Imagina que você está tentando arrumar
um trampo numa das principais agências de publicidade da indústria. Esse é o
seu sonho, tudo que você sempre quis: um emprego criativo, claro, mas nas
circunstâncias certas uma chance de mudar o mundo, de usar muito jeans e
blazer, e estar a algumas promoções de um salário de seis dígitos. Classe
criativa, sim, mas sem a parte da pobreza. E é assim que você chega lá:
passando por três rodadas seletivas, várias entrevistas, testes e
apresentações. E agora, você conseguiu um belo bufê de benefícios e clientes
mundialmente conhecidos. Mas não apenas isso: te disseram que a empresa é
amistosa, encoraja proatividade e é ranqueada como uma das melhores do Reino
Unido [você pode substituir por Brasil aqui também] em satisfação dos
funcionários.
"Esse era eu, um ano atrás: olhos
brilhantes, cabelo lavado, maravilhado com o fato de que tinha uma geladeira de
Coca Zero grátis no escritório. "
Infelizmente, todo mundo é babaca, se
comporta como babaca e essa é uma indústria babaca construída sobre uma forte
fundação de babaquice.
Aí você vê o problema. Esse era eu, um
ano atrás: olhos brilhantes, cabelo lavado, maravilhado com o fato de que tinha
uma geladeira de Coca Zero grátis no escritório. Em vez disso, fui jogado num
mundo que vai além da paródia: cabeças vazias, drogas, roubo de ideias
resvalando na fraude e nem um grama de bom senso para policiar tudo isso.
Claro, eu esperava que a indústria tivesse suas merdas — a indústria é
basicamente merda monetizada — mas, sabe, não tanta merda assim.
Bom, aqui vai o que aprendi:
SE SOA
BEM, ENTÃO TEM QUE SER BOM
Ideias são o alicerce da indústria da
publicidade, uma indústria que entende que ideias são etéreas, difíceis de
forçar, meio sem forma, necessitam de pensamento livre e do espaço e tempo
certos, precisam de cuidado e poda, como orquídeas.
Infelizmente, a indústria é
absolutamente desprovida de ideias, então nada disso importa.
Começa com coisas pequenas. Testemunhei
um dos nossos estrategistas sênior fazendo anotações num guardanapo, apesar de
ter trazido um notebook com ele. A empresa inteira recebia e-mails inspiradores
com citações do famoso boxeador Mohamed Alli. Tivemos apresentações comparando
"conteúdo viral" de marcas com doenças virais, com pessoas sendo
"infectadas" pela "epidemia" do nosso conteúdo (e não era
uma piada com aquele episódio de It's Always Sunny in Philadelphia).
Comecei a frequentar reuniões de
brainstorm — que, claro, são cheias de ideias de merda por natureza — e minhas
esperanças não eram muito altas, considerando o que eu tinha visto antes. Eu
esperava duas, talvez três boas ideias por hora. Quatro, num dia bom.
Mas dali não saiu nenhuma ideia. Zero.
No lugar delas vieram... bom, seja lá o que é isso:
"O underground, por natureza, é
muito escondido."
"Se nosso anúncio não é autêntico,
ele parece falso."
"Através de promoção sinergética,
podemos aumentar a conscientização."
O que não seria ruim se algumas dessas
charadas invertidas depois não se tornassem a base para campanhas publicitárias
caríssimas.
GUARDE
SEUS PENSAMENTOS COMPLEXOS PRA VOCÊ
Na primeira semana, trombei de cara com
um dos valores que a agência tinha identificado e estabelecido: estratégias
complexas deviam ser expressadas apenas na forma de slides. Quanto mais imagens
melhor, e
- Não.
- Mais.
- Que.
- Cinco.
- Parágrafos.
Então, quando cometi o erro de escrever
uma análise detalhada de um cliente num documento de Word, meu gerente disse
que eu tinha que "visualizar" minha pesquisa. Me disseram que a
empresa gostava de usar apenas ferramentas sofisticadas, como — e essa é uma citação
direita — "o PowerPoint".
SE VOCÊ
MUDA O NOME DA MARCA, NÃO É PLÁGIO
Outra coisa comum nas sessões de
brainstorm: a equipe sênior nos encorajava a tirar inspiração de ideias de
outras marcas. Devíamos nos "inspirar" assistindo uma propaganda
feita por outra agência, pegar os temas-chave dessa propaganda e analisar
palavra por palavra para mudar isso para algo relevante para a marca com a qual
estávamos trabalhando. Isso acontecia em quase todo brainstorm.
Por exemplo, estávamos trabalhando com
uma marca popular de biscoito que estava tentando fazer o rebranding de um de
seus produtos mais conhecido, mas geralmente desprezado (pense em Marmite, mas
com biscoito) (na verdade: essa ideia é incrível?). Para chegar a uma
propaganda agradável, os líderes criativos da agência juntaram todo mundo numa
sala para assistir uma única propaganda de Oreo, de novo e de novo, e de novo,
depois mais uma vez, e outra, até que o produto final parece algo que passamos
o comercial pelo thesaurus.com.
"A barreira intelectual para
entrar [na indústria da publicidade] é excepcionalmente baixa."
Outra vez estávamos trabalhando para
uma empresa de carros e tiramos toda nossa "inspiração" da campanha
de 2014 da Mercedes-Benz "Construa Seu Próprio Carro no
Instagram". Passamos uma reunião inteira seguindo todas as
rotas possíveis de combinação de carro, e aplicando isso diretamente à marca
que estávamos competindo para ganhar a campanha. Aliás, nossa empresa pegou
essa conta.
NÃO
INTERESSA SUA ORIGEM, IDADE OU CAPACIDADE, VOCÊ TAMBÉM PODE SER UM PUBLICITÁRIO
Mesmo com alguns métodos criativos
menos que rigorosos, a agência podia facilmente ter mentes analíticas
inteligentes na forma de diretores de clientes, incumbidos não apenas de
gerenciar as contas e a criatividade, mas também o orçamento e os dados. Mas
minhas interações com diretores de clientes não me deram muita esperança. Uma
vez tive uma longa conversa — e acho que ele não ainda saiu satisfeito —
explicando para um deles que um aumento de 1% nas vendas do ano era um aumento
de 3% para os anos anteriores. Esses mesmos diretores contribuíam regularmente
nos brainstorms e se agarravam aos dados, sem edição ou discussão, para fazer
uma campanha multimilionária. A lição é a seguinte: com arrogância e lábia
suficiente, qualquer um pode ser publicitário. A barreira intelectual para
entrar é excepcionalmente baixa.
SE
NINGUÉM PODE PROVAR QUE VOCÊ ESTÁ ERRADO, NÃO É MENTIRA: OU "A TAL DA
CONVERSA FIADA"
Meu tempo na agência também contou com
introduções regulares a cada departamento, nos quais os chefes comentavam no
que seu departamento contribuía em cada conta. Apesar de cada seção oferecer
suas próprias habilidades e forças, uma coisa era mencionada em todos os
departamentos:
"Ah, não, a gente não massageia os
números das nossas taxas de sucesso — nós inventamos mesmo."
Um departamento tinha muito orgulho de
uma ferramenta que tinha desenvolvido, baseada num algoritmo criado pela
agência, que podia melhorar o target em propagandas televisivas. O único problema da
ferramenta? Ela não existia. Mas a equipe sênior me informou que os clientes
adoravam ver a interface fotoshopada da ferramenta e os resultados
inacreditáveis que a agência tinha alcançado com ela, e que isso realmente
ajudava a fechar negócios e ganhar contas, então... tinha... alguma...
necessidade... de criar uma ferramenta real?
VOCÊ SE
DÁ BEM SE FINGIR QUE AINDA ESTÁ NOS ANOS 60
Quando me contrataram, uma das coisas
que eu estava mais empolgado era a cultura da empresa. A agência ganhava
prêmios todo ano graças a taxa de satisfação dos funcionários e era conhecida
por oferecer os melhores benefícios do Reino Unido, fora os prêmios pelas
propagandas. E eu queria alguns daqueles benefícios.
"Infelizmente,
não valia a pena aguentar a realidade cotidiana da agência pelo bufê de café da
manhã."
Infelizmente, não valia a pena aguentar
a realidade cotidiana da agência pelo bufê de café da manhã. O que era
discutido no trabalho podia ser categorizado em três tópicos: as últimas
fofocas do escritório (sexo; cocaína), com que donos de mídia eles tinham
cheirado recentemente no almoço (cocaína; sexo), e relatos gráficos das últimas
escapadas sexuais (um diagrama de Venn perfeito de cocaína e sexo). Várias
empresas acrescentavam "brincadeiras" nas apresentações na forma de
fotos de membros da equipe sênior posando com strippers num clube. Meus colegas
passavam horas do expediente mostrando tuítes de colegas pedindo a mulheres
famosas para "sentar no meu pau". E quando ficavam entediados disso,
começavam um debate acalorado sobre que nacionalidades eram "melhores"
para contratar babás e empregadas. Não lembro do episódio em que Don Draper
gritava "Foda-se! Italianos CAGAM nos poloneses!" Mas era bem isso.
DESDE
QUE VOCÊ CONSIGA SE SAFAR, FAÇA
A publicidade — como você pode imaginar
pelo número de campanhas que causaram polêmica nos últimos anos, das
propagandas de "corpo de praia" até o Superbowl — é uma terra
operando muito longe dos confinamentos do politicamente correto. Mais ainda no
meio de novembro, quando os convites para a festa de Natal da firma começaram a
chegar.
O tema "Benefícios
Britânicos" era promovido por uma filipeta coberta de imagens de bom gosto
de Vicky Pollard encorajando a equipe a participar, com a instrução: "NÃO
PENSE SIMPLESMENTE EM CHAV [um
jeito pejorativo de falar em estereótipo] – ESSA É UMA OPORTUNIDADE DE PENSAR
FORA DA CAIXA!!"
Quando sugeri que talvez não fosse uma
boa ideia — mesmo que de uma perspectiva profissional, já que alguns dos nossos
clientes eram organizações sem fins lucrativos com contratos no governo — o
escárnio foi histérico. Uma discussão que começou com "como uma coisa
dessas vai sair daqui?" naturalmente se metamorfoseou numa câmara de eco
de "insanidade politicamente correta", e finalmente terminou com a
questão em aberto: "Black face é tão ruim assim?" Sim. Assim como ir
para uma festa de Natal usando Burberry ironicamente e abrir garrafas de
champanhe com anéis masculinos.
Sendo assim, eu recomendaria a
indústria da publicidade para todo mundo? Por um lado: não. Por outro lado:
não, ainda não recomendaria. Quando você mergulha nela de cabeça e tem que
lidar com essas pessoas todo dia, e bate cabeça repetidamente contra um muro
desolado de criatividade, e faz algumas propagandas (um grupo inclusivo de
crianças, abrindo os olhos em câmera lenta; uma versão de elevador de uma
música pop; um narrador de voz grossa; um Honda Civic indo em direção ao pôr do
sol) de novo e de novo, você percebe: por isso tem tanto pó e putaria na
indústria. É o único jeito de lidar. Bom, agora trabalho com comunicação. É
muito melhor.
*matéria originalmente
publicada na vice na VICE UK .
Tradução: Marina Schnoor