em nossas vidas, somente superados pelo esforço pessoal.
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Em postagem anterior (clique aqui) este humilde blogueiro abordou um aspecto bem particular da atual guerra híbrida travada no Brasil: a construção do perfil etnográfico urbano que chamo de “simples descolados” – a nova e sustentável versão do antigo “coxinha” de camisetas polo Lacoste do século passado.
Principalmente como esse perfil cresceu num momento de radicalização e polarização política a partir de 2013 no sistemático processo de esfacelamento da democracia brasileira.
Dentro da guerra simbólica o “simples descolado” foi uma resposta ao neo-desenvolvimentismo dos governos trabalhistas e a inserção da classe C no consumo, enquanto os “simples descolados” começavam a resgatar como “chic” tudo que era “popular”, “de raiz”, por meio de eufemismos como o “orgânico”, o “sustentável” etc.
E como a grande mídia criou uma nova “mitologia gastronômica”, combinando o “despretensioso” e a “simplicidade” com o ideário meritocrático e empreendedor – preparando o terreno para o momento atual no qual desempregados destituídos de direitos trabalhistas veem como única saída o “empreendedorismo”: a fé religiosa no momento em que a força de trabalho se converta em capital – assim como na Eucaristia o pão e o vinho se transubstanciam no corpo e sangue de Cristo.
A postagem recebeu algumas críticas de leitores de esquerda: “punheta retórica sem sentido”... “não admira que a esquerda tenha perdido o apoio do povão”... “deixa o povo cozinhar, gozar...” entre outras “observações”.
Ele já sabia...
“A gente vai se livrar dessa raça”
Em 2005 o senador catarinense Jorge Bornhausen, em meio ao início da crise política do mensalão que culminaria 11 anos depois no impeachment de Dilma, foi profético: “porque a gente vai se livrar dessa raça, por, pelo menos, 30 anos”. Parece que o senador já sabia de antemão dos planos traçados pela guerra híbrida - cuja tecnologia de ação direta e midiática foi importada diretamente do Departamento de Estado dos EUA.
“Observações” como as citadas acima parecem comprovar que até agora a esquerda não conseguiu entender que o golpe político, a imposição da atual agenda da destruição dos direitos e o possível adiamento das eleições de 2018 (sentida pelos “balões de ensaio” jogados aqui e ali no noticiário, principalmente econômico) não ocorreu no vácuo. E muito menos por “erro de cálculo” político ou “de estratégia” dos governos petistas.
Em postagens passadas, vimos como as bombas semióticas detonadas pela guerra híbrida alimentaram as hostes do neoconservadorismo por meio da criação de um novo conjunto de perfis etnográficos urbanos: “simples descolados”, “novos tradicionalistas”, “coxinhas 2.0”, “rinocerontes” etc. Novos hábitos de consumo, atitudes, valores etc. que combinavam a “sustentabilidade sustentável” do ecologicamente correto com as velhas teses neoliberais da Escola de Chicago e Austríaca de Friedman e Hayek.
Enquanto a “sombra das maiorias silenciosas” assistiu e assiste bestializada a tudo (clique aqui), nas classes médias cresceu essa “massa crítica” neoconservadora que bateu panelas, vestiu camisas amarelas da CBF enquanto black blocs performavam a ensaiada tática (onde será que eles ensaiaram?) de ação direta nas ruas.
Por devoção à paciência e didatismo, este Cinegnose vai apresentar três pequenos e educativos exemplos de como funciona a guerra híbrida e detonação de bombas semióticas no campo de batalha da opinião pública: o porquê das panelas não bateram mais, mesmo com o escárnio diário das ações do desinterino Michel Temer para se blindar das acusações do Ministério Público Federal; a pequena fábula do ex-executivo morador de rua e a minissérie da TV Globo Sob Pressão.
1. Por que as panelas não batem mais?
As esquerdas acusam os paneleiros de “hipócritas” e “envergonhados”. Não batem mais panelas supostamente por vergonha, arrependimento: “olha no que deu!”...
Para as esquerdas, essa é uma percepção conveniente. Com isso, viram as costas à questão da guerra híbrida que não querem enfrenta-la. E resumem a questão do “silêncio das panelas” a “paneleiros massas de manobra”. A eles a imputação moral da culpa e vergonha.
Mas a guerra híbrida não é uma questão de moralidade mas de logística e pragmatismo, como apresenta de uma forma extremamente didática o filme Mera Coincidência (Wag The Dog, 1997).
Para quem não se lembra ou nunca assistiu ao filme, Meera Coincidência acompanha os problemas do presidente dos EUA que, na reta final da campanha à reeleição, envolve-se num escândalo sexual com uma adolescente.
O presidente convoca um conselheiro especializado em contra ações de marketing (Robert De Niro) que precisa reverter a agenda a poucos dias do final da campanha: contrata um produtor de Hollywood (Dustin Hoffman) para produzir uma guerra fictícia contra um país supostamente promotor do terrorismo internacional, a Albânia. Heróis, jingles, campanhas cívicas, vídeo clipes etc., uma verdadeira campanha promocional é criada para que a mídia morda a isca.
A certa altura, o produtor inventa o drama de um soldado norte-americano mantido prisioneiro pelos albaneses, o sargento William Schumann. Como o sobrenome rima com “shoe” (sapato), inventaram uma ação de marketing para criar um apoio melodramático ao suposto drama do militar americano mantido em cativeiro - assista a sequência abaixo.
Robert De Niro e Dustin Hoffman saem no meio da noite para jogar sapatos velhos nos fios e postes. Um menino observa curioso, e Hoffman fala: “espalhe para os outros garotos”. Pronto! Em pouco tempo, toda América jogava sapatos velhos na fiação urbana como apoio simbólico ao sargento “old shoes”, prisioneiro dos malignos terroristas albaneses.
Panelaços começaram dessa maneira no Chile em 1971 como estratégia de guerra híbrida para a derrubada do governo de Salvador Allende. E com o mesmomodus operandi: bateções de panelas repercutidos pela grande mídia. Para quê? Para criar o efeito de imitação através da chamada “espiral do silêncio” – a compulsão mimética do indivíduo querer fazer parte de uma suposta maioria.
A esquerda racionalizou, ou melhor, tentou colocar o fenômeno dos panelaços brasileiros, dentro de uma narrativa: é a luta dos “ricos contra os pobres”.
Na verdade, os ricos ganharam muito dinheiro na era Lula. Quem batia panela eram as classes médias cujo psiquismo é por essência conformista e louco para participar de “ondas” – Freud via por trás adesão a uma suposta maioria o medo da solidão: pior que a morte, o que o indivíduo mais teme é a solidão. Aderir à maioria seria uma forma de atrair o amor e a aprovação dos outros para si.
Panelaços não mais acontecem porque simplesmente o contexto passou (como uma “ola” em um estádio) e a logística da guerra híbrida deixou em stand byessa ação de marketing. Enquanto a esquerda ideologiza, a direita é pragmática – quando quer, a qualquer momento, liga o motor da espiral do silêncio.
Foto: Mauro Pimentel/AFP
2. O conto maravilhoso do executivo que virou sem teto
Perdido em um portal de notícias, a edificante história de um ex-executivo, gerente de Recursos Humanos de várias empresas, que vive há um ano meio na ruas do Rio de Janeiro sem dinheiro para pagar aluguel. Perdeu o emprego em 2015 e hoje dorme em frente ao aeroporto Santos Dumont e deixa seus pertences em uma agência bancária na qual tem conta – clique aqui.
Analisa ofertas de trabalho em seu laptop graças ao Wi-Fi do aeroporto. A matéria descreve que ele traja “camisa social e tênis moderno” e “não aparenta ser um dos milhares de sem-teto da cidade”.
Segundo o texto, o ex-executivo acredita “que isso é algo passageiro e se esforça para não deixar a peteca cair” e diz preferir “ficar isolado porque se me juntar com outros sem-teto posso conviver com coisas como drogas e sujeira”. E ainda descreve que ele “tem perfil no Facebook onde aparece de terno e gravata”.
O texto é um primor de narratologia que lembra a chamada Morfologia do Conto Maravilhoso do pesquisador Vladimir Propp (1895-1970): a separação brutal(crise, desemprego), morte simbólica (ex-executivo sem-teto) e renascimento simbólico (não deixar a “peteca cair” – “faz exercícios físicos, lê em cafés e livrarias”, não se deixar contaminar por “drogas e sujeira” etc.).
Tudo para elevar a moral da tropa através da mitologia do mérito e do esforço pessoal. A crise, que deveria ser o momento de crítica e reflexão, é normatizada através dessas fábulas de esforço e superação.
Como o semiólogo francês Roland Barthes observava, a operação linguística básica das mitologias é esvaziar a História (a estrutura política e social) para transformá-la em Natureza – naturalmente dificuldades sempre existirão na vida. E estas existem para serem superadas.
Pegue uma notícia (um ex-executivo sem-teto) em um contexto atual (14 milhões de desempregados) transforme em um conto maravilhoso de superação no qual uma pessoa (transformada em personagem exemplar) se sobrepõe aos milhões de desempregados.
Resultado: tudo parece decorrer da natureza das coisas, uma estranha normalidade tranquilizadora na qual o esforço pessoal (ele não se deixa contaminar por drogas e sujeira) é mais importante do que qualquer questionamento do porquê repentinamente surgem milhões de desempregados.
Mais uma bomba semiótica normatizadora do conto maravilhoso com uma importante lição de moral despolitizadora: “fiquem tranquilos, é tudo passageiro! Só depende do esforço e mérito individual.
3. Sob Pressão
Em meio às notícias diárias da extinção de farmácias populares e de hospitais públicos fechando setores como maternidade ou pronto-socorro por falta de insumos hospitalares mais básicos, eis que a atenta teledramaturgia da TV Globo entra em ação com a sua estratégia semiótica de sempre pontuar as mazelas nacionais com a ficção televisiva.
Com a minissérie Sob Pressão, a emissora transforma a atual crise que gera milhões de desempregados e desmanche da saúde pública em thriller hospitalar.
Segundo a Globo o seriado “expõe a realidade da saúde pública por meio de dilemas vivido pelo protagonista, o médico cirurgião Evandro (Júlio Andrade), e por outros médicos como Carolina (Marjorie Estiano)”.
Evandro é quase um MacGyver que lida com a falta de tudo para salvar vidas – como, por exemplo, a falta de drenos para um paciente, resolvida com uma mangueira que encontra pelo hospital, corta em pedaços, desinfeta e faz dela os drenos que precisa.
Claro que nesse drama todo dos pacientes em hospitais públicos sob a política geral de desmanche, sobrepõem-se as tensões das relações pessoais, afetivas e amorosas, dos próprios médicos.
Normatizar a realidade por meio da ficção: a “crise” é uma dessas vicissitudes da vida que de repente cai sobre nossas cabeças para nos desafiar – só depende de nós a superação e o esforço.
A minissérie Sob Pressão é mais um “conto maravilhoso” dentro do atual evangelho meritocrático que atualmente vige no País – narrativa que legitima a atual agenda de mandar às favas todas garantias e direitos sociais por meio de “reformas” trabalhistas, previdenciárias e políticas.
Esses três pequenos exemplos são apenas amostras do alcance da atual guerra híbrida. Ela é insidiosa porque paradoxalmente não nega a realidade. A guerra híbrida não censura ou mente: ela mostra a realidade, porém sob a narrativa ficcional que se transformam em mitologias que esvaziam a História e despolitiza o debate. OCinegnose chama isso de “bombas semióticas”.
Logística semiótica diante da qual a esquerda parece virar as costas, acreditando que tudo será resolvido por “estratégias políticas”, como, por exemplo, “soltar a corda para o Temer se enforcar”. E que nas próximas eleições tudo será sanado.
Sabendo-se que o atual Congresso já deu reiteradas provas de que não conhece limites e pudores, é questão de se colocar sob risco a possibilidade de eleições para o ano que vem...
* Três didáticos casos de guerra híbrida e bombas semióticas que a esquerda finge não ver, do wilson roberto vieira ferreira, inhttp://cinegnose.blogspot.com.br se você gostou, discordou, ou encafifou leia mais(basta clicar)
Quando eu era criança, assim como inúmeras outras mulheres da minha geração que cresceram assistindo programas de tv americanos (mesmo quando dublados em árabe), eu costumava girar e girar, tentando alcançar super poderes como os da Mulher Maravilha. Eu queria contrair o meu nariz e magicamente transformar tudo ao meu redor, como Samantha de Bewitched.
Essas personagens femininas eram exceções entre as doces donas de casa, as secretárias eficientes e as donzelas em perigo que dominavam a mídia popular da minha época. A Mulher Maravilha e Samantha tinham o poder de mudar as próprias vidas, mesmo se esses poderes precisassem permanecer escondidos, sempre mantidos em segredo.
Eu sabia que as aquelas personagens não era reais, que os poderes delas eram mera fantasia feita para o entretenimento. Mas eu não parei de acreditar que talvez, apenas talvez, eu poderia ter poderes em algum lugar dentro de mim. Não importava se girar só me deixava tonta e se torcer o nariz não completava magicamente minhas tarefas domésticas. Eu continuava tentando.
Eu estou com 40 e poucos anos agora e o mundo mudou muito desde da minha juventude, quando o jornal impresso, o rádio e a televisão só mostravam às mulheres como serem esposas obedientes e agradáveis, boas mães e donas de casa eficientes.
Naturalmente, eu estava empolgada quando ouvi falar que finalmente Hollywood estava produzindo um filme da Mulher Maravilha com grande orçamento, depois de múltiplas interações de Batman, Homem-Aranha, Super Homem e outros filmes com super heróis homens. E, melhor ainda, o filme seria dirigido por uma diretora mulher.
Então, veio o choque e a traição.
Veio a tona que a Mulher Maravilha (ao menos nesta versão hollywoodiana) é uma sionista declarada e líder de torcida de crimes de guerra. Gal Gadot, a atriz do papel principal, foi um soldado ativo no exército quando Israel invadiu a bombardeou o sul do Líbano em 2006.
Em 2014, Gadot enviou uma mensagem de apoio para os soldados israelenses no momento que eles estavam abatendo mais de 2.100 seres humanos presos em uma praia sem nenhum lugar para se esconder ou chance de escapar. Vizinhanças inteiras foram bombardeadas, famílias inteiras ficaram soterradas dos escombros das suas próprias casas. Por 52 dias, eles fizeram a morte chover do céu, da terra e do mar nos cidadãos indefesos do lugar mais densamente povoado do planeta.
Aqueles que não foram assassinados, foram mutilados ou feridos de um jeito ou de outro. O bombardeio não parou até o pouco que sobrou da infraestrutura construída em Gaza depois da chacina anterior ser destruído de novo, incluindo hospitais, eletricidade, tratamento de água, agricultura, negócios, estradas, escolas e barcos de pesca.
Israel tem um dos exércitos mais mortíferos do mundo, com máquinas de guerra da mais avançada tecnologia, e usam esse poder na maioria das vezes e com mais frequência principalmente contra populações desarmadas sem possibilidade alguma de se defender. O que Israel fez com a Palestina, e com a Faixa de Gaza em particular, é incontestável. É uma das piores formas de opressão e injustiça e, atualmente, já virou antiga.
Ainda, poucas mas preciosas opiniões tentaram examinar qual o significado de elencar uma Sionista para uma personagem feminina icônica. As reações da mídia tradicional foram, na maioria das vezes, laudatórias. A maioria da crítica focou na incongruência de colocar no elenco um mulher bonita para refletir uma imagem de poder feminino. Onde a ideologia de Gadot era mencionada, era no sentido de tentar reprimir a indignação pública quando veio a tona que ela era uma Sionista.
A defesa é familiar: Israel está lutando contra terroristas. Estão só se protegendo, tentando manter seus judaísmo iluminado no meio da barbárie da região não judaica. Isso é a mesma narrativa que o apartheid da África do Sul teve quando prendeu Nelson Mandela, quando cortou crianças de escolas em Soweto, ou quando massacrou protestantes em Sharpeville. Eles, também, estavam se defendendo contra as pessoas nativas que não gostavam de ser oprimidas.
E se Hollywood fizesse esse filme nos anos 1980s e colocasse no elenco uma militante do aphartheid para o papel de Mulher Maravilha? A mídia dos EUA iria focar no talento da atuação dela e na sua beleza, ao invés de no fato dela abertamente e com orgulho afirmar seu direito, enquanto mulher branca, de subjugar as pessoas do seu próprio país?
O que é mais desconcertante é que Gadot vem sendo chamada de feminista (por sua própria reivindicação), e, notavelmente, vista como uma mulher de cor. Queen Latifah se encaixa e teria feito um papel excelente de Mulher Maravilha, mas estou divagando.
A família de Gal Gadot veio para Palestina como colonizadora e conquistadora. Como a maioria dos Sionistas, a maioria de seus familiares mudou o nome Greenstein, para “indigenizar” eles mesmos. Mas isso não mudou quem realmente são. A posição de privilégio de Gadot na vida está baseada no desespero, desapropriação, roubo e destruição da sociedade indígena do lugar onde ela vive. Sobre isso, ela não oferece vergonha ou desculpas, mas sim orgulho.
Os debates feministas sobre esse filme têm ignorado esse fato crucial sobre ela. Eles têm omitido os aplausos da atriz sobre matanças desonestas que tiraram a vida de 547 crianças em menos de dois meses. No lugar disso, o foco das discussões vem sendo nas impossíveis proporções físicas dela. Essa é apenas mais uma maneira de como a destruição está normalizada na nossa sociedade.
Mas, não errem.
Não há conciliação entre Sionismo e feminismo. Esse feminismo imperialista antiquado pertence a outra era, quando as feministas lutavam pelo direito ao voto, mas apenas para as mulheres brancas.
Nas palavras de Jaime Omar Yassin, “O feminismo não pode ser Sionista, assim como não pode ser neonazista. Feminismo que não tem um entendimento de como ser interseccional com as opressões raciais e étnicas é simplesmente uma diversificação da supremacia branca.”
Eu não vi o filme e nem pretendo. Mas milhões de meninas assistiram ou vão, incluindo garotinhas Palestinas, como uma versão mais nova de mim mesma. Elas vão ver superpoderes femininos simbolizados numa super heroína que tem desdém, desrespeito e desprezo por vidas Palestinas. É uma pintura dolorosa de ser contemplada. Eu só posso agradecer ao Líbano e a Tunísia – e as pessoas individualmente no mundo todo – por boicotarem o filme.
*A maravilha do feminismo imperialista
Ou como a Mulher Maravilha virou de heroína à apoiadora de crimes de guerra.
Por Susan Abulhawa
*Susan Abulhawa é uma escritora palestina. Autora do livro best-seller internacional “Morning in Jenin” (Bloomsbury, 2010). Ela também é a fundadora do Playgrouds for Palestine, uma ONG para crianças.
Texto publicado originalmente em inglês no site do Aljazeera.
Tradução de Carolina Braga.
Nota da tradutora 1: Essa tradução foi publicada com a autorização da autora.
Enquanto mulher feminista que defende um feminismo intersec, negro e classista, resolvi traduzir esse texto de Sandra Abulhawa buscando ampliar a possibilidade de debate. Quero deixar registrado, por fim: feminismo que cola com opressões étnico-raciais não é feminismo, é supremacia branca.
Carolina Braga é pernambucana, feminista, jornalista, historiadora e mestranda em História Social na UFF.
Demorei sete anos (desde que
saí da casa dos meus pais) para ler o saquinho do arroz que diz quanto tempo
ele deve ficar na panela. Comi muito arroz duro fingindo estar “al dente”,
muito arroz empapado dizendo que “foi de propósito”. Na minha panela esteve por
todos esses anos a prova de que somos
uma geração que compartilha sem ler, defende sem conhecer, idolatra sem por quê.
Sou da geração que sabe o que fazer, mas erra por preguiça de ler o manual de
instruções ou simplesmente não faz.
Sabemos
como tornar o mundo mais justo, o planeta mais sustentável, as mulheres mais
representativas, o corpo mais saudável. Fazemos cada vez menos política na vida
(e mais no Facebook), lotamos a internet de selfies em academias e esquecemos de comentar que na última festa todos os
nossos amigos tomaram bala para curtir mais a noite. Ao contrário do que
defendemos compartilhando o post da cerveja artesanal do momento, bebemos mais
e bebemos pior.
Entendemos
que as BICICLETAS podem salvar o mundo da poluição e a nossa rotina do
estresse. Mas vamos de carro ao trabalho porque sua, porque chove, porque sim.
Vimos todos os vídeos que mostram que os fast-foods acabam com a nossa saúde –
dizem até que tem minhoca na receita de uns. E mesmo assim lotamos as filas do
drive-thru porque temos preguiça de ir até a esquina comprar pão. Somos a
geração que tem preguiça até de tirar a margarina da geladeira.
Preferimos escrever no computador, mesmo com a letra que lembra a velha
Olivetti, porque aqui é fácil de apagar. Somos uma geração que erra sem medo
porque conta com a tecla apagar, com o botão excluir. Postar é tão fácil (e
apagar também) que opinamos sobre tudo sem o peso de gastar papel, borracha,
tinta ou credibilidade.
Somos
aqueles que acham que empreender é simples, que todo mundo pode viver do que
ama fazer. Acreditamos que o sucesso é fruto das ideias, não do suor. Somos
craques em planejamento Canvas e medíocres em perder uma noite de sono
trabalhando para realizar.
Acreditamos
piamente na co-criação, no crowdfunding e no CouchSurfing. Sabemos que existe
gente bem intencionada querendo nos ajudar a crescer no mundo todo, mas
ignoramos os conselhos dos nossos pais, fechamos a janela do carro na cara do
mendigo e nunca oferecemos o nosso sofá que compramos pela internet para os
filhos dos nossos amigos pularem.
Nos
dedicamos a escrever declarações de amor públicas para amigos no seu
aniversário que nem lembraríamos não fosse o aviso da rede social. Não nos
ligamos mais, não nos vemos mais, não nos abraçamos mais. Não conhecemos mais a
casa um do outro, o colo um do outro, temos vergonha de chorar.
Somos
a geração que se mostra feliz no Instagram e soma pageviews em sites sobre as
frustrações e expectativas de não saber lidar com o tempo, de não ter certeza
sobre nada. Somos aqueles que escondem os aplicativos de meditação numa pasta
do celular porque o chefe quer mesmo é saber de produtividade.
Sou
de uma geração cheia de ideais e de ideias que vai deixar para o mundo o plano
perfeito de como ele deve funcionar. Mas não vai ter feito muita coisa porque
estava com fome e não sabia como fazer arroz.
*a
triste geração que tudo idealiza mas nada realiza por marina
melz, na revista pazes.
nota do blog: esta geração fanta-guaraná¹ é do piorio, bem mas bem pior que a geração coca-cola