há pouco mais de um mês, edson "brasiluso" athayde, o publicitário que faz mais sucesso - e cólicas aos seus pares - por lá do que por cá, esteve em recife, a propósito do lançamento de dois dos seus(bons)livros, devidamente empacotados numa ação palestrante sobre o storytelling. na verdade o pretexto, o desfecho do argumento, o cerne do roteiro, a história que não foi contada era contida nos livros e não no telling, que não passa disso mesmo: pretexto pra boi dormir.
a minha opinião pessoal sobre o storytelling - e dela não arredo pé - é que temos aqui, novamente, mais um bull shit* ou o bull shit do verão passado. mais um factoide, criado pelos publicitários - ou pela indústria da publicidade - modismo, naming ou o que seja, para criar algum folego para uma atividade que ultimamente tem sido pouco condescendida para com os seus e para com os outros, e para com o respeito, que em tamanha falta, degenera o glamour que já teve um dia, para o bem e o mal, desconstruído pelas próprias falcatruas - a propósito, fica realmente muito difícil respeitar quem se vende tão barato ou que dá de graça ou que vende a mãe e passa recibo ou que desdiz o que disse ontem, quando afirmou "eis a solução para os problemas", quando um dos maiores problemas é justamente a solução encontrada. é meus caros: decididamente já não se fazem publicitários - e contadores de histórias - como antigamente.
mas o bull shit pode ser pior quando toma ares salafrários, bisbórrios. e eis que nem ainda o "defunto esfriou", e já temos outro, que estava lá na apresentação do edson, e que difere, e em muito daqueloutro, fernandeando loas sobre o primado do saber até então enrustido de contar histórias para conquistar clientes e consumidores. a diferença é que aqui não há gratuidade sob o custo dos livros em pretexto. agora temos "taxas de investimento". de 220 reais (agora não se paga. se investe. eufemismo, mais um, de bosta, ao ponto de um circunlóquio) o que, em muitos casos, é cerca de um quarto do salário pago a publicitários de criação. um pouco mais, um pouco menos. menos? menos ainda sim senhor. mas há os vale-refeição para iludir a fome dos ouvidores de estórias, algumas sem pé, a maioria sem cabeça. faz parte do caráter do lima fazer esta limonada de sábado, não como gancho de oportunidade de plateias ainda não saciadas mas, como exercício do oportunismo de plantão.**
mas caralho!(há quem diga que todo caralho tem histórias para contar mais que ninguém quer ouvir, daí a ejaculação precoce) desde que o mundo é mundo a tradição oral sustentou e elevou civilizações ao cume do saber e do poder. quem tinha uma boa história tinha seguidores. e quem a contava de forma ainda melhor, aumentava ainda mais o séquito. aliás, não foi à toa que durante três séculos uma equipe de copies - sob a mão de ferro de um diretor de criação? ou diretores? - escreveu e reescreveu(arrisco dizer que foi mais reescrito do que escrito, célebre conselho de ogilvy "escreva, edite, escreva e novamente edite") - o mais vendido, ou maior, como queiram, storytelling de todos os tempos. tanto que até agora convence muita gente do implausível - inclusive a meter a mão no bolso - gerando mais e mais produtos paralelos, merchands múltiplos, licensings diversificados e tudo o mais(sim, é a bíblia, estúpido!) inclusive um de agora, cuja maior crítica foi justamente o material acrescentado - noé, russell crowe, roteirizado por aronofsky e john loga - o que prova que mexer no telling do story dos outros não é para qualquer um. como o sempre o foi na propaganda.
isto posto, agora não me venham vender como novidade, "salvadora do negócio" algo que existe desde o início dos tempos - e falo dos tempos ac e não dc. chega de bull shit. tenham santa paciência. tenham dó de seus neurônios, por maior que seja a vontade de mistificar o processo. eis mais uma terminologia fabricada, entre tantas outras, tal como 360, por gente que não consegue mais fazer o que devia ser feito. e bem feito. não? bom, se o storytelling existe mesmo, chegou atrasado. afinal, o primeiro sutiã era o que mesmo(1987)? boa propaganda, pois não? pois é. é o que falta.
para não alongar mais esta triste story, nem eu aguento tanto telling, esta semana veiculado nos meios - e nos sites e demais especializados em propaganda - um filme da turkish airlines que foi decantado como um primor de storytelling mas que convenhamos, é mais do mesmo, de muitos que já vimos.
então reafirmo: mas se isto então é storytelling, o que dizer então do primeiro sutiã? (1987) que junto dele faz o filme da turkish parecer teco-teco?
então, porra! como é velho este tal de storytelling, não é mesmo? isto é coisa para mim que tenho mais de 60 anos, que ouvia storytelling no radio, estes sim é que eram fodas(criar o filme ou figura na cabeça do ouvinte com o poder do texto/argumento) não para esta moçada nova, que se diz tão antenada, e que portanto devia, se não construir, copiar outro futuro que não tenha a nossa cara do passado. caso contrário, vamos ficar cheios de noés de meia-tigela e ai não tem arca que nos salve ou se salve de(com) tantos furos.
chega de story e menos ainda telling. basta fazer o que tem de ser - realmente feito - e bem feito. ai a história já será outra como deveria de ser e não repetir a cantilena furada.***
* opinião que externei ao athayde antes do evento que, como dizem por aqui, "pegou ar" e mandou a boa resposta de que bull shit é quem critica sem assistir. touché!
sem tergiversar mais, digo que o melhor "storytelling" do edson é o seu próprio. sua trajetória de adolescente da periferia carioca de trejeitos e risada catatônica ao que é hoje. enfim: ainda hoje zero de physique du role esperado à profissão de criativo publicitário. sendo assim desde aquela época de portatfólios(as célebres pastas do omar) de griffes por fora e conteúdo blasé; de blasers armanis montados; de gravatas de bichinhos e dos tênis dourados dos tais anos dourados da propaganda. como só ele mesmo poderia ter feito, encarnou a metáfora do não sabendo ser impossível foi lá e fez. e fez muito. e muito bem feito(sem rótulos). sendo quixote e pança em uma só pisada. e isto, numa época onde comer no dia seguinte talvez não fosse possível. todo o resto, junto disto, premiado em cannes ou não, é história menor ou estórias de maledicências que nem sequer lhe fizeram a justiça de parecerem ser bem contadas.
** sobre o fernando? bom, eu prefiro o abba.
in tempo: para quem ainda não realizou o que diabos é storytelling, eis uma - das tantas - definições cavilosas, do mcsill storytelling group(brasil/portugal), segundo eles, "contar histórias é para todos. o storytelling, entretanto, deve ser definido como o ato consciente de passar emoções, temas ou posições morais da mente do mensageiro à mente do interlocutor e levar o interlocutor a agir. isto é: estruturar uma narrativa com um propósito e, dentro dela, ser capaz de embutir ordens e informações que levem o interlocutor a se engajar, compelindo-o a tomar uma posição, realizar uma tarefa, aceitar ou rejeitar uma proposta e emocionar-se com um texto escrito ou falado". neste link, se você tiver saco - eu não tenho - tem todo tipo de receita de storytelling - vendedores de banha de cobra, aos montes - o que prova que o storytelling banalizou-se a ponto tal que o chorume esborra na internet. e se dúvidas houvessem, dentro deste link, o do james mcsill, assusta tamanha cara de pau. e pau e picareta, se complementam na ferramenta de cavar o vácuo https://www.youtube.com/watch?v=Xu8jrKiCykQ sim, storytelling e transmídia são "irmãos de gênero" ou de orientação se você achar mais politicamente correto.
*** e nem me venham com aquela outra conversa mole de que os tempos mudaram(falarei sobre isto noutro post - bill bernabach) que os meios mudaram, que a tecnologia isso e aquilo e que a ação de interrupção não funciona mais. esteja você fazendo o que fizer, se algo realmente bom lhe interrompe, você para e presta atenção. eu, por exemplo, toda vez que a vizinha abre a porta da sua casa, eu interrompo até doação de sangue. inclusive este post agora.